Like a Dragon: Ishin! Uma análise sob o olhar histórico, sociopolítico e identitário — Artigo
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Like a Dragon: Ishin! Uma análise sob o olhar histórico, sociopolítico e identitário — Artigo

Atualizado: 1 de out. de 2023


Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin
Reprodução: ©SEGA
Introdução

Somente em 2018 ou 2019, fui apresentado pela primeira vez a série Yakuza por conta de um amigo que jogava os jogos desde o segundo título no PlayStation 2. A série começou a ser lançada no Brasil a partir de 2008.


Consegui comprar o primeiro em uma barraca que ainda vendia jogos e, apesar de ter sido bacana, a dublagem ruim tirou qualquer chance de ser uma experiência marcante.


Meses depois, no PlayStation 4, olhando os jogos que outro amigo tinha, descobri que o Yakuza que eu havia jogado tinha ganhado um remake, e acabei baixando para ver como ficou. Foi quando me apaixonei por Yakuza Kiwami e fui logo procurar mais sobre a série. Graças a um vídeo compilado de todas as openings da franquia, entrei em contato com o 0, os jogos de Playstation 3 e então os Spin-Offs.


Logo de cara, os que mais me chamaram a atenção foram Ryu ga Gotoku Kenzan e Ryu ga Gotoku Ishin, que estavam em japonês, mas que mesmo assim eram muito aclamados dentro da fanbase que na época era bem pequena.


Com o tempo, veio o conhecimento sobre a história da série fora do Japão: localização e marketing ruim no PlayStation 2, pouquíssimo público no PlayStation 3 ao ponto de quererem desistir e lançarem os jogos somente depois de 4 anos, títulos perdidos como Kurohyou e os de samurai, além da enquete que emplacou em Yakuza 0 e pavimentou o caminho para se salvar de vez com a sétima obra da franquia principal. E com isso, percebe-se que muita coisa acabou mudando nesse período de tempo.


Os fãs conseguiram traduzir dois desses jogos perdidos, comigo até fazendo um texto sobre o primeiro Kurohyou. Agora existe uma mídia física de Yakuza 5 fora do Japão e há um público grande o suficiente para a Sega ter aumentado o orçamento do estúdio por trás da série, possibilitando que finalmente se tornasse um jogo AA, inclusive com motor gráfico próprio (a Dragon Engine). Agora, o nome da série oficialmente mudou para a tradução que sempre deveria ter tido em primeiro lugar: Like a Dragon.


Apesar de não acompanhar a série desde o início, como aqueles que começaram no PlayStation 2 ou 3, pude acompanhar bem essa jornada. E de repente, do nada, durante uma State of Play (evento de anúncios da Sony), um trailer foi mostrado. A chuva, o cenário, tudo indicava um jogo no período feudal japonês, até que Goro Majima apareceu como Okita Soji e os fãs foram à loucura. Uma batalha que acontece desde 2012 finalmente chegou ao fim com o anúncio de Like a Dragon: Ishin!, um remaster do jogo de 2014 feito na Unreal Engine, por questões de iluminação, segundo o estúdio.


Ishin! era o jogo que eu mais queria jogar na vida, então quando descobri que foi anunciado, durante o intervalo da aula, eu saí gritando, mandei áudio gritando de comemoração, corri pela rua gritando de felicidade. Perguntaram se eu estava bem e fiquei enlouquecido com essa notícia durante uma semana. O trailer tocava "For Faith", o tema de Yakuza 4 que basicamente fala sobre a fé em um amanhã melhor que os quatro protagonistas estavam tentando alcançar. Isso foi um sinal de que as coisas definitivamente mudaram agora, e por conta disso, finalmente tenho a chance de estar aqui escrevendo para vocês sobre essa experiência.


Então, bora lá.


Uma breve aula de história

Bakufu, Shinsengumi, Sakamoto Ryoma e o que foi o bakumatsu.

Reprodução da obra A5-25 Kanadehon Chushingura - Décimo primeiro estágio. Pintura de Yoshitaki
Artista: Yoshitaki | Obra: A5-25 Kanadehon Chushingura - Décimo primeiro estágio

Aviso: Deixando claro aqui que, mesmo com as chances de cursar história, ainda não estou nem perto de ser um profissional qualificado. De qualquer modo, coloquei todas as fontes que utilizei para essa parte no final do texto. Também é bom lembrar que, para alguns, essa parte pode ser considerada completamente spoiler, pois é uma explicação completa de todo o período bakumatsu, mas recomendo ler mesmo assim, pois pode melhorar várias das sacadas do jogo.


Os jogos da Ryu ga Gotoku Studio sempre tiveram uma forte representatividade histórica, embora evitem tocar diretamente em temas muito atuais, como o tsunami de Tohoku ou a Covid-19, pois procuram trazer um tom mais reconfortante em relação aos acontecimentos. Em uma entrevista sobre Yakuza 5, eles explicam melhor essa questão.


O modo como o Japão se transformou após a bolha econômica e a tentativa de recuperação, mesmo sendo um tema muito "japonês" para nós compreendermos, é muito presente e explica bastante a ambientação de Kamurocho até o quinto jogo da série Yakuza, basicamente.


Kurohyou, como mencionei no meu texto anterior, aborda bastante a vivência da juventude, e o Yakuza 0 é inteiramente focado na bolha econômica e na vida durante esse período. Portanto, não é surpreendente que uma equipe como essa decida criar jogos totalmente centrados em um período histórico não contemporâneo, com Kenzan sendo o primeiro a se concentrar em Miyamoto Musashi.


Entretanto, Ishin se destaca por um motivo especial: você assume o papel de Sakamoto Ryoma, um dos, senão o principal nome durante o bakumatsu, um período de guerra civil no Japão que durou apenas 6 anos, mas que engloba 300 anos de história e envolve uma questão política bastante complexa. O jogo utiliza todos esses elementos em cada situação que se apresenta.


Fim do período Sengoku Início do Período Edo (Bakufu)
Ilustração de Saurai protegendo a carruagem real durante o Incêndio do Palácio de Sanjo.
Samurai protegendo a carruagem real durante o Incêndio do Palácio de Sanjo. Corbis / VCG / Getty Images

No fim do período Sengoku, Tokugawa tornou-se o novo xogum do Japão, que essencialmente é o líder militar e político do país, representando as vontades do imperador enquanto o protege. O governo hereditário do clã Tokugawa (chamado de Bakufu) manteve-se por aproximadamente 265 anos, entre março de 1603 a maio de 1868. Durante seus primeiros 200 anos, tudo estava indo tranquilamente. O Japão estava isolado do mundo e conduzia negociações limitadas, principalmente para evitar a propagação do cristianismo no país e preservar a sua estrutura.


A sociedade japonesa operava com um sistema de classes muito rígido, a ponto de até mesmo os samurais, que estavam no topo da hierarquia, lidarem com distinções sociais internas. Mercadores, camponeses e até mesmo burgueses - todos que viviam na época e não faziam parte dos grupos sociais mais influentes - eram tratados como inferiores. Essa desigualdade agravou-se quando navios americanos chegaram a Edo em 1853, exigindo que o Japão abrisse o país para negociações com os Estados Unidos. A ameaça de invasão era iminente e, por conta disso, o xogum acabou consentindo as negociações, também se vendo forçado a fazer acordos com a Inglaterra, França e Rússia, o que levou à sua desmoralização.


Para a sociedade japonesa, essa situação resultou em uma disparidade extrema, com metade do comércio sendo explorado por países estrangeiros. Isso gerou um sentimento generalizado entre a população de expulsar os estrangeiros e também de descontentamento contra Tokugawa, por ter aceitado passivamente os acontecimentos. As ruas estavam tomadas pelo caos e as forças locais de polícia não conseguiam conter a agitação. Os comerciantes desrespeitavam o governo, os camponeses enfrentavam dificuldades crescentes e os samurais sentiam-se traídos.


Nesse contexto tumultuado, quando o xogunato precisou consultar o imperador, recorreu a um grupo de ronins (samurais não pertencentes a um mestre oficial, sem recursos financeiros ou "honra") para protegê-lo. Isso resultou na formação de um grupo policial especial conhecido como Shinsengumi, liderado pelos ronins que protegeram o xogum. O Shinsengumi só aceitava os mais fortes e habilidosos, independentemente da classe social ou origem. No meio desse cenário de confusão e mudanças, um nome importante também surgiu: Sakamoto Ryoma.


