INTRODUÇÃO
Durante muito tempo eu tentei de todas as formas assistir Big Bang Theory. Dublada, legendada, em épocas diferentes, em ordem de lançamento ou episódios soltos. O geek appeal do seriado televisivo com temas que fazem parte do meu cotidiano sempre foi um chamariz, mas infelizmente essa série faz parte do repertório de "coisas que eu gostaria muito de amar, mas não me pegam de jeito nenhum".
Essa situação é muito parecida com o que me ocorreu ao jogar Born of Bread. Desde a apresentação do conceito do jogo, com uma direção de arte absurdamente linda e a premissa da inspiração profunda em Paper Mario: The Thousand-Year Door, uma falsa e particular segurança permeava o título. Segurança de que seria uma obra que eu amaria desde o primeiro momento.
Mas, infelizmente, isso não aconteceu, e os motivos pelo quais Born of Bread não foi uma das minhas melhores experiências de 2023, você confere a seguir.
Sobre o jogo
Desenvolvido pela WildArts Studio Inc., Born of Bread é um RPG de aventura baseado nos tropes de jogos clássicos de turno. Nele, você joga como Loaf, um pão que criou vida pelas mãos do padeiro Papa Baker, e a relação entre os dois é bem parecida com o arquétipo do Pinóquio.
Após uma série de eventos que colocam a liberdade de Papa Baker em cheque, Loaf parte em uma aventura com seus amigos para combater forças malignas que voltaram à vida e agora ameaçam o reino. O jogo se desenvolve através de uma jogabilidade "paper-RPG", com gráficos em 2.5D e a premissa de ser bem-humorado e regado de personagens silly (bobinhos).
Mas para quem esse jogo foi feito?
Seria extremamente hipócrita da minha parte, tendo Conker's Bad Fur Day como um dos meus jogos favoritos, dizer sem contexto algum que o maior problema de Born of Bread reside na falta de tradução e contextualização dos diálogos humorísticos que lembram muito um seriado no estilo sitcom.
Entretanto, diferentemente do "jogo proibido da Rare", que utiliza de símbolos cinéfilos arraigados na cultura pop para construir suas piadas, Born of Bread trabalha sua comédia majoritariamente em trocadilhos com palavras em inglês e com piadas que fazem parte da cultura e do cotidiano exclusivamente norte-americano.
Quando essas duas coisas se juntam, a obra tem o potencial de ser extremamente engraçada e assertiva nas suas piadas, mas... isso para pessoas fluentes em inglês e que vivem a cultura estadunidense, já que o título não possui localização em português brasileiro.
Minha insatisfação crescia à medida que cada nova linha de diálogo aparecia, e uma das piores sensações é sofrer com uma barreira não só linguística como cultural. Born of Bread é como uma conversa entre amigos íntimos que não fazem questão de te incluir no assunto. E isso dá vontade de ir embora.
Mas algumas peças ainda não se encaixavam para mim. São inúmeros os jogos que clamam pelo fator "diversão", e que realmente a entregam, independente da barreira linguística. Existia mais alguma coisa me incomodando muito, e não era a falta de localização do jogo.
A Jogabilidade de Born of Bread
Como dito anteriormente, o RPG se baseia não só esteticamente mas também nas mecânicas de Paper Mario, o que por si só já é uma premissa muito atraente.
Os ataques e defesas de Loaf e seus amigos devem ser realizados conjuntamente com uma espécie de mini game, em que o sucesso aumenta a eficácia dos movimentos. Cada ataque possui uma tipagem que pode ou não ser efetiva contra a tipagem dos inimigos.
A maioria dos ataques utilizam a "mana" do jogo, chamada de WP, enquanto especiais com buffs defensivos utilizam do RP. As formas de recuperar WP são através de defesas bem sucedidas, utilização de itens e realização de tarefas específicas que são fornecidas durante o combate. Não é possível recuperar RP através das defesas.
