No meu texto de No More Heroes 3 comentei meio por cima sobre o “cânone” dos videogames e o que é tentar acabar com algo que está dentro desse termo. Dando um exemplo, o próprio Hideo Kojima passou boa parte da carreira enfrentando esse dilema com Metal Gear, algo que parece ser negado até hoje. A série Yakuza também acaba sofrendo com isso e está tentando resolver esta questão ainda para 2024. Kazuma Kiryu teria terminado seu papel como protagonista com Yakuza 3 lá em 2009, tendo Ukyo Tatsuya de Kurohyou, Shun Akiyama, Saejima Taiga e Masayoshi Tanimura, servindo como futuras opções de protagonistas para a sequência, que tem como subtítulo no Japão "Os Sucessores da Lenda". Mas isso foi negado por pedido das “cabeças” superiores da SEGA e tivemos Kiryu como personagem jogável no 4 com uma campanha que sem o conteúdo secundário dura menos que duas horas em um jogo de no mínimo trinta.
Em Yakuza 5 tivemos uma espécie de preparação para um soft reboot, o “fim” da série, abrindo espaço para a Ryu Ga Gotoku Studio poder fazer qualquer coisa, com Ishin sendo a celebração dos últimos sete anos e o 0 uma introdução para quem não tinha entrado no barco ainda. Mas tivemos um sexto jogo com Kiryu, agora sim o final definitivo e uma breve volta no sétimo jogo, que apresentou uma nova direção e equipe, para dar um gostinho final antes de ir para algo totalmente novo. Acontece que Kazuma Kiryu voltou para mais dois jogos depois.
Durante o lançamento do sexto jogo principal da série, você poderia ver vídeos como o do ThorHighHeels elogiando a série ter conseguido vencer esse cânone e finalmente acabando, mas e agora? The Man Who Erased His Name, um gaiden (que vai ser algo que eu vou explicar logo), tem Kiryu como único protagonista e o oitavo título principal, Infinite Wealth, ele luta ao lado de Kasuga Ichiban. Desde o anúncio fui bem contra essa ideia de trazer um dos meus personagens favoritos de volta pelo que aparentava ser puro fanservice. Mas mesmo assim com Like a Dragon Gaiden: The Man Who Erased His Name terminado, a Ryu Ga Gotoku Studio não só conseguiu me surpreender como também mudar de ideia. Este é um jogo sobre proteger o futuro, com discussões sobre liberdade, símbolos e também solidão. Então, bora lá.
O fantasma dos Daidoji
Like a Dragon Gaiden: The Man Who Erased His Name surgiu de repente durante o desenvolvimento do oitavo título principal. Depois de Kazuma Kiryu ter tentado se mudar e assumir uma nova identidade sem conexão nenhuma com ninguém para proteger a sua família e vendo até isso dar errado decide no final do sexto jogo forjar a sua própria morte em um acordo com um partido político que estava envolvido nos acontecimentos do jogo, prometendo virar um agente secreto para eles caso garantisse que ele seria considerado morto e a proteção do orfanato que ele cuidava. Isso foi a oito anos atrás e quando ele apareceu em Like a Dragon (Yakuza 7) como um segurança de Masaru Watase, o capitão da Aliança Omi, dúvidas começaram a surgir sobre o que ele fez nesse meio tempo e com Kiryu sendo o segundo protagonista do oitavo jogo, a Ryu Ga Gotoku Studios resolveu responder isso e entrou em um dilema.
Poderia muito bem ser uma cena de 1 hora dedicada a isso; dava para ser um capítulo inteiro jogável como acontece em Judgment ou poderia ser uma DLC de Yakuza 7 ou do 8. Conforme a ideia foi sendo desenvolvida o consenso foi de usar o formato de um gaiden, pegando as ideias que já teriam explorados com a Majima Saga em Kiwami 2 e Kaito Files em Lost Judgment e aplicando isso no que é majoritariamente um formato de mangá usado para desenvolver personagens (como Hokuto no Ken fez com cada um dos irmãos do hokuto no shinken, os gaiden de Kaiji que tem a mesma ideia e Crows que basicamente chegou no ponto de fazer os seus gaiden serem basicamente mangás próprios). O que era para ser 1 hora viraria 10 e começaram desenvolver mais conteúdo para justificar como um jogo completo e cá estamos, vendo basicamente algo parecido com Ground Zeroes e The Phantom Pain acontecer de novo, dessa vez sendo um jogo feito em apenas 6 meses. Só que com o detalhe que The Man Who Erased His Name ao invés de manter o estilo de combate de turno presente no 7 e 8, teríamos Kazuma Kiryu uma última vez no formato clássico da série finalmente podendo aproveitar um time muito mais experiente com a Dragon Engine (a engine atual da série) do que a última vez.
