Ultros é uma "trip" alucinante e cheia de personalidade - Análise
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Ultros é uma "trip" alucinante e cheia de personalidade - Análise

Não há vergonha em deixar coisas para trás, é assim que damos espaço para novas jornadas, mhn já.” - Gärdner


Como um ávido apreciador das obras de El Huervo, ao entrar em contato com um material promocional de Ultros pela primeira vez, não pude esconder a minha genuína empolgação diante da grata surpresa. A arte, as cores, a trilha e todo esse mundo me deixaram ansioso para experienciar esta obra que logo em sua apresentação se mostrou ser uma amálgama de tudo aquilo que a arte de Niklas Åkerblad (nome real do artista) exala.


Sabendo então que este jogo de estreia da desenvolvedora Hadoque tem como líder criativo um dos meus pintores e músicos favoritos, junto de uma equipe tão talentosa quanto, embarquei nessa curiosa e psicodélica jornada em formato de metroidvania. Será que atendeu às minhas expectativas ou essa viagem toda só se trata de uma bad trip mesmo? Prepare-se para descobrir no texto a seguir!


A ARTE DE NIKLAS E AS OUTRAS MENTES POR TRÁS DO PROJETO, DIZ MUITO SOBRE ULTROS

O primeiro contato que tive com a obra de Niklas, assim como muitos, foi através de Hotline Miami, o clássico da Devolver que tanto serviu de vitrine para os vários artistas envolvidos. El Huervo teve seu dedinho no projeto tanto fornecendo faixas para ambos os jogos da franquia, quanto realizando a pintura usada como capa em Hotline Miami 2: Wrong Number.


Já nesta capa mencionada, é possível observar características que se fazem presentes em várias de suas pinturas a óleo e aquarelas, como as cores sempre muito saturadas, bem fortes e marcantes que dificilmente passam despercebidas. Não é à toa que Ultros chama tanto a atenção visualmente falando.



A equipe de artistas, sob a liderança do próprio El Huervo, traduziu bem todo esse brilho acentuado que costumamos ver em suas pinturas.


Algo que sempre me encantou ao procurar mais e mais de suas artes, é o quão elas são maximalistas, detalhadas e nem sempre convencionais. São desenhos ousados, sobretudo ao não se importar em serem compreendidos logo à princípio. E a minha admiração se intensifica quando aceito a explosão de cores que inicialmente soa afrontosa, e passo a me permitir entrar em um estado de transe que organicamente torna as figuras menos alienígenas. Isso se reflete por completo em Ultros ao vermos que tudo neste jogo, soa estrangeiro.


Como mencionado, não é só de pinturas que vive o menino El Huervo, e sua numerosa discografia não me deixa mentir, tendo faixas sendo publicadas desde 2011. Dotado de uma sonoridade bastante influenciada pelo downtempo, um trip hop por vezes calmo e relaxante, já outras um tanto sombrias e até pesadas, mas sempre alucinantes.


São muitos os álbuns que merecem destaque, mas para entender a sonoridade de Ultros vale muito a recomendação de “Sambandh” e “Ratvader's Dream”, principalmente, muito em razão de estes dois contarem com a participação de Ratvader, artista responsável pela trilha sonora de Ultros, que aqui não decepcionou, conferindo às músicas uma sensação de como se estivéssemos em um sonho, e, por consequência, ornando muito bem em conjunto com a narrativa trazida pelo Pelle Cahndlerby, que acentuou o lado mais místico e poético da obra.


Falando nele, Pelle Cahndlerby deu uma entrevista ao nosso amigo Francesco Casagrande através do Voxel, onde ele fala um pouco mais sobre essa mescla de ideias que foi o processo de desenvolvimento, garantindo a Ultros uma personalidade que por si só já o diferencia de muitos do gênero.