Sakamoto Ryoma: a Luta contra o Xogunato e ideais socialistas
Representação de Sakamoto Ryoma
Representação de Sakamoto Ryoma | Livro: Sakamoto Ryōma / Chikami Kiyoomi cho and 坂本龍馬 / 千頭清臣著 (1914)

O Bakufu, em essência, isolou-se, confiando apenas nos clãs e províncias próximos ao governo. Isso afetou consideravelmente todos aqueles que não estavam envolvidos, resultando não apenas em desigualdades sociais e econômicas, mas também na exclusão política, onde a voz da maioria foi silenciada. Tosa, uma dessas províncias, foi o lar de Sakamoto Ryoma, filho de mercadores. Ele foi para Edo treinar suas habilidades como samurai e estava lá no momento em que os americanos chegaram com seus navios, conhecidos como "Navios Pretos" devido à cor da fumaça. Ryoma compartilhava da raiva da população e aderiu ao movimento anti-xogunato chamado Sonno Joi, que buscava o retorno do imperador ao poder e a expulsão dos estrangeiros.


Ryoma se envolveu, então, com o partido leal de Tosa, liderado por um amigo próximo chamado Takechi Hanpeita. No entanto, ele desafiou uma regra amplamente seguida em todo o país ao deixar a província sem autorização. Isso o colocou na mira da morte por parte de Tosa, mas sua dedicação aos ideais do movimento Sonno Joi permaneceu. Ele teve um encontro crucial com Katsu Kaishu, um membro do xogunato, que compartilhou sua visão de que o Japão só poderia sobreviver como nação ao abrir-se para o mundo e aprender com ele.


Ryoma concordou com essa perspectiva e tornou-se assistente de Katsu, abraçando essa filosofia de vida única. Ele combinou tradições japonesas com influências ocidentais, usando uma katana e um revólver, vestindo kimono e botas inglesas. Enquanto ajudava Katsu a reformar a marinha e atingir seus objetivos, Ryoma também expandia seu conhecimento sobre a cultura global e desenvolvia suas próprias visões políticas.


Houve um desacordo entre Ryoma e Hanpeita sobre a abordagem das mudanças necessárias. Ryoma preferia negociações políticas para evitar conflitos desnecessários e promover mudanças em todo o Japão, em contraste com o foco exclusivo em Tosa, onde as divisões de classe eram tão rígidas que Sakamoto Ryoma havia aprendido a usar a katana para se proteger do bullying durante sua infância.


Ryoma negociou com duas grandes províncias, Satsuma e Choshu, antigas rivais, unindo-as sob a bandeira do movimento Sonno Joi. Isso proporcionou uma vantagem substancial sobre o Bakufu. Ryoma também negociou com Tokugawa Yoshinobu para restaurar o poder ao imperador, a fim de evitar uma guerra, com sucesso.


Devido à sua experiência de vida marcada pela desigualdade de classes, Ryoma desenvolveu convicções socialistas. Ele almejava uma monarquia constitucional semelhante à da Inglaterra, buscando um sistema democrático e valorizando o imperador principalmente em termos culturais. Ryoma chegou a esboçar planos dessa visão em cartas enviadas à sua irmã mais nova.


Contudo, vários grupos dentro do movimento Sonno Joi divergiam (alguns eram contra o sistema de classes, enquanto outros buscavam a queda completa do xogunato). Enquanto a guerra se desenrolava e o xogunato perseguia Ryoma, ele se tornou um dos homens mais procurados no Japão.


O Shinsengumi, liderado por Kondo Isami, seguia rigorosamente a filosofia do Makoto, que poderia ser traduzida como "verdadeiro". Os membros eram obrigados a obedecer todas as regras propostas à risca, e a quebra delas resultaria em seppuku, o suicídio ritual praticado por samurais. Aqueles que se recusassem seriam mortos. O grupo formou várias divisões, adquirindo o apelido de Lobos de Mibu, devido a suas várias realizações notáveis. Por exemplo, impediram um incêndio em Kyo inteira e desbarataram um sequestro e assassinato com apenas quatro homens invadindo uma base inteira (O incidente de Ikedaya). Eles enfrentaram grupos do movimento Sonno Joi em vários confrontos, chegando ao ponto de quase assassinar Ryoma em Teradaya (uma pousada em Kyo), do qual ele sobreviveu graças à sua habilidade com a pistola e a katana, bem como a rápida intervenção de sua esposa.


Esse período ficou conhecido como bakumatsu, marcando o declínio do bakufu. No entanto, um evento que mudou drasticamente os rumos ocorreu em Omiya (outra pousada), onde Ryoma e Nakaoka Shintaro (um amigo) estavam conversando antes de serem atacados por um grupo cuja identidade ainda não é certa. Ambos foram mortos. A guerra prosseguiu até que os integrantes do movimento Sonno Joi se tornaram oficialmente uma força a serviço do imperador, enquanto os soldados do bakufu passaram a ser considerados terroristas. Eles foram derrotados com relativa facilidade, o que permitiu a ascensão da Era Meiji. No entanto, esse período também trouxe seus próprios desafios e levou o Japão a se aliar com a Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial.


Existe uma discussão sobre se o Japão que Ryoma idealizava se concretizou na Era Meiji, além de inúmeras outras questões a serem debatidas em relação a esse período histórico. "Like a Dragon Ishin", em essência, retrata todos esses eventos de maneira fiel, embora contenha algumas distorções e exageros intrigantes. E mesmo com conhecimento histórico, sinto que as pessoas estão indo jogar ele com uma ideia meio errada do que estão esperando, então vamos a uma explicação mais elaborada sobre o que é Like a Dragon: Ishin.


Like a Dragon: Ishin!

O verdadeiro significado da restauração.

Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin
Reprodução: ©SEGA

Kenzan trouxe para a mesa a ideia de não apenas reutilizar o elenco de dublagem dos jogos, mas também o visual dos personagens com os quais cada dublador trabalha, mantendo suas características, mas adaptando-as de acordo com a proposta do jogo. Dada a natureza totalmente em japonês dos jogos samurais, surgiu um certo mistério e dúvida sobre o significado real disso. Seria uma história de viagem no tempo? Os personagens estariam atuando em um filme? A melhor maneira de entender isso era jogar Hokuto ga Gotoku, que seguia parcialmente os eventos de Hokuto no Ken, enquanto incorporava ideias originais, com a particularidade de contar com a presença de todos os dubladores dos jogos.


Separando suas inspirações, metade de "Like a Dragon" é influenciada por Hokuto no Ken, e a outra parte pelos filmes de Takeshi Kitano. Portanto, tornou-se uma questão de associar os dubladores aos personagens que os inspiraram. Por exemplo, Kenshiro é dublado por Takaya Kuroda, que também dubla Kazuma Kiryu. Raoh é dublado por Masami Iwasaki, o dublador de Ryuji Goda, e assim por diante. Os detalhes dos personagens são mantidos, mas não vão além disso, o que também se aplica ao Ishin.


O jogo Ishin não é uma exceção nesse aspecto. Ele apresenta interpretações de figuras históricas com características específicas. Embora esse aspecto seja crucial para o jogo, que brinca bastante com o conhecimento prévio da franquia, isso se revela um dos seus encantos mais atraentes. Ter concluído o jogo Like a Dragon 3 oferece uma visão mais confiável de Hijikata Toshizo, ao entender o que Mine realmente buscava com Kiryu, tornando a relação entre eles mais intrigante. O mesmo vale para a relação de Kondo, que se torna mais interessante também.


Sakamoto Ryoma, assim como Kiryu, é um idealista que coloca sempre os outros em prioridade, ao invés de si mesmo. Apesar de Ryoma abrir mão de uma das características de Kiryu, que é a relutância em matar, isso se traduz em sua abordagem de considerar o ato de matar como a última opção. As lutas ganham uma dimensão poética ao representar como poderiam ter sido as relações entre certos personagens em momentos diferentes. Às vezes, o que muda é a exclusão de um aspecto, como no caso de Okita, que equivale a Majima, mas em vez de ser agressivo, é alguém que encontra satisfação em matar e não esconde nenhum motivo mais profundo por trás disso.


As diferenças entre Ryu ga Gotoku Ishin e Like a Dragon Ishin
Thumbnail do vídeo Like a Dragon Ishin! Remake vs Original Early Graphics Comparison. Feito pelo canal: Cycu1
Youtube Thumbnail | Vídeo: Like a Dragon Ishin! Remake vs Original Early Graphics Comparison | Canal: Cycu1

Há um elefante na sala: a versão do jogo que finalmente chegou ao ocidente não é a mesma que os japoneses jogaram em 2014 e até ganhou o nome de Kiwami (que é como a série nomeia seus remakes) em sua terra natal. Embora não tenha havido mudanças na movimentação, no combate ou na apresentação, a troca de motor gráfico trouxe uma ideia equivocada de que este jogo é apenas um remake.