Kazuma Kiryu virou o agente Joryu, um fantasma perambulante que cumpre o seu trato com a Daidoji fazendo trabalhos como ser o segurança de uma neta de político sempre que necessário. Ficando a maior parte do seu tempo no templo tentando meditar e aprendendo as técnicas desenvolvidas pelo clã até Kihei Hanawa, seu supervisor, aparecer com mais uma proposta e assim segue sua rotina. Nessa vez acompanhamos Kiryu e Hanawa indo para um trabalho que seria “tranquilo” envolvendo uma situação internacional até que tudo dá errado e alguém ataca o grupo todo, quase sequestram o Kihei e pelo visto conseguem confirmar que o dragão de dojima está vivo. A dupla parte para investigar isso em Yokohama, as coisas dão ainda mais errado e agora Kiryu precisa correr contra o tempo lidando com um dos grupos políticos mais poderosos do Japão e a yakuza querendo se envolver com ele de novo.
O homem que desapareceu
The Man Who Erased His Name apesar de um certo desdém meu no seu anúncio era uma ideia muito mais tranquila de aceitar do que ver Kiryu voltando mais uma vez para o que deveria ser o primeiro jogo com Ichiban sem precisar se preocupar em introduzir algo. Era um jogo fechado, dando uma rápida espiada no que ele tinha feito nos últimos anos e abordando algo que tinha interesse de ver: o jeito que Kiryu iria lidar com ser um fantasma. Em Yakuza 5 vemos ele no seu estado mais depressivo, “abandonando” sua família e vida para protegê-los por conta que seu passado iria para sempre atrapalhar a vida deles e virando o taxista Taichi Suzuki no processo, o que deu uma vida tranquila por um tempo mas que fez o dragão entrar no seu estágio mais triste e ter bastante situações bem relatáveis. Mas o que acontece quando nem uma vida normal mais é um direito? Quando você praticamente morre e sua única função é ser um soldado de muitos de uma entidade? E mais, o Kiryu 007 é um conceito muito divertido de se imaginar considerando que mesmo ele sendo um mestre de arte marcial o estilo de luta dele é muito mais brutal e “urbano” do que refinado.
The Man Who Erased His Name não decepcionou isso, fazendo a abertura inteira do jogo ser a amostra dessa ideia, vemos Kiryu terminando um trabalho e o que ele faz depois disso, indo em bar e ficando fumando em nível que deixa os “colegas” de trabalho preocupados e basicamente vivendo como se não existisse. A abertura mostra Kiryu no meio de lugares movimentados com pessoas muito próximas e a presença dele não é sentida, Kiryu não liga mais para nada já que ele “morreu”, então sua tristeza virou uma simples apatia e o comportamento dele ficou bem mais agressivo (no sentido dele não mostrar tanto respeito como antes e ter bem menos paciência), tudo isso enquanto toca Katatoki que deixa ainda mais explícito o sentimento.