DESCOBRINDO SARCÓFAGO E O PODER DE ULTROS

Sozinha e perdida, a nossa protagonista sem nome acorda em um ambiente denso em riqueza faunística e florística, completamente desconhecido, o qual não parece fazer parte de sua realidade. Sua nave se encontra encalhada, não muito distante do ponto em que acorda, dando a entender que isso pode ter sido um acidente, e no fim das contas, não sobra muita coisa a se fazer senão entender onde se está e como sair.


Tal como ensinado lá atrás já no primeiro Metroid, indo no sentido contrário dos jogos de plataforma "side scrolling" convencionais, o jogador começa a explorar seguindo o lado esquerdo ao invés do direito, e a partir daí, revelando naturalmente o restante do mapa. Mapa este que mais tarde descobrimos que é chamado de Sarcófago, um grande útero cósmico espacial, lar da demoníaca criatura de capacidade destrutiva considerável que dá nome ao jogo: Ultros.


Em não mais de uma hora de jogo, interagindo com o mundo e personagens, o jogador não só descobre sobre o Ultros como também é direcionado por uma manifestação chamada Wallet a eliminar os oito Shamans que se encontram em cápsulas espalhadas pelo mapa, tudo isso a fim de destruir o que é chamado até o momento de ilusão. Contudo, ao dar fim no primeiro Shaman e se dirigir ao Living Quarters, centro do mapa, o jogador topa com mais uma personagem chamada Qualia, que aqui busca cumprir o papel oposto da protagonista, isto é, ao invés de minar Ultros, ela trabalha a todo custo para trazê-lo a este mundo.


A essa altura, apesar de ter eliminado um Shaman, ainda não é o suficiente para dar fim em Ultros e o monstro se revela de todo modo, mas antes que pudesse ser feita alguma coisa, essa metamorfose resulta em um inesperado fim de um ciclo, reiniciando a posição da protagonista.


Essa repentina quebra nos contextualiza a informação de que o jogo se divide em loop, sendo cada ciclo uma espécie de capítulo onde o jogador caça mais um Shaman, até o fim de todos eles.


COMO É VIVENCIAR TODA ESSA TRIP? 

O principal pilar de um metroidvania é, sem dúvidas, sua exploração, e sem que este pilar funcione corretamente, dificilmente o jogo sobrevive por muito tempo. Felizmente, essa base tão essencial é muito bem valorizada aqui e é onde estão seus maiores acertos, não se sustentando somente no espetáculo oferecido em matéria de direção artística e atmosfera, que são de cair o queixo, mas também oferecendo, em grande parte do tempo, uma agradável fluidez em todo processo de navegar pelo mapa e descobrir áreas novas.


Ao descobrir a estrutura cíclica do jogo, reiniciando o loop e, por consequência, retornando à posição inicial a cada fim do que eu posso chamar de capítulo, não devo negar que o receio era de que todo esse processo, sobretudo no início de cada ciclo, fosse cansativo e entediante. Mas a navegação, à qual comentei, é de fato tão boa e quase sempre espontânea, que a travessia de uma sala para outra é prazerosa, o que foi reconfortante.


Além disso, a ideia de reiniciar a posição depois de um tempo chegou até mesmo a me dar certa tranquilidade nos momentos em que eu tomava a decisão de seguir em frente focado em um objetivo específico, sem temer deixar uma coisa ou outra para trás, agarrando-me à ideia de que terei um novo ciclo para explorar, e dessa vez, com mais um possível novo item desbloqueado, garantindo mais ferramentas para futuras descobertas.


Sobre esses itens, apesar de nem todos serem tão úteis, os que são acabam sendo bem criativos e divertidos de se usar. Destaco aqui o borrifador, cuja funcionalidade é direcionar melhor o crescimento de alguma planta, para ser usado a nosso favor.


Falando nas plantas, não é só de exploração que vive Ultros; além do combate, que vou comentar mais adiante, o jogo também investe em mecânicas voltadas à jardinagem. O tema agricultura acaba fazendo parte intrínseca da jornada e reforça a temática de humanidade e natureza.