Like a Dragon Ishin trouxe certas mudanças nos dubladores, adaptando-se aos jogos mais atuais; apresentou novas músicas para tornar as batalhas contra os 27 chefes mais especiais (pois antes havia bem menos músicas únicas); introduziu novas missões secundárias; trouxe várias opções de acessibilidade; e atualizou os gráficos com a Unreal Engine 4 (junto com alguns bugs).


Porém, o aspecto mais chamativo é o sistema de cartas com poderes especiais, que era originalmente exclusivo de um minigame de dungeon crawler (um estilo de jogo no qual você adentra cada vez mais uma masmorra/labirinto até enfrentar um chefe) e agora pode ser utilizado a qualquer momento no combate. Além disso, os chefes também têm novos golpes baseados nesse novo sistema. Essas cartas essencialmente funcionam de maneira semelhante às bankais de Bleach, mas, honestamente, não são muito bem implementadas. Elas não se encaixam bem no calor da batalha, atrapalham bastante a interface do jogo, têm um sistema de evolução próprio que é pouco útil e, em vez de serem ferramentas úteis, acabam mais como facilitadores. Contudo, é importante ressaltar que o uso dessas cartas é opcional, assim como a exibição dos números de dano.


Essa mudança parece ter sido claramente uma tentativa de agradar aos que conheceram a série através do Like a Dragon 7 e se acostumaram com o estilo exagerado e peculiar de Kasuga Ichiban, que vê tudo como uma batalha de Dragon Quest. Além disso, a troca de alguns atores é, em parte, uma forma de agradar àqueles que começaram a série com o Yakuza 0 (sendo que esses atores são de fato excelentes, recomendo assistir a algum filme com a participação de Riki Takeuchi). Essa mudança de elenco também justifica, em parte, a demora para que Ishin fosse lançado no ocidente.


O jogo não poderia ser apenas um relançamento semelhante à trilogia de PlayStation 3, pois já se encontrava disponível no PlayStation 4, no Japão. Portanto, uma simples remasterização não justificaria o preço de venda padrão da SEGA e, ao mesmo tempo, um remake no estilo dos Kiwami alteraria significativamente a experiência original para o público ocidental, que deseja experienciar o jogo como ele foi criado.


Pior ainda, havia incerteza sobre como um jogo de samurais fortemente inspirado pela política japonesa seria recebido pela audiência ocidental, mas "Ghost of Tsushima" surgiu e mudou completamente esse cenário. O que temos agora é um remaster com melhorias de qualidade de vida e acessibilidade, novas músicas, mudanças no elenco e introdução de mecânicas opcionais.


É válido criticar (e devemos fazê-lo) o fato de o jogo ter sido vendido pelo preço total, considerando essas alterações (assim como outros lançamentos recentes) e também discutir questões de preservação. No entanto, em linhas gerais, trata-se do jogo original e a sua chegada levanta questões interessantes que talvez não recebam muita atenção, sobre as quais falaremos a seguir.


Quando o oriente se junta com o ocidente

Reflexões sobre o sistema de cartas e localização

Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
Reprodução: ©SEGA

Os Sonno Joi, como dito anteriormente, tinham como principal objetivo expulsar os estrangeiros do Japão, devido à humilhação trazida pelos navios americanos. Ao mesmo tempo, uma das razões mais fortes para a sua existência era a xenofobia que se desenvolveu durante os 300 anos de isolamento imposto pelos Tokugawa.


"Shinsengumi: Assassins of Honor", dirigido por Tadashi Sawashima, ilustra essa situação muito bem logo em sua primeira cena, em que um grupo de Sonno Joi aparece para matar um grupo de imigrantes, a fim de evitar que eles "sujem" a terra dos "deuses" (os japoneses consideravam as ilhas do país como sagradas). Isso reflete uma rejeição quase que total de qualquer coisa que não seja japonesa, e até hoje a xenofobia permanece forte no país. Sakamoto Ryoma decidiu viver sua própria filosofia de abraçar o conhecimento novo para manter o Japão vivo. Inicialmente, enquanto jogava, a única forma que eu vi o jogo fazer isso foi por meio de missões secundárias e, em parte, no combate.


Existem várias situações em que Ryoma encontra imigrantes interessados na cultura japonesa e que acabam enfrentando dificuldades: um americano que foi salvo por um ronin e decidiu estudar para se tornar um samurai, mas é humilhado por sua pronúncia; um agricultor que tenta ajudar uma vila a sair da fome com uma fórmula que criou, mas é perseguido pelos Sonno Joi; um jornalista interessado em aprender mais sobre a cultura, mas é atacado em seguida; e assim por diante. Cheguei então a um dos mestres de estilo: William, um cowboy que ensina a atirar com a pistola e que viveu alguns anos com um japonês que considerava seu irmão, até que ambos foram atacados e apenas William sobreviveu. Ele cuida de um grupo de pessoas que vivem em extrema desigualdade, ensinando-lhes a se defender e atribuindo-lhes diversas tarefas, muitas delas relacionadas ao grupo que matou seu irmão. Ryoma decide ajudá-lo. Toda sua habilidade com a pistola no jogo é inspirada em técnicas americanas e movimentos de filmes do cinema western (cowboy, basicamente), seja no nome do golpe ou na própria execução dele.


Por si só, isso já seria uma mistura suficiente para comprovar que o Ryoma da Ryu ga Gotoku Studio vive a filosofia original. No entanto, há um estilo que torna isso ainda mais evidente: o "Wild Dancer". Misturando a katana, a pistola e a dança, ele traz um toque mais clássico de Hack and Slash para enfrentar diversos tipos de inimigos, com ênfase nessa combinação. Você pode atacar com ambos ao mesmo tempo, realizar combos e, quando um inimigo se aproxima por trás, atirar nele sem perder o ritmo. Também é possível focar exclusivamente em um dos dois elementos, mas sem perder a velocidade dos movimentos, além de refletir dano. Basicamente, é o estilo mais útil do jogo, e até suas ações de calor (os movimentos especiais da série) se baseiam em demonstrar o quão eficaz é essa troca cultural entre países. Não é à toa que, em quase todo o material do jogo, Ryoma é representado por esse estilo.


Esse é um modo interessante de caracterizar, por meio da jogabilidade, aspectos importantes do jogo e dos personagens. No entanto, a localização fez um trabalho ainda mais significativo nesse sentido.


Traçando um paralelo entre localização, difusão cultural, inspirações ocidentais e os ideais de RyomA Sakamoto
Estátua de cera de Ryoma Sakamoto no museu Madame Tussauts em Tóquio
Estátua de cera de Ryoma Sakamoto no museu Madame Tussauts em Tóquio | Reprodução: Madame Tussauts (site)

Um jogo com uma figura tão focada em fazer o Japão se abrir de restaurar sua política como protagonista ficar preso no seu país de origem não faz sentido mas sabemos que foi mais por conta de questões de lucro. Agora que ele finalmente saiu, temos várias línguas novas (e infelizmente nada de português) como opções e também todo um sistema novo feito apenas para explicar a história real do que aconteceu e os significados de vários dos termos que usam durante o jogo todo, tudo muito bem feito. Agora, não é só Ryoma que recebe a cultura de fora e usa ela a favor de tudo mas também o jogador, principalmente quem não tem interesse ou conhecimento nenhum sobre o Japão e sua história.


Ishin finalmente ter uma localização deixa tudo muito mais completo. Não é só uma questão de conseguir entender todos os diálogos mas de que isso complementa total a experiência, é de fato um jogo que vive pela filosofia do protagonista e até o sistema das cartas (mesmo que eu tenha quase ignorado completamente) faz parte disso.


A Ryu ga Gotoku Studio sempre contou com a participação de empresas japonesas reais para tornar Kamurocho mais verossímil. Inclusive, é bem fácil encontrar produtos presentes nos jogos à venda em mercados.


Além disso, a equipe também trouxe atores de diversas áreas e lutadores profissionais de wrestling para participarem dos jogos. Sem mencionar o trio do Yakuza 0, temos Susumu Terajima, que participou de quase todos os filmes de Takeshi Kitano e Takashi Miike, interpretando Jiro Kawara em Yakuza 2. Sho Aikawa, um dos atores mais recorrentes nos filmes de Miike, interpreta Koichi Takasugi em Yakuza 5 e Yakuza 6. Este último título também contou com a participação de um grupo inteiro de lutadores de wrestling japoneses como vilões de um minigame de moba, onde Kazuma Kiryu ajuda uma gangue a proteger sua cidade de outra gangue atacante. Em resumo, a aparição de celebridades é algo bastante comum na série, e essa característica é um dos seus encantos, especialmente considerando que muitas dessas celebridades fizeram parte dos filmes que inspiraram o estúdio.