O único momento em que não se tem um desconforto bem grande é quando Kiryu está falando com Hanawa e o monge do templo que querendo ou não viraram seus únicos amigos nessa situação e é um sentimento mútuo de respeito. Nem no combate usando o estilo novo a sensação de desconforto desaparece, que é ÓTIMO por sinal. Agora o cara que costumava usar uma mistura de karatê e outras artes marciais com o que ele aprendeu nas ruas e com um velho mestre com estilo próprio usa algo totalmente dedicado a ser rápido e preciso, parecendo mais um estilo de kung fu assassino do que qualquer outra coisa com a inclusão de vários apetrechos de espião que tiveram inspiração direta de 007 segundo a equipe. E não é algo que parece certo e mesmo sem problema nenhum com o combate se tem uma sensação muito estranha que me fez até pensar que talvez não teriam conseguido fazer um bom combate para o Kiryu na Dragon Engine, mas não, é algo proposital. Por duas horas somos obrigados a viver como nosso protagonista, um fantasma a trabalho que não está encaixado naquela situação, sendo hostilizado pelo único mundo que é permitido contato, sozinho e sem ter nem o direito de sentir algum conforto em lutar, perdendo a individualidade que o dragão nas costas dele tanto defendia. A sensação toda de uma abertura de 2 minutos é transmitida perfeitamente nessa introdução de 2 horas.
Quando Kiryu vai para Yokohama para investigar os responsáveis por ter invadido o último trabalho vemos ele fumando por horas enquanto fica vigiando para ver quem poderia ser um suspeito, seus hábitos ficaram piores e não tem muito o que fazer fora proteger a informação que ele só mudou de nome até morrer de fato. Inclusive, uma questão interessante quanto a isso que acabei perdendo a fonte que explica melhor e não consegui achar de jeito nenhum é que a mudança de nome que Kiryu fez é “normal”. No japão por conta de como os alfabetos funcionam é bem fácil fazer alterações inteiras com apenas a remoção ou adição de algo como um traço ou uma bolinha e isso cria uma brecha que pode ser abusada para fazer pessoas simplesmente desaparecem e virarem novas pessoas.
Kiryu virando Joryu é só uma alteração pequena que cria uma pessoa toda nova legalmente, basicamente um fantasma e estamos justamente vendo ele em ação. Quando as coisas escalam e descobrimos que a aliança Omi estava por trás do ataque com o objetivo de confirmar que de fato o quarto líder do clã Tojo estava vivo e que querem a ajuda dele. Então acontece uma emboscada, batem no carro que Kiryu e Hanawa estavam e sequestram o supervisor e fica para nós lidarmos com o responsável que é um homem em uma máscara de demônio extremamente forte. Kiryu aparentemente vence sem problemas e o que acontece é algo que é melhor ver do que qualquer explicação.
Kazuma Kiryu retorna ao seu estado original depois de clamarem pela volta dele, finalmente livre para deixar o dragão retornar só por um pouco e de repente, todo desconforto que senti durante essas duas horas somem. Não encontramos algo para acabar com essa solidão ainda, mas sim alguém que assim como a família Ryudo em Yakuza 3 e a Hirose em Yakuza 6, fazem Kiryu voltar a sentir o orgulho de ser um yakuza que ele tinha a mais de 20 anos atrás. E é de longe o momento de 2023 que usaria caso alguém pedisse uma prova de como video game é uma arte que consegue fazer coisas que nenhuma das outras consegue tentar. Ver Kiryu alternando na cena para o seu estilo da Dragon Engine enquanto o tema de combate “Bring it On!”, um rock industrial todo animado que remete muito aos seus temas originais em comparação ao limpo, preciso e eletrônico no seu tema de agente secreto e ir diretamente enfrentar um chefe com o estilo novo, tirando o peso das costas parcialmente é algo sem igual e isso é o que dita como o jogo trabalha seus temas.
É um projeto como já dito feito em 6 meses que decide segurar um pouco o estilo do diretor atual da série, Ryosuke Horii, que é bem mais “solto” e focado em trazer coisas do jeito literal (como o Kiryu realmente aparecer como um dragão em sua luta durante Yakuza 7 enquanto Ichiban veste uma armadura de personagem de rpg medieval e a versão de uma das heat actions mais icônicas do Kiryu no gaiden ser ele dando o chute e invocando um dragão junto que devora o coitado que decidiu lutar contra) e falar direto das suas inspirações para jogos na hora de trabalhar com elas, basicamente um extrovertido e no lugar disso o gaiden pega algo que a última vez que vimos foi com Lost Judgment que é a despedida de Toshihiro Nagoshi que prefere algo muito mais introvertido, pé no chão que trabalha com metáforas, símbolos e que não é tão aberto quando trabalha com as suas referências (apesar de que em Yakuza 5 você pode literalmente vestir a protagonista feminina, Haruka Sawamura, de Hatsune Miku).