Até agora, tudo lembra e é bem parecido com a fórmula “Paper-RPG”, e não digo que o melhor dos mundos seria que a equipe criativa tivesse parado por aqui, mas um novo sistema de recompensas que era pra ser bem divertido, do qual falarei a seguir, acabou se tornando uma das minhas maiores fontes de decepção.
O "saver" e as recompensas de transmissão
Os tropes do RPG-clássico são introduzidos na obra a partir do momento em que nos deparamos com uma Guilda de Heróis. Para se enquadrarem como tais, Loaf e seus amigos precisam de um saver, alguém que fica responsável por salvar o progresso da aventura. Por conta dos estereótipos franzinos dos nossos “heróis”, nos é recusado o empréstimo de um saver, mas uma criatura extremamente carismática (e também franzina) se coloca à disposição da nossa party. O nome dele é Dub.
Dub é o personagem que mais me saltou aos olhos durante o jogo, mesmo com as limitações narrativas. Um minúsculo dragão, com problemas de dicção e muito inseguro, mas que teve coragem suficiente para seguir seu sonho de ser um saver, e que nos cativa com a sua fragilidade. Mas as suas funcionalidades não se limitam a somente salvar o progresso.
O moderador de chat mais fofo que você já viu
Dub carrega um notebook, e durante as batalhas fica responsável por transmitir uma live do combate, bem paródica com as transmissões realizadas em plataformas como a Twitch. Nela, temos ficticiamente, em tempo real, a reação de telespectadores com os nossos movimentos realizados. E é aí que mora o problema de uma mecânica que poderia ser genial.
Quanto mais telespectadores e reações positivas com o nosso desempenho, mais experiência e recuperação de WP são fornecidos, mas os únicos movimentos que injustificadamente aumentam esses fatores são o movimento padrão de ataque e defesa, e isso é muito frustrante...
Tudo o que você fizer que não for um ataque ou defesa padrão, decepciona os telespectadores, diminuindo a quantidade de viewers e reações positivas no chat. Um verdadeiro reforço negativo tanto em gameplay quanto visualmente, já que, como você deve imaginar, vencer batalhas somente com ataques básicos é algo que leva muito tempo. e ver as reações negativas dos telespectadores não é nada agradável! Não faz sentido nenhum a existência de um sistema de feedback em tempo real como esse, que te priva de utilizar as já escassas mecânicas de combate.
Pequenas insatisfações que se acumulam
Outro fator que decepciona são as opções mecânicas repetidas entre as muitas armas e poderes. Os mini games são sempre os mesmos, e a única forma de liberar mais ataques especiais é através da exploração monótona dos ambientes do jogo em busca de “salamandras especiais” escondidas, que podem ser trocadas por pontos de habilidade.
Não bastassem as interferências narrativas e mecânicas, a interface é extremamente confusa, tanto para interpretar mapas quanto para realizar ações simples como trocar os personagens da nossa party, algo que deve ser feito constantemente, obrigando o jogador a abrir o menu e circular entre páginas ao invés de ter um botão dedicado somente pra isso. Apesar da direção de arte estonteante, o jogo também apresenta muitos conflitos funcionais entre o ambiente 3D e os personagens 2D, o que pode ser frustrante para algumas pessoas.
Conclusão
Com uma proposta maravilhosa de uma história sobre atos heroicos que nascem da improbabilidade, Born of Bread vem para tentar homenagear os clássicos da fórmula “Paper-RPG”, mas acaba se ofuscando com regionalismos e conflitos técnicos que aos poucos minam o interesse do jogador, longe de alcançar o carisma e a satisfação das mecânicas nas quais se inspira, ainda mais com o lançamento concomitante da nova versão de Super Mario RPG.
Entretanto, o desenvolvimento de jogos como Born of Bread é uma fagulha de esperança para os fãs da constantemente reciclada franquia da Nintendo. O desejo por um "Born of Bread" com melhorias técnicas e inclusivo em localização ainda permanece, mas por enquanto, ficamos somente na esperança.
Agradecemos imensamente à WildArts Studio Inc. pelo envio de chave para análise.
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