De qualquer forma, o sistema de cartas também trouxe uma DLC gratuita no primeiro dia de lançamento, que incluía figuras como Kenny Omega, um lutador de wrestling e otaku; Alex Moukala, um músico e youtuber; Nyatasha Nyanners, uma vtuber; Vampy Bitme, uma cosplayer; Rahul Kohli, um ator; e Cohh Carnage, um streamer. Inicialmente, essa adição foi vista de forma ambígua pelos fãs. Alguns temiam que a série estivesse se tornando excessivamente ocidentalizada, ou que tivessem escolhido essas figuras indiscriminadamente (apesar de dois deles serem fãs de longa data). Por outro lado, outros receberam positivamente essas adições, especialmente os fãs que já seguiam essas personalidades.


No entanto, o que parece não ter sido amplamente abordado é que essa inclusão basicamente reflete a filosofia vivida por Sakamoto Ryoma. Ishin é fortemente baseado em um período de turbulência política japonesa, e ao ser localizado e adaptado para outros mercados, ele passa a explicar seus termos específicos. A presença de atores japoneses renomados agora ao lado de nomes conhecidos internacionalmente, juntamente com o uso de uma engine americana para impulsionar um jogo japonês, combina elementos do oriente e do ocidente. Ainda que a falta de uma localização em português do Brasil seja um ponto negativo (assim como a ausência de traduções para outros países), o jogo realmente conseguiu transmitir a sua mensagem.


Samurai Ondo is the only way to go!

Conheça uma gameplay das boas

Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
Reprodução: ©SEGA

Agora, além de toda essa conversa meta, eu sou realmente fã dos jogos da série, até joguei o Yakuza 3 no "Difícil" mesmo com a IA problemática. Porém, uma coisa que sempre senti como potencial desperdiçado estava relacionada às katanas. Mas tudo bem, Kiryu não sabe nem segurar uma se você não fizer um treinamento antes, e após isso, você tem apenas quatro golpes bem executados. Mesmo eu enxergando como desperdício esses detalhes não importam muito, já que o foco real está no combate físico, e o uso de cenário ou armas é apenas uma ferramenta adicional, não a essência do jogo.


Observando gameplays do Kenzan e do Ishin ao longo dos anos, a única coisa que me preocupava era a complexidade do combate. Não que os outros jogos sejam particularmente complexos, mas seria decepcionante se faltassem sistemas para explorar, especialmente considerando que o jogo incorporou elementos dos character actions (tanto que os estilos se separam da mesma maneira que em Devil May Cry).


Já sabemos que o gameplay da IGN não é a melhor forma de marketing para um jogo, considerando Sonic Frontiers. Portanto, não tentei assistir a essas análises completas. Foi a comunidade de desafios que mais me deu esperanças, e quando finalmente joguei, a experiência valeu a pena. Os quatro estilos, mesmo que possam parecer limitados no começo, são surpreendentemente versáteis. E como sou um dos poucos que têm a katana como favorita, vou falar um pouco sobre ela.


Os estilos de jogo em Like a Dragon: Ishin!

KATANA: Vocês se lembram do gameplay de Taiga Saejima em Yakuza 5? Golpes rápidos e fracos, com a necessidade de segurar o ataque um pouco para carregar um golpe mais forte que leva a uma sequência maior de golpes, misturado com a expansão de golpes de Kiryu. Para cada golpe executado por Ryoma, se o jogador apertar rapidamente o botão triângulo, ele realizará um golpe novo; ao segurar, um golpe diferente é executado. Embora não tenhamos sequências de agarrões para devastar os oponentes como o Dragão do Clã Dojima é capaz, o ritmo é exatamente o mesmo.


É possível até mesmo carregar o golpe de triângulo para realizar um ataque semelhante ao que Saito Hajime faz em Rurouni Kenshin. E se o jogador apertar a sequência de agarrões, Ryoma puxa o corpo do inimigo para continuar o combo. Há dois tipos de defesa perfeita que exigem diferentes níveis de maestria, sendo que um deles até causa dano ao oponente. Além disso, há um contra-ataque direto que atravessa todo o cenário, entre outras técnicas. A movimentação de Ryoma acelera à medida que os combos aumentam, e há várias ações de calor úteis para usar. O estilo é bem versátil, mas difícil de dominar, especialmente ao considerar o momento exato de pressionar o triângulo no meio do combo. É muito divertido aprender a usar esse estilo, gradualmente ganhando velocidade e derrubando todos os adversários devido aos golpes carregados. E os outros estilos também não decepcionam, incluindo o Brawler, sobre o qual não tenho certeza se sofreu algum tipo de enfraquecimento, já que joguei apenas nas duas dificuldades mais altas do jogo.


BRAWLER (CORPO A CORPO): Quando Ryoma está desarmado, ele emprega um estilo semelhante ao karatê, com uma série de golpes rápidos e a mesma lógica do moveset de Kiryu. Novamente, a parte das sequências de agarrões está ausente. A grande vantagem desse estilo é o parry, que concede alguns segundos de invulnerabilidade a Ryoma. Se o jogador souber combinar bem as trocas de estilo, ele pode causar um estrago nos oponentes. À medida que você evolui, acaba desbloqueando alguns golpes ensinados por Komaki. Esse estilo se assemelha ao Royal Guard de Dante, ou seja, é mais eficaz como forma de defesa, embora provavelmente seja o estilo menos emocionante de se jogar sem ter tudo evoluído, principalmente devido à janela de parry ser bastante restrita.


PISTOLEIRO: Ryoma como pistoleiro é provavelmente uma das coisas mais divertidas do jogo. Se você ficar parado e pressionar repetidamente o botão de ataque, a pistola praticamente se transforma em uma metralhadora, capaz de eliminar vários inimigos em questão de segundos. A única complicação ocorre quando se trata de inimigos com armadura ou de maior porte, que podem ignorar esses tiros. Nesses casos, é preciso usar tiros mais fortes, que também podem ser usados para atingir uma área e derrubar vários inimigos ao mesmo tempo, deixando-os em um estado raivoso e facilitando a eliminação. Essa abordagem é eficaz, fácil de aprimorar e útil quando se enfrenta grupos, embora seja basicamente inútil para esquivas.


WILD DANCER (PISTOLA + KATANA): Quanto ao estilo Wild Dancer, como mencionei anteriormente, ele é uma mistura surpreendente. É possível limpar metade do cenário sem dificuldade apenas girando e dançando por aí. Basicamente, quem desejar ignorar as complexidades adicionais ainda poderá se sair bem. No entanto, há bastante variedade, seja ao misturar golpes nos momentos certos ou ao explorar diferentes ângulos para atirar. O estilo é altamente versátil e praticamente não tem desvantagens.


DEMAIS CONSIDERAÇÕES SOBRE A MECÂNICA DE LUTA
Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
Reprodução: ©SEGA

Algo interessante na jogabilidade deste jogo é como ele adapta os sistemas clássicos de "Like a Dragon" para a forma como Ryoma ataca. Por exemplo, o "Kiwami", algo que ainda não foi bem definido na franquia até agora: em Yakuza 3, você os realizava quando sua barra de calor ficava vermelha após paralisar o inimigo, e então ele era executado; no 5, havia uma barra completamente dedicada a isso, que você preenchia de acordo com a quantidade de ações de calor realizadas; e no Kiwami 1, você realizava o Kiwami quando o chefe entrava no estado de recuperação de vida e o impedia. Aqui, não é diferente.


Ryoma tem um para cada estilo, que se expande à medida que o jogo avança. Por exemplo, no estilo "Brawler", se Ryoma acertar um soco no inimigo, ele basicamente assume a forma do "Star Platinum" de JoJo's Bizarre Adventure e começa a desferir uma sequência frenética de socos até que a barra inteira de calor se esgote. Além disso, é possível aumentar não apenas a duração, mas também a velocidade dos socos para dobrar o dano.


No estilo "Pistola", Ryoma mira em vários pontos vitais ao redor e, em seguida, dispara neles de acordo com a quantidade. No estilo "Katana", Ryoma se prepara para desembainhar e tem duas opções: atacar um único inimigo com uma série de golpes, exigindo que o jogador lide com os intervalos entre cada golpe, ou ir de um a um para todos os oponentes ao alcance, com um movimento de desembainhar diferente para cada um. No estilo "Wild Dancer", ele começa a girar enquanto atira e corta simultaneamente até que o calor se esgote.