Esse momento em questão é o puro suco de Nagoshi, e o jogo abraça isso com orgulho, então a solidão e deslocamento de Kiryu é sentido no combate, a história trabalha com a mitologia desse universo e como ela afeta o elenco, a escrita é uma mistura dos filmes do Kitano com Hokuto no Ken, só que ao invés de atores clássicos do hanzai eiga (filmes focados no mundo criminal japonês) participando temos a nova geração que trouxe coisas como a série Nihon Touitsu que tem mais de 50 filmes fazendo parte. É uma volta ao estilo clássico mais uma vez para construir algo que vai ser muito forte e servir para o que eles planejam no futuro, mas antes de ir nisso a fundo me permitam ter a desculpa para falar de como The Man Who Erased His Name é muito divertido de jogar e alguns problemas que tive com ele.
Bring It On!
A Dragon Engine teve muito azar no seu lançamento, sendo a sucessora da engine que definiu o estilo da série durante o PlayStation 3 e que na sua versão atualizada foi a casa para alguns dos jogos que são considerados os melhores da série inteira (5, Ishin, 0, durou até Hokuto ga Gotoku). Ela teve que pular a estratégia que o estúdio tem de lançar um spin off com a engine nova para testar terreno, fazer parte do que seria o último jogo de Kiryu e tudo isso num período de 1 ano para aproveitar o ritmo que Yakuza 0 e o Kiwami 1 teriam conseguido. Isso resultou em áreas de Kamurocho sendo retiradas por falta de tempo para trabalhar nelas, história sendo alterada para algo que fosse possível de fazer em um ano e até o combate sofreu com isso sendo mais uma amostra do que eles gostariam de fazer (muito focado em a ação ser dinâmica com o cenário sem a necessidade de heat actions ou QTEs e física), apesar de mandar muito bem nisso. No Kiwami 2 eles conseguiram dar uma melhorada mas acabaram colocando vários sistemas que mais atrapalham que melhoram e o resultado geral foi uma experiência cansativa, a Dragon Engine só foi vingar mesmo com os spin offs, Judgment deu o ponta pé que precisava para qualquer um ser comprado por ela e fez um dos jogos mais divertidos da série com o nosso advogado detetive Takayuki Yagami tendo um estilo único com o seu kung fu e explorando Kamurocho de um jeito que o último jogo que teria conseguido no mesmo nível foi em Yakuza 4. O 7 conseguiu aplicar as ideias da engine perfeitamente no molde de rpg de turno e Lost Judgment teve o feito de ser um dos melhores jogos de ação que a última geração teve com pouquíssimos concorrentes na altura.
O que acabou deixando meio triste que Kiryu não teve nenhum jogo que chegou no mesmo nível dos seus de PS2 e PS3 na Dragon Engine e a missão do Gaiden era resolver isso de uma vez por toda e eles conseguiram. The Man Who Erased His Name pega o que Judgment (o primeiro mesmo) ensinou para o time e aplica aqui: dois estilos de combate que podem ser usados tanto para controlar multidão ou focar em um só quando se tem maestria deles; uma porradaria que consegue ser dinâmica, rápida, brutal e uma exploração boa dos bairros presente no jogo. Como agente Kiryu consegue usar os apetrechos que são facilitadores de algumas ações básicas (como derrubar todo mundo, golpe em área, tirar itens, etc) e golpes que vão obrigar o jogador a largar o que ele está acostumado com o personagem e ser de fato mais metódico de um jeito muito satisfatório quando se domina e na hora de lutar como um yakuza temos uma reimaginação do estilo que Kiryu tem na Dragon Engine que finalmente parece condizente e divertido de usar, apesar de ser uma pena a remoção de várias ideias legais mal executadas que o 6 e Kiwami 2 tiveram como na hora de usar o Extreme Heat Mode (basicamente um equivalente ao Devil Trigger de Dante) os golpes, mesmo que bloqueados ainda darem dano justamente por conta de um momento rápido de esmaga botão que quebra a defesa com tudo. Não é um dos melhores combates da série mas é muito bom e divertido e os problemas que o jogo até que são bem passáveis.
