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Sixty Four: uma experiência sensorial inesquecível com o desconhecido - Análise

Se o conceito de entropia e sintropia não existisse, Sixty Four seria a imagética perfeita para ilustrar as alternâncias entre estado de ordem e desordem das matérias.


Arte conceitual do jogo Sixty Four
Reprodução: Oleg Danilov
Introdução

Sixty-Four é um “Idle Game”. Um jogo idle, também conhecido como jogo incremental, “é um gênero de jogos definido pela característica principal de sua estratégia: deixar o jogo rodando sozinho com o mínimo ou nenhuma interação do jogador. A interação com o jogo, embora muitas vezes útil para a progressão, é opcional por longos períodos de jogo.” (Definição retirada de: A study of interaction in idle games & perceptions on the definition of a game - Imran Khaliq; Blair Purkiss – Traduzido pelo redator).


Nesse quesito, a obra de estreia do desenvolvedor solo Oleg Danilov se destaca entre os seus semelhantes como Factorio (Wube Software LTD) pela complexidade estratégica, mas principalmente pela temática narrativa e visual. Começamos o jogo no Vazio, um terreno plano e infinitamente branco, podendo construir apenas uma simples máquina cujo objetivo é extrair pequenas quantidades de um recurso em formato de blocos pretos chamado Caronita.


Gif de gameplay do jogo Sixty Four
Reprodução: Oleg Danilov

Sem saber muito bem o que fazer com o novo recurso, temos uma interação entre dois personagens no canto esquerdo da tela que se comunicam por meio de mensagens de texto. Nas caixas de texto com fundo branco, referentes ao personagem que controlamos, percebemos logo de cara que a metanarrativa de Sixty Four brinca com o sentido de que tanto nós, quanto o protagonista, estamos presos em uma espécie de “entretenimento” que envolve colocar máquinas, minerar recursos, implementar novas máquinas, minerar novos recursos e assim por diante. Mas, como dito anteriormente, a obra se destaca especificamente pela sua temática, da qual falarei a seguir.

 

Qual o sentido de tudo?

 

Por si só, o sistema de Sixty Four compõe um jogo incremental extremamente competente, principalmente se levarmos em consideração que o jogo foi feito por um único desenvolvedor, mas o principal gancho na minha opinião se trata da trajetória entre a mineração dos recursos e as consequências dessa interação entre o protagonista e o desconhecido, assim como os diálogos por caixas de texto que evoluem junto com a nossa fábrica.


Os recursos em formato de blocos são uma manifestação de diferentes tipos de partículas que ainda não existem, assim como o personagem que nos faz companhia nas mensagens de texto, que só virá a existir daqui a alguns bilhões de anos.


Pode não fazer muito sentido, mas a complexidade e a brincadeira metafísica de Oleg nos faz assumir o papel de alguém que se depara com um pedaço do conceito do universo como uma folha em branco, o Vazio, e a partir da nossa curiosidade e consequente interpretação das “leis do pré-universo”, forçamos a interação de partículas através de máquinas até que uma reação catastrófica culmine no início de tudo, no “tudo” que conhecemos hoje, com os conceitos de humanidade, tempo, matéria e espaço.


Essa afinidade com o abstracionismo me permitiu ser fisgado desde o primeiro momento em que me deparei com a primeira escavadora de recursos. Cada minério e cada aparato tecnológico beiram ao bizarro, causam estranheza, mas de uma forma bela e catártica funcionam e mais do que isso, encontram coesão no seu funcionamento. Mesmo que o caos faça parecer que tudo se move de forma imprevisível, desordenada ou aleatória como na imagem acima, na verdade o próprio caos começa a criar padrões ao longo do tempo. Arrisco a dizer, inclusive, que Sixty Four poderia ser utilizado como um relicário ilustrativo da Teoria do Caos, exemplificando os conceitos propostos pelo conjunto de estudos de Galileu Galillei, Isaac Newton, Pierre-Simon Laplace e Edward Lenz.


Termos como escassez, adaptabilidade e estratégia são comumente utilizados ao longo da obra, e o jogo brilha em nos permitir ficar ansiosos pelos próximos passos mesmo que a leiguice no gênero não me favorecesse com as melhores estratégias e eu demorasse mais tempo do que o necessário para começar uma nova etapa da jornada.


É necessário pontuar que em alguns poucos momentos das minhas aproximadas 20 horas de jogo tive certa dificuldade de entender a descrição dos efeitos de maquinários, já que o dito abstracionismo envolve não só os recursos retirados do Vazio mas também recai sobre as suas funcionalidades, porém, a magia do incremental nunca sai de cena: é necessário coletar recursos, melhorar suas ferramentas, construir aparatos de aceleração das coletas, silos para armazenamento, conversores de matéria, e etc.


Também achei interessante e válido citar a escolha artística de trazer a crueza do princípio do (nosso) mundo para imersão de áudio. Tudo é bruto antes de existir. Somos mergulhados em barulhos de metal tilintando, compostos líquidos, ferrosos e sólidos em extração, estouros de fumaça em arrefecimento, descargas elétricas e muitos outros ruídos que escalonam na mesma grandeza em que construímos nossa fábrica. A obra traduz brilhantemente a teoria do Big Bang ao adaptar que o universo supostamente começou em um único ponto, através de um aglomerado de pequenas partículas quentes misturadas com luz e energia. Só que, em Sixty Four, quem faz essa mistura somos nós, reação por reação.


Para os entusiastas do industrial é possível até mesmo encontrar uma certa harmonia musical na cacofonia gerada pelos sons da extração, mas isso vem com um preço: não temos uma trilha sonora, o que – para mim – deixou o jogo bem monótono em diversos momentos, já que na maioria das vezes a nossa interação com o jogo é indireta e temos que esperar um bom tempo até que as coisas sigam o seu curso natural e novas tarefas sejam desbloqueadas.


Sixty Four também abraça a mecânica de perecimento e consumo involuntário de alguns recursos, exigindo que o jogador tome decisões cronometradas e saiba posicionar os maquinários com certa maestria. Infelizmente, nos últimos estágios, eu tive que recomeçar as extrações diversas vezes e forçar o progresso no esquema de tentativa e erro para garantir a construção de estruturas obrigatórias, até que me rendi a alguns tutoriais para progressão no jogo, o que eu sugiro fortemente para quem não tem tanta paciência para errar ou que não tenha muita afinidade com jogos incrementais. É impressionante ver a quantidade de conteúdos já produzidos na aba de comunidade da Steam, por exemplo, mesmo que Sixty Four tenha sido lançado há menos de uma semana.


Conclusão

Em resumo, a obra de Oleg foi uma experiência sensorial cativante e certamente deve compor a biblioteca de quem se interessa por jogos incrementais, oferecendo uma vasta gama de estratégias e desafios além de utilizar a temática do início do universo como pano de fundo. Mesmo que a monotonia fabril e sonora tenha prevalecido em alguns momentos, desvendar os segredos do Vazio e da entidade desconhecida que controlamos é com certeza uma das boas experiências com jogos que levarei comigo.

 

Agradecemos gentilmente a Oleg Danilov pelo envio de chave para análise.




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