As revelações agora requerem a obtenção de um manual que as ensina, e é necessário praticar até que Ryoma as domine e um raio o atinja, finalizando a execução. As outras armas só podem ser utilizadas após desbloquear a habilidade de domínio.


Em geral, o que me lembra mais não é tanto Yakuza 5, como muitos afirmam, mas sim Hokuto ga Gotoku. A progressão das habilidades, separadas por proficiência no estilo e habilidade geral, os golpes com diferentes tempos de carregamento e alcance expandido, o aumento do número de inimigos durante as lutas e as várias maneiras de derrotá-los em sequência com poucos itens disponíveis para uso - tudo isso se assemelha muito à jogabilidade de Kenshiro.


O sistema de cartas é bastante semelhante ao sistema de "almas" dos personagens de Hokuto no Ken, que desencadeiam habilidades únicas. Se você já jogou este último, sabe que a progressão bloqueada é algo a se esperar. Cada estilo é eficaz em um contexto específico, tornando-se a forma mais fácil de apresentar o jogo a outros veteranos da série. No entanto, nem tudo são flores.


PONTOS NEGATIVOS E EXPECTATIVAS DE MELHORIA
Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
Reprodução: ©SEGA

Deixando claro desde já que não tenho certeza se todas as minhas reclamações em relação ao combate serão alteradas, mas grande parte delas provavelmente será, considerando que se tratam de bugs bem evidentes. Vou começar abordando o problema que mais atrapalha: iframes. Assim como em No More Heroes 3, Ishin inexplicavelmente se recusa a tornar o jogador invulnerável por breves momentos, a não ser pela habilidade que concede invulnerabilidade por vários segundos. Ao esquivar, há uma grande chance de você mesmo, mesmo esquivando, acabar recebendo o dano do golpe, seja pela hitbox extremamente ampla do jogo ou pela possibilidade de ser atingido a qualquer momento, inclusive quando você está atacando. Nas dificuldades mais elevadas, onde o dano infligido é consideravelmente maior, isso se torna uma grande fonte de frustração.


Há várias mecânicas que não funcionam corretamente. Por exemplo, arremessar um inimigo na parede é quase impossível, sendo que ocasionalmente ele fica preso nela. Tentar segurar um oponente por trás é completamente ineficaz, e os ataques que você deveria realizar quando o oponente está caído no chão simplesmente não ocorrem. Além disso, há uma evidente inconsistência nos quadros por segundo do jogo.


Agora, vou abordar uma questão mais pessoal que provavelmente não será um problema para a maioria das pessoas: o sistema de classificação. Existem quatro categorias com três notas cada, e o jogo simplesmente se recusa a explicar como a avaliação é calculada. Ryoma pode sofrer danos e ainda receber uma nota A (a nota mais alta). O nome da avaliação não reflete de forma alguma o desempenho do jogador, e a única coisa que se mantém constante é o medidor de combos, que é zerado caso você leve alguns segundos para prosseguir com os ataques ou se sofrer dano.


CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE AS MECÂNICAS DE LUTA

Quanto à jogabilidade como um todo, a obra funciona de forma semelhante a No More Heroes em termos de ação do personagem. Embora não seja tão complexo quanto Ninja Gaiden, é muito divertido jogar e, principalmente, dominar. Porém, não exige uma habilidade tão avançada. O sistema de dificuldade introduzido no remaster (permitindo que o jogador escolha as dificuldades mais elevadas desde o início) ajuda a equilibrar isso, pois as batalhas são essencialmente dependentes do entendimento constante do que está acontecendo.


Dando seguimento, acredito que todos vocês estão cientes de que a jogabilidade de Like a Dragon não se limita a "trocação franca de soco".


Hub World, ou o que chamamos carinhosamente de "Open Bairro"

Ambientes tão vivos que nos lembram que tamanho não é documento!

Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
Reprodução: ©SEGA

A Ryu ga Gotoku Studio, desde antes de sua formação, é especializada em "hub worlds", que para aqueles que não sabem, são jogos com pequenos mundos abertos, cujo foco está mais em proporcionar detalhamento, conteúdo interativo e tornar o mundo vivo através da interação com NPCs. Com Toshihiro Nagoshi, por sua vez, tendo trabalhado em Shenmue (que solidificou definitivamente esse molde), a abordagem de Ishin para isso é bastante singular, pegando elementos que funcionaram em Yakuza 2, 4 e 5 e os modificando de modo a se adequar ao seu período histórico.


O que torna este jogo especial em relação aos outros da série é que Kyo é 100% reativo ao momento que está acontecendo na campanha. Por exemplo: se Ryoma entra para o Shinsengumi, isso afeta o jogo: você se tornará um alvo e os mercadores vão falar sobre o Shinsengumi. As pessoas vão comentar sobre você e, se alguém precisar de ajuda para apartar uma briga, vão procurar por você, pois você se tornou membro do Shinsengumi. Se você passar por alguém pedindo dinheiro, essa pessoa vai comentar sobre isso. Se o Shinsengumi invadir alguma área, isso será mencionado pela cidade. Tudo isso reforça o que está acontecendo no jogo. É muito semelhante a Judgment, que permite que você veja o que os cidadãos de Kamurocho estão dizendo nas redes sociais, mas com um foco muito mais apurado.


À medida que você visita cada loja, as pessoas vão lembrar de seu nome, e a familiaridade aumenta gradualmente. Isso é algo que o próprio jogo desenvolve de maneira orgânica, o que acho simplesmente genial. É muito divertido passear por Kyo por causa disso. Você nunca tem a sensação de que a cidade está estagnada em um único momento no tempo.


Até mesmo Tosa, que só aparece durante a primeira hora do jogo como uma área explorável, mantém essa dinâmica. Mesmo edifícios inacessíveis dentro do mapa ganham valor de acordo com a campanha. Eles não se tornam exploráveis ou algo do tipo, mas as lutas que ocorrem dentro deles tornam esses locais ainda mais reconhecíveis e despertam a curiosidade para explorar.


A atenção aos detalhes para tornar tudo vivo permanece, assim como nos outros jogos, embora desta vez não seja tão marcante quanto em, por exemplo, Yakuza 5. No entanto, cada aspecto dele vale a pena ser explorado.


Ishin veio após o quinto jogo, que provavelmente até hoje é o que possui mais conteúdo em toda a série. Mesmo não contendo um arcade samurai, Ishin consegue oferecer conteúdo suficiente para cerca de 100 horas de jogo, e tudo está relacionado ao mundo do jogo. Tornar-se um cliente habitual em um restaurante de soba acaba desencadeando uma missão secundária que leva Ryoma a trabalhar como ajudante nesse restaurante. O karaokê constantemente introduz novos personagens à medida que Ryoma os conhece melhor, frequentando um bar, e até mesmo com Haruka, há um certo grau de reatividade na relação.

Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
Reprodução: ©SEGA

No entanto, mesmo sem essa reatividade, esses elementos ainda são divertidos por si só: a cena de Ryoma dançando Buyo é um desafio divertido, apesar do número limitado de músicas; passar uma noite com Anna e alternar entre três minijogos é bastante engraçado; cuidar da fazenda e preparar todas as refeições poderia ser um jogo próprio; e o processo de preparar suas armas no ferreiro atingiu um nível de complexidade tão grande que se tornou um dos principais pontos de discussão sobre esse remaster. Portanto, definitivamente, não deixa a desejar em comparação com nenhum outro título da série Yakuza.


Ishin utiliza bem os recursos que tem à disposição, aproveitando a simplicidade geográfica para dar vida ao ambiente e espalhar diversos minijogos divertidos. A única dificuldade inicial é encontrar as coisas, devido ao fato do jogo te liberar para explorar desde o início. No entanto, o saldo positivo é tão evidente que Ishin se tornou uma das minhas cidades favoritas para explorar em toda a série.


Agora, de volta para a abordagem de algo mais complexo.


Shinsengumi: A Tropa do Xogunato
Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
Reprodução: ©SEGA

O Shinsengumi, ao longo da evolução da literatura no Japão, passou de um grupo de policiais violentos que se tornaram terroristas devido a um complexo cenário político, para um grupo de heróis trágicos que lutam de acordo com sua própria interpretação do bushido, seguindo esse código até a morte.


Pelos filmes que assisti, fica bastante evidente que ao optar por trabalhar com eles, você pode seguir essa trajetória ou tratá-los como um grupo que se tornou demasiado grande para seu próprio bem, adotando métodos questionáveis e sem controle preciso, quebrando a regra central do Makoto repetidamente.