The Man Who Erased His Name se passa majoritariamente em Sotenbori, largando o modelo simplificado de Kiwami 2 e pegando o do 5 que é o mais próximo da versão original e mais completa do segundo jogo no PlayStation 2 e removendo algumas partes que mudaram de acordo com o tempo que se passou. Então isso significa que é um bairro muito mais satisfatório de andar e com o conteúdo secundário mais bem espalhado, pelo menos na teoria. Joryu quando chega em Sotenbori encontra Akame, uma informante com rede de mendigos que faz um acordo com o protagonista de uma mão lavar a outra, Kiryu faria trabalhos para ela e Akame daria as informações necessárias gratuitamente e levaria ele para onde quisesse e nisso que o conteúdo secundário surge. Eles acontecem de duas formas, pedidos aleatórios na rua que são mini quests que resumem a fazer uma tarefa bem simples como pegar uma bola para uma criança ou ajudar um morador de rua com comida e se tem de monte, pagando com pontos para a Akame e aumento de reputação e o outro são pedidos mais diretos que são o substituto para as secundárias normais da série que considerando o escopo do jogo acabam sendo bem poucas. Para evoluir dessa vez, o gaiden retorna o “sistema de economia” de Yakuza 0, fazendo as skills terem que ser pagas com dinheiro e com o adicional dos pontos que você consegue com a Akame, meio que criando um meio termo entre o sistema de pontos do 6/Kiwami 2 com os dos outros jogos e sinceramente, é um dos piores da série.
A árvore de skill é confusa e abre com um monte de coisa desnecessária no momento, os dois sistemas de pontos são independentes e você pode ficar horas sem ganhar nenhum deles já que o jogo não é construído em volta deles igual o 0 era e fica só um saco progredir no jogo. Para conseguir as skills que você quer você é obrigado a fazer tanta atividade repetida que mesmo com elas durando menos que 2 minutos é fácil ficar de saco cheio. Claro, algumas incentivam bem aproveitar o jogo todo como o velho no bar que quer mais do que tudo que Joryu cante todas as músicas do karaokê ou os turistas pedindo que você explore Sotenbori com outros olhos, mas no geral não é algo que compensa. As secundárias mesmo sendo poucas acabam tendo a sensação que tiveram várias colocadas só por cota e acabam não se tendo muitas memoráveis, apesar que algumas como Kiryu se juntando com o Kaito de Judgment, a que ele tem que lidar com um adolescente pedindo dica de namoro para o chat GPT ou a dele sendo questionado sobre o legado de Shintaro Kazama, seu pai adotivo, são bem legais. São duas coisas que incomodam bastante, mas pelo menos não é o único foco de secundária.
O foco dessa vez se distribui entre o coliseu e o autorama favorito de todo mundo: Pocket Circuit. No jogo Kiryu precisa ir atrás do Castle, um hotel dentro de um barco construído nos moldes do castelo de Osaka que virou um lugar escondido para a elite fazer o que quiser, lembrando mais o Estranho Conto da Ilha Panorama, um conto do Edogawa Ranpo que é um dos maiores escritores do Japão, do que qualquer outra coisa. Lá tem ricaços abusando dos fetiches deles publicamente, cassinos, bares e o mais chamativo de tudo: um coliseu com escravos e lutadores de todo tipo. E dessa vez o que era só uma diversão por um tempo pequeno retorna com as ideias que Yakuza 5 teve de fazer ele ser algo a mais, introduzindo uma aproximação nova com Joryu criando sua própria liga de lutadores e uma história dedicada que é basicamente Kiryu ajudando o mestre responsável pelo estilo que os Daidoji usam a retomar a sua glória no ringue.
