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Como Shadow of the Colossus usa da música para contar uma história — Análise

Atualizado: 26 de out. de 2023


 

Se você ainda não jogou, recomendo jogar antes de ler essa análise, pois, vai estar cheio de spoiler, o que pode acabar interferindo na sua experiência. Recomendo a leitura do texto com as músicas indicadas nos parágrafos para uma melhor experiência.


 


 

Shadow of the Colossus é definitivamente um marco artístico na indústria de videogames e, muito se deve, na minha visão, que ele consegue lhe contar uma estória sem o uso de palavras.


Você se chama Wander, uma pequena abreviação de Wanderer (viajante) e sua missão é matar os 16 Colossos para trazer Mono, que foi sacrificada, de volta à vida. Então sua jornada começa, você, com sua fiel égua chamada Agro e uma espada que pode utilizar a luz do sol para guiar você nessa viagem.


Sim, sim, imagino que muitos já conhecem essa estória e como ela acaba, mas não vim aqui para falar sobre ela, mas de uma estória contada sutilmente por meio de notas e acordes. Hoje vou te contar como a estória de Shadow of the Colossus é contada brilhantemente em suas músicas.


 


Tudo começa na introdução do jogo, Prologue: To the Ancient Lands, nesse momento você escuta poucos arranjos musicais e um instrumento de corda chamado bouzouki que traz um som bem mediterrâneo sobressaindo os corais e a flauta. A harmonia te passa uma sensação de que você é apenas um estrangeiro naquele mundo e enquanto a introdução do jogo avança, vão se adicionando mais características na música, até que em frente, na entrada das terras proibidas, os violinos aumentam por um breve período causando uma sensação de ansiedade, mistério e curiosidade, onde logo em seguida a música relaxa e o jogo lhe mostra o templo, nesse momento você sabe que uma grande jornada está vindo. Essa música é um exemplo perfeito de como manusear os sentimentos de quem escuta, toda a introdução lhe prepara para o que está por vir, você sente angústia e medo do que virá a seguir.


Em seguida, após entrar no Santuário, localizado no meio do mapa, nossa próxima música começa, Prohibited Art. Com uma sensação mais desesperadora e um loop de piano com cellos, violinos e umas batidas com sinos, a música te passa sensação de urgência, essa é a última esperança do Wander e uma coisa que eu adoro nessa parte é que a Mono vem enrolada em uma manta, a música continua a tocar por todo o trajeto do Wander em coloca-la no altar, mas ao removê-la, a música para. Passam-se dois segundos em silêncio, você vê o olhar do Wander para a Mono e você sente a angústia, tristeza… o medo. A música retorna com uma harmonia triste, levada por violino e uma harpa. Kow Otani soube muito bem utilizar o instrumento mais natural e belo de todos, o silêncio.


E falando do silêncio, durante todo o percurso para enfrentar o próximo colosso, não há música tocando, apenas o som do vento e das cavalgada da Agro. Essa é uma escolha genial, pois, ao contrário de outros jogos e franquias, como The Legend of Zelda, na quais as jornadas de ponto A a B são preenchidas por Hyrule Field tocando, contando que você é o herói daquele universo e eventualmente vai salvar a todos, em Shadow of the Colossus não, você é apenas um ponto naquele lugar, talvez a falta de música já indicava a ambiguidade da jornada.


 


 

Após seu caminho silencioso, e ao se aproximar do local de descanso do próximo colosso você entra em combate. Como exemplo musical utilizarei The Opened Way, música tocada na segunda fase de Valus, Gaius, Phaedra e Argus. Começando do básico, essa música é tocada em ritmo rápido e intenso nada mais que 130 bpm (batidas por minuto), isso é o suficiente pra você sentir a adrenalina subindo pelo seu corpo. A música em si é bem simples, utilizando notas e acordes agudos repetindo entre si, enquanto o baixo responde aos acordes tocados e as notas principais vão subindo, criando uma espécie de marcha de batalha. Você se sente grandioso mesmo sendo apenas uma pulga comparado aos colossos, mas essa sensação não dura muito…


Em jogos, normalmente após vencer um grande inimigo, o último toque da música é sempre o mais animado e majestoso, você se sente triunfante e vem a sensação de que seu trabalho naquele momento foi concluído com sucesso. Shadow of the Colossus faz totalmente o oposto, a música de encerramento das batalhas é uma marcha fúnebre, um réquiem para o colosso que você acaba de matar. O que antes era uma música ascendente feita para você se sentir animado, forte e como se fosse capaz de fazer tudo, vira totalmente o contrário: a música tem acordes descendentes, e ao utilizar um acorde que precisa ser resolvido, Otani segura essa nota o máximo possível, você sente uma angústia subindo, como se aquilo precisasse de um fim. Tocado apenas no último segundo possível, é como se fosse uma analogia pelo que o colosso está passando, a dor de não ter feito nada e morrer tentando sobreviver, enquanto cai sem vida no chão.


Depois de matar todos os colossos e ver uma das cenas mais tristes do jogo, você pode se lembrar da primeira música que falamos, pois ela reaparece, e com timbres fúnebres, lhe passa uma sensação de tristeza. Tudo que você fez foi em vão, não há chance de salvar a Mono e pior de tudo, você foi manipulado para ressuscitar Dormin e possivelmente trazer o caos ao mundo. Otani quis trazer uma sensação de ironia, depois de tudo que você viu e ouviu, depois da gosma preta entrar em seu corpo e Wander aos poucos assumir uma aparência pútrida, você continuou a seguir esse caminho.


Após banirem o Wander e Dormin, mostra uma cena do povo da tribo indo embora do templo, a música que toca é muito mais serena, mas ainda trazendo uma sensação triste, como se dissesse que o pior passou, logo, temos uma transição para dentro do templo e vemos Mono acordando, com pequenos passos, confusa. A música começa a ascender e vemos subindo as escadas alguém que pensávamos que havíamos perdido. Em seguida, todos os instrumentos ou ficam mais baixos ou cessam, e temos mais uma vez o uso do silêncio como instrumento, você se sente curioso pra entender o que está acontecendo, você talvez esteja mais confuso que a própria Mono, que após pegar uma pequena criança com pequenos chifres em sua cabeça, sobe junto com Agro para o Jardim Secreto, onde uma música serena começa a ser tocada, seguida pela música de encerramento, com a sensação de que deu tudo certo no final.


 


 

E assim termina um dos melhores jogos na minha opinião, tanto musicalmente quanto em sua forma de contar sua estória, mas esse jogo abre um questionamento: até onde você iria para salvar alguém que ama?


Editado por Maya Souza


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