"Ishin" optou por seguir a segunda opção, mas de uma maneira intrigante. Segundo Yokoyama, um dos principais nomes do estúdio, a abordagem escolhida foi tratá-los como um clã yakuza, já que não viam diferença em sua maneira de agir. Há semelhanças nas divisões operando como famílias, na organização dos comandantes e na vestimenta distinta. A única diferença, é a ausência do envolvimento em tráfico.


A interpretação do Shinsengumi em Like a Dragon: Ishin!

Ao jogar o Ishin, de fato, é essa a impressão. O Shinsengumi é tratado da mesma forma que o Tojo e a Omi são retratados na série, embora com uma aura ainda mais perigosa. Não porque Ryoma esconde sua identidade e assume o papel de Saito Hajime, mas pela maneira como eles agem.


Para conseguir um emprego, Hijikata Toshizo obriga Ryoma a lutar até a morte contra o ex-capitão da terceira divisão, que quebrou uma das regras do Makoto: desertar o Shinsengumi era proibido, e quem o fizesse deveria cometer seppuku ou seria morto.


Ryoma testemunha membros matando civis para encobrir informações, abusando da autoridade para obter dados e a impiedade geral dos membros do clã. O início da narrativa enfatiza o quão perigosa é a situação em que Ryoma se encontra. Todos os membros são mestres da katana e assassinos dispostos a matar a qualquer momento, tornando seus esforços para matar apenas em último caso praticamente ineficazes.


No jogo, Kondo está ausente do quartel por meses, o que leva a uma guerra interna pelo poder para determinar o próximo líder. Há uma suspeita geral em relação a Ryoma, criando uma tensão constante onde a qualquer momento alguém poderia tentar descobrir algo sobre ele para minar suas chances de ascender no Shinsengumi. A corrupção é forte, a violência é intensa (inclusive com uma cena de tortura) e os raros momentos de alívio no quartel derivam dos poucos capitães que Ryoma consegue respeitar (Okita, Shinpachi, Inoue, e o jogo cria uma dúvida em relação a Hijikata).


Entretanto, apesar de tudo o que foi falado, Ishin utiliza amplamente o imaginário em torno do Shinsengumi para atribuir algum valor ou, pelo menos, respeito a esses guerreiros de diferentes classes sociais.

Arte promocional do Shinsengumi em Like a Dragon: Ishin!
Reprodução: ©SEGA

O Shinsengumi, em tese, opera de uma maneira que Ryoma e outros personagens desejam que o mundo fosse: não existem classes sociais entre eles; apenas alguns membros comandam e organizam cada batalhão para as operações necessárias. A única razão pela qual eles perguntam de onde você vem é para poder enviar seu corpo de volta, caso morra em batalha ou durante o teste de aprovação. Isso coloca muitos dos capitães na mesma posição de Ryoma, sendo contra o classicismo. O jogo vai criando todo tipo de questão possível entre os principais membros do Shinsengumi, para as quais o jogador mesmo deve responder.


Por exemplo, Toshizo, que anteriormente ordenou que Ryoma matasse um ex-membro, ao mesmo tempo, ingressou no Shinsengumi com o intuito de introduzir filosofia e conhecimento social para os membros, a fim de que eles não fossem apenas assassinos. Ele mesmo é um poeta. Ele tenta compreender as questões, mas, ao mesmo tempo, é um assassino frio, sendo conhecido como o demônio do grupo. Shinpachi, por sua vez, mantém uma postura firme e fria, mas também tenta poupar a vida de quem deseja ingressar no grupo, para evitar mais mortes. Ele tem um desejo intrínseco de trazer respeito ao lugar de onde veio.


O jogador é gradualmente apresentado a eles como um grupo de assassinos sem moral, mas, aos poucos, passa a conhecer cada um deles, tornando-se difícil julgar o grupo como um todo. À medida que o grupo vai se desfazendo ao longo do jogo, a complexidade do julgamento em relação ao Shinsengumi aumenta. O jogo brinca com a nossa percepção dessa figura e incorpora todo o subtexto político real da época, a ponto de ter uma missão secundária que permite ao jogador resumir o Shinsengumi para um jornal, segundo a sua perspectiva.

Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
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No jogo inteiro enfrentamos basicamente todos os capitães de divisão do Shinsengumi e Okita Soji consegue ter três lutas.


As invasões do Shinsengumi não têm um propósito exclusivamente dedicado à jogabilidade; na verdade, elas servem para aprimorar a experiência geral do jogo. Essas questões de dúvidas morais são exploradas durante essas invasões, enquanto ocorre um derramamento de sangue entre os dois grupos. A busca pelo assassino atinge seus clímax durante esses momentos, e a incerteza sobre o motivo pelo qual o Shinsengumi está lutando é levantada. Ainda assim, a abordagem da Ryu ga Gotoku Studio consegue transmitir esses pontos de forma épica, sem deixar de ser impactante.


Os esforços de cada lado são muito envolventes de acompanhar, com sequências bem coreografadas e uma jogabilidade extremamente dinâmica. A música que acompanha as invasões é sempre de alta qualidade, e o espírito do Shinsengumi se torna ainda mais evidente devido à excelente IA do jogo, que mantém muitos movimentos dos seus "movesets" como chefes, atacando vigorosamente tudo à sua frente e provando-se muito úteis em geral (embora eu saiba que para muitos jogadores ela simplesmente seja desativada).


Além disso, a abordagem visual consegue ser impactante e comunicar muito com poucos recursos, permitindo que você compreenda parcialmente os desejos e personalidades de cada personagem, mas sem entregar respostas suficientes para compreendê-los imediatamente.


A decisão de tratar o Shinsengumi da mesma forma que a Yakuza foi uma escolha acertada, resultando em momentos que soam naturais e sem nada que pareça fora de contexto durante o jogo. O máximo que eu poderia apontar como crítica é que transformar a divisão que Ryoma deveria administrar em um minijogo tira parte do potencial de várias interações que poderiam levar a pontos interessantes. No entanto, o jogo lida muito bem com os diversos temas que tenta discutir, mesmo que às vezes pareça um pouco em segundo plano, como é o caso da representação de Sakamoto Ryoma como uma figura revolucionária socialista.


Dê a ordem, camarada Ryoma
Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
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Ishin começa de forma contundente em sua perspectiva política, apresentando dois samurais chegando a Tosa e forçando toda a cidade a se ajoelhar diante deles, enquanto uma mãe desesperada luta para salvar a filha que tem apendicite. Em vez de oferecer ajuda, os samurais optam por matar as duas por não terem mostrado o "respeito" que eles acham que merecem. Ryoma reage, enfrentando-os fisicamente. Logo em seguida, ele é preso e condenado à execução por desrespeitar o sistema de classes. É libertado por Yoshida Toyo, que o considera como um filho, e durante cerca de 40 minutos, somos imersos em razões para adotar o ponto de vista socialista.


Curiosamente, o jogo inverte os papéis de Takechi Hanpeita e Sakamoto Ryoma: Hanpeita é o político ambicioso, enquanto Ryoma é mais simples. Devido à sua posição de baixa hierarquia social, ele não teve a oportunidade de adquirir um entendimento completo das complexidades ao seu redor. Ele concorda que o sistema de classes sociais é problemático, mas carece de ideias firmes sobre como abordá-lo. Esse aspecto é enfatizado no início, quando Toyo expressa dúvidas sobre se Ryoma tem o que é necessário para ser um dos comandantes do partido leal de Tosa. A maneira como o jogo aborda essa questão é fascinante de acompanhar.


Após os primeiros capítulos, essa questão política é temporariamente deixada de lado para desenvolver outras tramas, como a do Shinsengumi. No entanto, ela nunca é completamente esquecida, e uma grande parte disso é devido às missões secundárias em Kyo.


Os ideais socialistas ao longo de Ishin!
Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
Reprodução: ©SEGA

Em uma delas, acompanhamos Yae (Miss Tatsu de Yakuza 0) atuando como agiota durante o bakumatsu, ajudando seus clientes a se livrarem de contratos injustos que prejudicam as classes mais baixas. Ao longo disso, ela percebe que a educação é a melhor maneira de prevenir que as pessoas caiam nessas armadilhas. Alguns de seus clientes não sabem nem mesmo ler, levando-a a abandonar sua carreira como agiota para se tornar professora.


Em outro momento, vemos Ryoma interagindo com um grupo de crianças, descobrindo que uma delas está traumatizada por um samurai que abusa de seu poder enquanto extorque a sua família. Ryoma decide intervir e resolver a situação.Mesmo em questões mais sutis, como aparência, o Ryu ga Gotoku Studio consegue inserir seu subtexto político.