É bem divertido, abusando do modo que os desenvolvedores testam o combate dos jogos e liberando para os jogadores usarem mais de 40 personagens dentro da arena com movesets que podem ser desde piada a um homem com cabeça de galinha podendo derrotar qualquer um facilmente sem levar dano. Os desafios, cenários, é tudo bem divertido e foi o que a SEGA decidiu usar como principal aperitivo de conteúdo secundário no marketing e faz sentido, é muito bom e gastei algumas horas brincando nele (apesar de ter desistido de completar quando percebi que ia precisar fazer 100% do jogo para ter chance contra os chefes desse modo). Já o Pocket Circuit pega o que foi feito no 0 e Kiwami 1 e coloca na Dragon Engine, a customização continua sendo o prato principal e agora a competição ficou mais complexa com todo um sistema de nível sendo usado para poder correr em certas áreas e Kiryu podendo arranjar basicamente qualquer pessoa em Sotenbori para correr contra ele, fora toda uma história dedicada também. É um conteúdo secundário bem simples para a série já que se considerar qualquer outro jogo faz parecer um dos que mais tem coisa para fazer. Infinite Wealth vai ter uma secundária inspirada em Pokémon, uma sendo carta aberta de amor a Animal Crossing e por aí vai então faz sentido o Gaiden não ter o mesmo nível, só que no fim das contas acaba ajudando a provar que o jogo foi feito em apenas 6 meses e que ele é um milagre.
A Ryu Ga Gotoku Studio tem fama pela qualidade absurda do trabalho deles, cenas de ação que são alguma das melhores em qualquer mídia, trilha sonora absurda, cinematografia que bate de frente com as suas inspirações que são lendas do cinema japonês e um uso genial de mecânicas que só jogos conseguem fazer como os QTEs. Até com Binary Domain e outros projetos eles não decepcionaram nisso e no Gaiden isso se manteve, só que duas coisas me chamaram a atenção. Uma coisa que não comentei no Ishin é que o jogo me surpreendeu demais com as cenas “estáticas”, onde só tem a caixa de diálogo e alguns truques com os modelos se mexendo que são feitas para garantir o orçamento do jogo não ser gasto inteiro nas cenas. Ishin chegou num ponto que fica bem óbvio quando eles estouraram o orçamento e num final tão movimentado eles dominam demais desses truques simples para fazer cenas de ação ótimas mas evitando colocar coisas complexas e isso junto de Soul Hackers 2 quase virou um texto inteiro dedicado a falar de como jogos de baixo orçamento fazendo coisas que são o esperado de produções grandes acaba resultando em algo que surpreende até mais do que, sei lá, o Kratos em God of War Ragnarok ter pelo no nariz.
Mas enfim, Gaiden é provavelmente agora o melhor exemplo disso e explicando minha experiência isso fica um pouco mais fácil de entender o que quero dizer. Judgment abusava disso para fazer os monólogos de detetive do Yagami e colocar algumas outras cenas e invés de caixa de diálogo fazia o mesmo que Yakuza 6 de colocar a câmera no peitoral/cabeça e deixar o personagem falando enquanto tinha um x do lado para o jogador avançar o diálogo como se ainda fosse em uma caixa. No gaiden, quando fui olhar as opções de acessibilidade, o que dava para mexer na interface e tudo mais decidi ativar a opção que tira o botão mostrando a diferença de formato para contar a história e OH BOY ISSO FOI UMA BAITA DECISÃO. The Man Who Erased His Name é lindo visualmente, abandonando as cores mais sólidas de Yakuza 7 e pegando uma estilização menos anime e indo mais para as artes coloridas de Ryoichi Ikegami.
Os modelos usados em cena e gameplay são os mesmos então não tem diferenciação nenhuma a não ser o posicionamento da câmera e Gaiden é o mais criativo nisso no modo estático e as cenas de ação que o Ishin fez na reta final virão padrão aqui só que de um modo que não fazia a mínima ideia quando era ou não uma cena de ação de fato ao invés dos modelos fazendo alguns golpes normais de jeito inteligente, só fui descobrir vendo na internet mesmo. E por mais que seja muito bem feito, isso meio que mostra que o jogo foi feito em 6 meses, a falta de vários momentos de ação complexos como os de Judgment que te fazem até andar de skate e dos outros jogos sendo trocado por alguns focados bem separados e bem feitos ao invés de ter um número mais igual quando o jogo tem uma abundância de chefe bem grandes mostra que de fato não se teve muito tempo de trabalhar no jogo então era melhor focar no que dava. A falta de músicas dedicadas para algumas situações que antes todos os jogos tinham e ajudava a definir o tom único de cada um, a história sendo bem mais acelerada, tudo isso mostra que o jogo foi um milagre de 6 meses e que a Ryu Ga Gotoku Studios é sem igual.
