Terceiro título da Remedy acerta na coesão entre elementos saturados da ficção científica.
Introdução
Há pouco tempo me surgiu a vontade de fazer companhia à um grande amigo em sua jornada de passear pelo jogos da Remedy Entertainment. Fizemos questão de adentrar em entrevistas, documentários, artigos e conferências com a carinha do carismático Sam Lake. Foi quando iniciei minha aventura pelo catálogo majoritário de jogos de tiro em terceira pessoa da desenvolvedora finlandesa, e até o momento essa tem sido uma das minhas experiências favoritas de 2023.
Quantum Break foi o terceiro título do diretor com o qual tive contato, e no qual interpretei um padrão colossal de importância em elementos narrativos e estruturas de roteiro. O alto impacto que Sam Lake proporciona só é possível por conta de uma escrita incrível, além da paixão inegável por músicas dos mais diferentes estilos.
Além disso, diversas influências de quadrinhos, livros, séries e filmes noir, de horror, terror, suspense policial, thriller psicológico, ficção científica e drama se tornam salientes na roteirização de suas obras, mas Quantum Break acerta diferente. Direi o porquê a seguir.
Acertar e errar faz parte do tempo
Sendo um jogo de 2016, e escolhendo um tema que já estava relativamente saturado no meio audiovisual, a aventura de Jack Joyce tinha tudo para dar errado. Gosto de pensar que, em alguma linha temporal, Quantum Break foi uma tremenda galhofa.
Mexer com viagem no tempo é como mexer em um vespeiro, principalmente quando a abordagem abraça os picos da ficção científica atrelados em conceitos de física quântica. Pior do que isso, dado o histórico do finlandês de estar para a escrita na décima arte assim como Kojima está para o cinema, a incontável quantidade de logs, e-mails e conteúdos em texto poderiam ser uma “encheção infindável de linguiça metafísica”, o que surpreendentemente não foi o caso.
A construção do “micromundo” da cidade portuária de Riverport é envolvente do começo ao final, e mesmo com o plano de fundo do "salvador loiro dos olhos azuis", inserido abruptamente no contexto de grandes poderes e grandes responsabilidades, Sam Lake transforma Quantum Break em uma homenagem de ponta aos materiais de perseguição policial — e incrivelmente não imperialista — com uma história que poderia ter sido facilmente escrita por Christopher Nolan em um de seus bons filmes.
Ao passo que a preocupação em estabelecer Jack Joyce como um herói não-blasé era inevitável, fui totalmente surpreendido pelas tramas que compõem presente, passado e futuro do que conhecemos como tempo. A sensação inevitável de urgência, as reviravoltas e os desfechos de cada personagem são pontos extremamente fortes no jogo, assim como diversas escolhas criativas que merecem elogios. Algumas delas são os pontos de ruptura, a sensação ininterrupta de correr contra uma ameaça iminente, a presença das bifurcações e os efeitos das nossas escolhas. É tudo tão forte, que eu realmente me questionei como seria ter o poder de controlar o tempo em mãos, e se eu estaria pronto para enfrentar as consequências dessa possibilidade.
Não bastasse o apontado, ainda temos a presença dos episódios em série que transformam a transmídia em uma surpresa gratificante, construída de acordo com as nossas escolhas no decorrer do jogo. Entendo Lake nessa decisão, pois seria um tremendo desperdício não agraciar o mundo com as atuações não-interativas de atores como Aidan Gillen e Lance Reddick, que contracenam com uma naturalidade incrível tanto no jogo como no seriado entre os episódios.
Infelizmente, alguns elementos presentes na jogabilidade me privaram de uma experiência totalmente agradável. Tiroteios truncados e uma aberração cromática que transforma diversas cenas em compilados de borrões causam um desconforto que se torna tolerável somente depois de algumas horas, condições que de certa forma traduzem o pioneirismo do motor gráfico utilizado. Mas nada maior do que isso a ser criticado, já que a manipulação do tempo é interpretada de maneira competente nas mecânicas de combate e movimentação.
Sinceramente, achei que fosse dar uma nota muito menor por conta das questões acima, mas é necessário levar em consideração que os desenvolvedores entregaram um experiência que, mesmo com percalços, se manteve fiel do início ao fim em sua primeira tentativa de lançar um título com a Northlight. Não são poucas as testemunhas que dizem que Control só poderia ter corrido a maratona de 2019 por conta da caminhada perversa e dos tropeços proporcionados pela experiência com Quantum Break três anos antes. Só consigo imaginar o que nos espera em Alan Wake 2.
Conclusão
Não fosse a obra prometida como um dos carros-chefes do Xbox One, acredito que Quantum Break teria sido uma experiência mais bem recebida pela mídia no seu lançamento. Inserido no contexto conturbado de decisões criativas que prejudicaram o console como um todo, não é difícil imaginar parte da culpa sendo compartilhada com um exclusivo que não possuía o desempenho gráfico e comercial esperado pela indústria.
Felizmente, para mim, experienciar a aventura de Jack Joyce recentemente e sem expectativas se traduziu como uma boa e satisfatória experiência, e espero honestamente continuar me surpreendendo com as escolhas criativas da Remedy Entertainment no futuro.
Não ironicamente, se teve uma lição que Quantum Break ensinou com maestria é que nós não podemos mudar os eventos do passado, mas podemos garantir que exista um futuro, seja ele como for.
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