Mais adiante, em outr missão secundária, seguimos um ronin extremamente habilidoso, mas considerado feio pelas pessoas, o que o torna inseguro, apesar de sua proficiência na espada. A única pessoa gentil com ele está prometida em casamento a um samurai rico e galante. Ryoma decide oferecer conselhos para aumentar a autoestima do ronin e sua confiança, levando a um confronto entre os dois (o samurai tentou sequestrar a moça após ter sido rejeitado). No final, a mensagem que fica é que as desvantagens aparentes do ronin não importam.


Kyo se torna um cenário político, extremamente bem construído, e as pessoas ainda sofrem com o clássico sistema de classes. Mesmo em situações aparentemente banais, como ter que lutar contra um urso, o jogo nunca deixa esses problemas políticos se apagarem.

Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
Reprodução: ©SEGA

O que o jogo faz com a figura histórica de Sakamoto Ryoma e seus feitos em relação ao seu idealismo é bastante intrigante. Tudo o que mencionei no texto ocorre em Ishin, mesmo que de maneira distorcida, mas se alinha bem com a interpretação que tiveram de Ryoma.


Talvez a maneira mais simples de resumir isso seja pensar nas semelhanças com Kazuma Kiryu: ambos têm um forte código moral (Kiryu não mata, Ryoma evita matar sem razão e se alinha estrategicamente); ambos são simples em seus desejos e difíceis de serem influenciados nessas visões, priorizando sempre os outros em detrimento de si mesmos.


Ryoma, assim como Kiryu, é um personagem que não é excessivamente ativo na trama, mas isso ocorre justamente porque o desenvolvimento de Ryoma leva a essa postura. Embora não vejamos momentos em que ele se dedica a ler livros políticos de outros países, como acontece em "Bakumatsu", de Daisuke Ito, observamos como ele gradualmente desenvolve sua voz para expressar suas opiniões sobre o sistema de classes, as medidas necessárias para restaurar o Japão e até mesmo carrega ideais que outros personagens o convenceram a adotar.


Tela comparativa entre os personagens Kiryu e Ryoma
Reprodução: ©SEGA

Seus feitos históricos são todos conectados a esses aspectos, como a aliança entre Satsuma e Choshu. No jogo, isso ocorre porque, em um momento em que Ryoma estava bêbado e melancólico, ele interveio para evitar um confronto entre Saigo e Katsura, ansiando por companhia. Durante esse encontro, ele acaba desabafando sobre questões de união e política. A tarefa de cuidar de um Ryoma embriagado aproximou os dois líderes, levando-os a concordar com suas ideias. O que abalou todo o bakufu em Ishin foi o fato de que Ryoma expressou suas opiniões enquanto estava embriagado.


O tom poético de Ishin reside primordialmente no uso do nome de Sakamoto Ryoma, que realiza uma série de façanhas que o verdadeiro Ryoma não poderia ter feito, devido à sua associação com o Shinsengumi em Kyo. Esse enredo cria, inclusive, um paralelo entre as ações dos dois e até nas lutas diretas entre elas. Uma verdadeira e intrigante dinâmica de feitos históricos sendo realizados.


O Legado de Sakamoto Ryoma
Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
Reprodução: ©SEGA

Mas o que realmente importa, no final das contas, é observar como o indivíduo Sakamoto Ryoma se desenvolveu, independentemente de quem ele tenha sido. Nos capítulos finais, Ryoma solidificou suas aspirações para o Japão e como tudo se conectava com seus conflitos pessoais. Ele continuou a lutar por um mundo melhor para as gerações futuras, e o jogador desempenha um papel central nesse processo. As duas imagens que inseri também fazem um paralelo interessante, destacando a mudança de perspectiva de Ryoma ao olhar para Tosa a partir de um barco, o que indica bastante o desenvolvimento em curso.


O jogo lida habilmente com questões socialistas; tudo é debatido entre os personagens, claramente mostrado, e a mensagem principal é de que não deveria existir um sistema de classes. Aqueles que desejam a manutenção desse sistema são os que abusam dele para se manter no topo, ignorando até mesmo os princípios que pregam, como a meritocracia. É notável como o jogo consegue abordar os conflitos políticos do bakumatsu de maneira aprofundada e justa para ambos os lados, ou até mesmo para o lado que o jogador escolher. Fiquei surpreso pela forma como conseguiram abordar isso sem perder o foco.


É verdade que o jogo seleciona as áreas em que se aprofunda, deixando algumas situações ancoradas na história real (como a maioria das cenas de Oryo com Ryoma, embora muitas delas sejam adoráveis), mas essas escolhas são tão bem realizadas que não apenas funcionam, mas também estimulam outras discussões. A experiência é enriquecedora, seja por meio da jogabilidade de Ryoma, que busca por um país mais aberto e melhor, seja pelas missões secundárias que exploram questões de classicismo e xenofobia, entre outras.


O jogo é muito bem executado nas áreas em que decide se aprofundar, sobretudo em dois temas específicos que serão discutidos nos últimos tópicos.


O poema da restauração

Estaria Ryoma realmente no caminho correto?

Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
Reprodução: ©SEGA

O bakumatsu foi um período de intensa luta pela reforma que cada indivíduo considerava mais adequada para a sociedade japonesa, e Ishin mergulha de cabeça nessa temática. No jogo, uma discussão profunda é aberta: até que ponto alguém estaria disposto a ir para mudar seu país e o que verdadeiramente se faz necessário para efetuar essa transformação?


Yoshida Toyo desejava promover a mudança com o mínimo de derramamento de sangue, Takechi Hanpeita optou por aliar-se a qualquer grupo para impulsionar o partido, e Kondo Isami estava até mesmo pronto para incendiar uma cidade inteira para alcançar seus objetivos. Nesse contexto, Sakamoto Ryoma se mantém resistente às respostas oferecidas por qualquer lado, pois acredita que para efetuar uma mudança significativa, não se deveria aceitar um grande sacrifício como um desfecho natural.


A medida que nos deparamos com figuras importantes, essa questão central é constantemente levantada. Sua relevância para o desenvolvimento de Ryoma torna-se fascinante de acompanhar, uma vez que estamos ansiosos para descobrir que resposta será apresentada (e, considerando que o jogo é baseado em eventos históricos reais, e não em um conflito fictício como em Lost Judgment, ter uma resposta fundamentada em valores próprios não é necessariamente um aspecto negativo).


Kondo Isami emerge como uma figura-chave nesse debate proposto por Ishin. Inicialmente, nos é apresentado através de rumores que ele teria assassinado Serizawa Kamo (evento que ocorreu na realidade, embora as motivações permaneçam incertas até hoje; no entanto, a versão mais aceita é que Kamo abusava de seu poder e tinha sérios problemas com o alcoolismo, levando outros membros do grupo a matá-lo para proteger seus empregos como policiais). Esse acontecimento contribuiu para que o Shinsengumi fosse conhecido como os "lobos de Mibu".


O mistério e a aura que envolvem Kondo são habilmente desenvolvidos. Ele raramente participa das reuniões e só é acessível quando deseja, além de possuir habilidades notáveis como mestre do Tennen-Rinshin. Quando finalmente nos encontramos com ele, descobrimos que Kondo está usando o Shinsengumi como um instrumento para restaurar o Japão e evitar mais conflitos internos, mesmo que para isso recorra a métodos excessivamente agressivos. Ele está disposto a colaborar com Ryoma em prol de um bem maior, pouco se importando com as implicações em relação ao bakufu.

Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
Tradução: "Meu objetivo final é mudar este país, custe o que custar." - Reprodução: ©SEGA

Entretanto, o protagonista rejeita essa abordagem, pois não está disposto a sacrificar tantas vidas para evitar uma guerra que já está em curso. Isso, aliado à suspeita de que Kondo tenha assassinado Todo, culmina em um confronto entre os dois. A força de Kondo e suas intenções são reconhecidas por Ryoma, e diante das ações paralelas de Hanpeita, o debate se intensifica.

Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
Takechi Hanpeita | Reprodução: ©SEGA

Como mencionei anteriormente, Hanpeita (imagem acima) optou por aliar-se a qualquer grupo que lhe concedesse um poder maior, sobretudo poder social, a fim de finalmente conseguir modificar o estado das coisas. Havia até a possibilidade de ele ter se associado aos mandantes do assassinato de Todo para concretizar seu objetivo. Não que tenha traído seus próprios ideais, mas não viu problema em adotar uma postura hipócrita para tal.


Suas discussões com Ryoma frequentemente giram em torno de como Sakamoto carece da coragem e da determinação necessárias para verdadeiramente transformar o mundo, apesar de sua habilidade. Hanpeita sacrifica a integridade moral de seu movimento a ponto de permitir que Okada Izo cometa diversos assassinatos em Kyo sem sofrer qualquer tipo de reprimenda.