Estamos tendo um progresso constante de acessibilidade nos jogos que é bem maneiro de ver, principalmente no que se refere a legendas e num momento bom para a série no geral. Só o que mais mata o Gaiden é o modo que ele foi vendido e o que teve que fazer para isso. The Man Who Erased His Name foi de uma DLC para um jogo completo então ia precisar de conteúdo secundário o suficiente para fazer as 15 horas chegarem a 30, conteúdo na campanha para arrastar ela e dar um tempo maior apenas para poder ser classificado como um jogo completo que pode ser vendido a 250 reais. Yakuza foi uma série que conseguiu emplacar por conta que os jogos sempre foram vendidos por ótimo preço e com promoção constante e ver eles abandonando isso apesar de manter a filosofia de promoção é bem triste e no caso do Gaiden é pior já que o jogo ficou mais caro só pelo bem de poder ser vendido mais caro e considerado um jogo completo invés de uma “DLC”.
A ideia de adaptar o formato de Gaiden para jogos é ótima, Kenka Banchou 5 e mais alguns tentaram isso antes só que todos tentaram fazer isso com ele sendo um adicional ao jogo que já vem dentro dele. Na sua mídia de origem o formato é mais barato pela sua natureza curta e o que foi pior transmitido acabou sendo justamente isso, o que é uma pena. Se a Ryu Ga Gotoku Studio seguir com esse modelo considerando o interesse deles caso seja um sucesso eles vão precisar mesmo resolver com a SEGA a questão de preço, não vale a pena piorar um jogo só para ser justificável vender ele no preço padrão. Agora que tive minha desculpa para falar dessa parte, vamos ao que faz The Man Who Erased His Name uma experiência especial, ainda mais no contexto da própria série
A mitologia em um mundo urbano
Yakuza desde o começo é uma série com uma identidade própria e estilo muito forte, mesmo que de longe pareça ser algo muito carregado em um “realismo”. Seja coisas como a remoção da roupa de cima para logo em seguida mostrar a tatuagem, as tatuagens em si, as chamas em volta dos personagens brigando, a introdução dos chefes, o jeito que as cenas de ação acontecem, é tudo algo que gera uma identidade forte e que mesmo que a série seja carregada de referências mantém ela como algo sem muita coisa semelhante. Isso por si só já cria toda uma mitologia em volta desses jogos, mas eles vão além e fazem o próprio mundo em que essas histórias fazem parte como parte desse mito, por mais que, de novo, de longe pareça ser algo bem normal.
O clã Tojo e a aliança Omi, os dois maiores grupos de yakuza do Japão em uma harmonia de respeito e conflito por mais de 100 anos, os seus escritórios com as cadeiras enfileiradas, os kanjis representando eles, os homens de terno, é o tipo de coisa que quando desenvolvido por tempo suficiente as lendas que conseguiram surgir durante o seculo de existencia deles vira algo muito mais crível, independente de ser algo que o jogador teve parte ou não. As tatuagens mesmo que a série tenha abandonado explicá-las e virado algo que mais quem tem curiosidade o suficiente para procurar o folclore chinês consiga entender ainda é algo forte e relevante, definindo confrontos inteiros ao ponto que os jogos aos poucos viram uma recontagem de mitos mais antigos que os próprios jogos.
O caminho do gokudo (um jeito de chamar os yakuzas) vira algo que consegue ser crível, pode e vai ser destruído, idealizado e tudo o que mais der para fazer. Você cria um respeito por esses mitos e começa a fazer parte deles e aos poucos fica na mesma situação em que os personagens, ainda mais por ser uma série de jogos longos que levam as coisas no próprio tempo de modo que isso consiga de fato acontecer. E a série reconhece isso muito bem, desde Lost Judgment fazendo o mestre da academia de boxe retirar a camisa do mesmo modo que um yakuza tiraria como modo de exemplificar o que aquele momento significava a o que The Man Who Erased His Name faz, que é discutir justamente essa mitologia e o cânone dos video games.