Ao passar pelas regiões do Sarcófago em que o solo apresenta fertilidade, podemos plantar e cultivar diferentes sementes que dão vida a uma flora que pode tanto nos dar uma força na exploração, destruindo uma barreira ou servindo de plataforma para alcançar uma nova área, quanto nos fornecer frutos que recuperam nossa vida e aumentam nossos status, permitindo assim o desbloqueio de novas habilidades.


Estas habilidades se mantêm conosco ao começarmos um novo ciclo? Não, mas podem se tornar permanentes se investirmos um Micélio Mnemônico nos upgrades que julgarmos ser mais úteis; este item permite que a habilidade selecionada não seja descartada com o passar dos loops, então é bastante útil.


Ainda que não seja um elemento verdadeiramente obrigatório, a presença de ação em um metroidvania chega a ser uma convenção, e o combate, apesar de simples, se faz presente em Ultros. É evidente que os confrontos do jogo não recebem o mesmo tratamento que outros pilares, o que pode incomodar bastante aqueles que esperavam uma dose de porradaria que fosse de fato engajante, mais diversificada e com melhores combos. Mas, apesar disso, não demora muito para notarmos que o jogo incentiva uma abordagem menos agressiva através de ensinamentos passados pela personagem Gärdner, que faz questão de nos ensinar que é alimentando as criaturas que conseguimos acalmá-las. Essa escolha menos agressiva de ser é inclusive um dos passos para se obter um final diferente do jogo.


De um lado, afirmo com segurança que essa simplicidade dos confrontos, mesmo durante as boss fights, me soou como o suficiente, e nada muito além disso. Do outro, acredito que se eu dissesse que senti a falta genuína de mais complexas mecânicas no combate, estaria mentindo, então, no fim do dia, concluo que não foi um indubitável incômodo, apenas o necessário.


O que posso assegurar que de fato foi um incômodo é uma das áreas que visitei em um dos últimos ciclos, composta por várias câmaras de desafios de 3 tipos, que se repetem mais do que deveriam e, por consequência, se tornam tediosas e inconvenientes.


É uma pena que o sentimento que resta depois desses desafios é um "ainda bem que isso acabou", pois inicialmente funciona sim como uma maneira autêntica de diferenciar um pouco o gameplay, apresentando atividades como ativar botões espalhados pela tela e lidar com os obstáculos enquanto isso, ou acertar uma esfera consecutivas vezes sem deixar que o adversário faça o mesmo, e até juntar algumas peças da mesma cor em uma linha, tal como em Bejeweled.


O "pior" é que, visualmente falando, toda essa área é muito linda aos olhos e a trilha sonora dá uma diversificada interessante também, se dando a liberdade de ser mais agitada; não à toa, elas contam com a participação do próprio El Huervo.


Felizmente, é um momento do jogo que não dura muito tempo, o que faz dele uma obra que, em grande parte do tempo, leva o saldo positivo.


CONCLUSÃO

Ultros promete ser uma jornada sci-fi psicodélica bem única e cumpre bem este papel enquanto esbanja um estilo ousado, hipnotizante e que nos mergulha em transe dentro de um mundo alienígena colorido, místico e poeticamente acurado. Como um bom metroidvania, acertou em cheio na exploração e fluidez no processo de se navegar pelo mapa em grande parte de seu tempo de jogo, compensando os pequenos deslizes.


Sendo este o jogo de estreia da Hadoque, é seguro afirmar que o futuro da desenvolvedora é brilhante, e como um fã do El Huervo, fico imensamente feliz em ter experienciado Ultros, obra que representa tão bem seu estilo único.


Resumindo, mal posso esperar para futuros projetos!


Pra fechar o texto com chave de ouro, segue a indicação de uma das músicas do El Huervo que acredito ser perfeita para preparar o terreno e transmitir um pouco da vibe do universo de Sarcófago. Boa jogatina!



Agradecemos gentilmente à Kepler Interactive pelo envio de chave de Ultros para análise.



Texto editado e revisado por Gabriel Morais de Oliveira (@GabrielHyliano).




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