Ambos os grupos eram violentos, e a escalada do conflito piorava à medida que cada lado adotava ações mais extremas. Nesse contexto, emerge a seguinte indagação: estariam eles realmente equivocados? Cada um está lutando pela concepção de um Japão melhor, diferindo apenas no que mais os incomoda. Dada a complexidade de se chegar até Tokugawa e, mais ainda, ao imperador, cada grupo envolvido estava empenhado em realizar uma mudança genuína, e o derramamento de sangue já ocorria de qualquer modo.


Seria Ryoma excessivamente ingênuo para compreender o valor do que é necessário para concretizar uma restauração verdadeira? As dúvidas permanecem, até que em determinado ponto do jogo, eles decidem nos proporcionar uma resposta.

O verdadeiro sentido da libertação

Ryoma se encontra com Kondo e juntos elaboram um plano para encontrar Tokugawa e negociar sua retirada do cargo, a fim de evitar o agravamento do conflito, com uma carta formal escrita por Kondo como pedido oficial. Assim, Ryoma e Okita partem para Edo, assumindo o risco máximo de suas vidas. Durante a jornada, Ryoma opta por modificar a carta, acrescentando um pedido mais sincero: o fim do sistema de classes sociais no Japão e a introdução de uma democracia, o que implica na remoção de todos os membros do bakufu para viabilizar tal transformação.


Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
Um momento tão emblemático, que se tornou a tela de "download" do original. - Reprodução: ©SEGA

O peso da responsabilidade que Ryoma e Okita carregam é apresentado como um tiro de canhão. A batalha prolongada abrange todo o castelo de Tokugawa, desde o primeiro portão até seus aposentos, e o jogo mantém a coerência. Esta é a única sessão em toda a série, fora das lutas contra chefes, em que a música é dinâmica, crescendo progressivamente mais intensa à medida que os dois avançam pelo castelo, aumentando o desafio em paralelo. A escolha da música "The Poem of Restoration" se encaixa perfeitamente.


Essa é a oportunidade única de Ryoma para evitar que a situação piore ainda mais, e ele está determinado a cumprir seu objetivo. Eles enfrentam artilharia pesada, samurais habilidosos, ninjas e todos os outros desafios que o xogunato impõe. Quando finalmente adentram o castelo, a música muda para uma versão mais rápida, acompanhando o ritmo acelerado da ação enquanto os dois superam as armadilhas.

Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
Reprodução: ©SEGA

Em certo ponto, para garantir que a mensagem seja entregue, Okita decide enfrentar a guarda do xogum em uma sala, permitindo que Ryoma prossiga para enfrentar Tokugawa pessoalmente. Isso eleva um dos momentos mais marcantes da série a um patamar ainda mais impressionante. Tokugawa Yoshinobu reflete sobre a fragilidade de seu governo, que permite que apenas dois homens invadam sua residência e reivindiquem mudanças em nome do país. Ele está disposto a ouvir o que Ryoma tem a dizer, mas com uma condição: Ryoma deve derrotá-lo em combate. Para Tokugawa, aqueles que desejam mudar o país precisam estar dispostos a morrer por ele primeiro, e Ryoma aceita o desafio.


Sakamoto consegue derrubar Tokugawa sem dificuldades, optando por não matá-lo, ciente de que outro tomaria seu lugar em seguida. Em vez disso, ele instrui Tokugawa a cumprir o que a carta solicitava. A cena deixa todo o bakufu atônito, destacando o ponto de Ryoma sobre os únicos que defendem o sistema de classes serem aqueles que o exploram.

Assim, uma resposta sólida é formulada, conectando-se diretamente ao início do jogo. Para mudar algo, é necessário ter tanto amor quanto ódio. Odiar o estado atual e amar o que se aspira a ser.

Considerando que não é viável alguém adentrar o escritório de um líder político e entrar em confronto físico com ele por cinco minutos (apesar de que seria maravilhoso se isso fosse possível), surge a necessidade de um partido político eficiente. Essa resposta, porém, pode gerar discordâncias e originar debates intermináveis, mas abordar tal tópico tornaria este texto ainda mais extenso. E, levando em consideração que estamos tratando de mudanças, Ishin aborda essa temática por mais uma (última) perspectiva, com a qual encerraremos a seguir.


O valor de um nome, e o que significa ser "eu"

Somos muito mais do que aquilo que pensamos ser

Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
Reprodução: ©SEGA

Essa seção provavelmente conterá mais spoilers do jogo, embora eu tente minimizá-los (já que é algo que brinca com fatos históricos em vez de ser uma adaptação deles), então aqueles que ainda não zeraram podem pular à vontade.


Desde a primeira cena do jogo, Ishin brinca com a noção de nomes. Testemunhamos o Shinsengumi prestes a assassinar Sakamoto Ryoma no Omiya, apenas para descobrirmos que o verdadeiro assassino foi o próprio Ryoma. O indivíduo que foi morto tinha sido modelado com base em uma figura real, e ao longo da campanha, descobrimos que além do protagonista, outras duas pessoas estão usando seu nome. Conhecemos a versão de Akiyama, que utiliza um nome falso, e logo depois encontramos Saigo, cuja questão crucial é revelada: ele só compartilha seu nome real com aqueles em quem acredita ou respeita.


Além de toda a temática socialista nas primeiras horas do jogo, o aspecto mais importante é a questão levantada sobre nomes. Isso é discutido de maneira semelhante à que acontece na série "Better Call Saul": nossos nomes definem nossas ações? Eles são fundamentais para nossa identidade? Ou são apenas elementos que contribuem para moldar o verdadeiro "eu"?

Imagem promocional da série "Better Call Saul"
Better Call Saul (TV Series) | Reprodução: Netflix, AMC

Em determinado ponto do jogo, praticamente todos os personagens mudam de nome, às vezes mais de uma vez. Essa mudança não é inédita historicamente; Sakamoto Ryoma ele próprio usou um nome falso enquanto estava em Kyo. A diferença em Ishin, é que eles misturaram figuras históricas, no caso do protagonista: Sakamoto Ryoma e Saito Hajime, o lobo solitário de Mibu.


Inicialmente, essa combinação cria dinâmicas interessantes, especialmente em termos de comportamento e como o personagem age de acordo com o nome que está usando na ocasião. Entretanto, essa abordagem gradualmente perde espaço ao longo do jogo, não porque os desenvolvedores não desejavam explorá-la, mas devido ao ponto que Ishin aborda sobre o papel dos nomes.


Em certo ponto da história, descobrimos que Okita Soji, Nagakura Shinpachi e Inoue Genzaburo, na verdade, são nomes falsos que eles assumiram após matar pessoas para permanecerem no Shinsengumi e seguir o plano de Kondo. Nesse processo, eles misturaram partes da personalidade das pessoas cujas identidades estavam adotando, ao mesmo tempo em que mantiveram parte de sua própria personalidade. Porém, chegou a um ponto em que isso não importava muito, pois o nome se tornou apenas um papel a seguir. Suas ações e a forma como as executaram eram completamente baseadas em quem eles eram por dentro.

Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin!
Okita Soji | Reprodução: ©SEGA

O jogo expande essa ideia em relação a Ryoma, quando revela que Hanpeita é uma das pessoas usando o mesmo nome. Ambos realizaram feitos que entraram para a história do Japão e contribuíram para o fim das classes sociais, diferindo apenas nas ações que Hanpeita estava disposto a tomar para alcançar seus objetivos e que não foram incorporadas à história (do jogo), em contraste com as escolhas do verdadeiro Ryoma. Ambos são dignos do "nome", e a luta final entre eles trata mais de uma discordância de atitudes e como cada um reage ao mundo do que de qualquer tragédia mais profunda.


O verdadeiro "eu" é moldado pelas atitudes e pensamentos que tomamos; a questão do nome é apenas algo ligado à pessoa, não uma definição absoluta. Isso é demonstrado quando, no final, todo o elenco troca seus nomes mais uma vez. Essa mudança tem pouca relevância para eles. Considerando também a característica de os personagens terem rostos reconhecíveis devido a outros personagens, esse ponto é ainda mais reforçado e também serve como meio de transmitir a mensagem final:

Devemos preparar o mundo para as próximas gerações e confiar que elas tomarão boas decisões. Ter um pensamento imediatista e focado apenas no poder provavelmente levará ao colapso no futuro.

Como o próprio Ryoma diz:


"O amanhã é seu"


Tela de captura do jogo Like a Dragon: Ishin! dizendo "o amanhã é seu"
Reprodução: ©SEGA

Este texto foi editado e revisado por Gabriel Morais de Oliveira.




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