No More Heroes 3 transforma o cânone em algo explícito, Travis Touchdown não pode morrer por causa que ele chegou nos status em que ele poderia ser usado como uma das caras dos video games, por mais pequeno que a Grasshopper seja existe uma demanda de fãs que nunca vai acabar e ela sempre vai ser explorada e fazer Travis voltar. Então a solução foi colocar Travis em uma situação tão absurda que caso alguém tentasse seguir só não iria ser mais No More Heroes, seria um Ultraman bem esquisito. The Man Who Erased His Name não faz algo tão complicado assim mas reconhece o cânone do mesmo jeito, por exemplo, ao Kiryu ser colocado para lutar no coliseu pela primeira vez ele precisa atuar como participante de algumas lendas que surgiram no mundo da yakuza, começando com um que sequer vimos que mostra como Watase conseguiu ganhar a moral toda que tem para logo em seguida levarmos de volta a Yakuza 1, em 2005 onde vemos alguém atuando de Kiryu e lutando com uma katana e pistola para representar o feito de ter enfrentado praticamente todo mundo que sabia da situação dos 10 bilhões de yens roubados sozinho. Vemos também uma recriação do conflito principal de Yakuza 2, a luta contra Ryuji Goda e no fim das contas vira basicamente uma prova que esses jogos não só criaram uma mitologia própria como viraram um mito dentro dos jogos.
O feito de ter sido um dos principais motivos para a SEGA não falir nos anos 2000 não é mais tão celebrado quanto as lutas que esses jogos tiveram, Kiryu socando dois tigres sozinho é mais relevante que isso. Então, como se apaga uma lenda desse nível? Até fora da história isso acaba sendo algo tocado, com as secundárias envolvendo Ryuji Goda em que Joryu faz de tudo para proteger o legado do único igual que ele enfrentou na série toda. Não tem como fugir dessas lendas criadas neste mundo, nem quando Kiryu apagou seu nome e vida. E o jogo questiona tanto o jogador quanto o protagonista, tem como mesmo dar um fim a isso?
E a resposta de modo prático é não, quando se chega em um certo status é impossível acabar com essas lendas e mesmo dando um “fim”, elas vão sempre continuar vivas e com chance de serem usadas novamente. O que The Man Who Erased His Name defende é uma questão de respeitar o que esses mitos significam, pensar e aprender com eles ao invés de transformar em entretenimento barato como o que aconteceu no coliseu. É algo que se fosse um jogo normal da série provavelmente seria muito mais bem explorado mas acabou sendo um comentário breve e que conversa não só com Yakuza 7 que encerra parte dessa mitologia da série mas com o 8 que promete mostrar os últimos dias de Kazuma Kiryu.
Like a Dragon é uma série tão consciente de si mesma que até isso sendo feito de jeito tão rápido e em 6 meses é efetivo, justamente por abusar desse cânone dos video games e o próprio da série. Muito do que o jogo faz só funciona por conta que Yakuza existe a 18 anos com quase todos os jogos sendo uma narrativa constante que consegue comentar a si mesmo e muita coisa junto. Então não é atoa que isso acaba emplacando justamente num questionamento sobre a yakuza e um debate se a liberdade deveria ser algo total.
Até onde vai a liberdade?
As tatuagens que são provavelmente as imagens mais impactantes da série toda são o que mostram o que são cada personagem: seus ideais, motivos de lutarem e persona no geral. Elas são símbolos de liberdade ao mesmo tempo que um de exclusão e que a falta ou ter uma pode significar desde alguém não preparado para assumir algo ou se achando demais, afinal é um peso que muda a vida daqueles que carregam para sempre, não é atoa que a série faz questão de mostrar que os tatuadores só estão dispostos a fazer em quem eles acham merecedores, tem todo um desenvolvimento na cultura deles que os dois primeiros jogos fazem. Esses símbolos são importantes por representarem como cada personagem lida com a liberdade que eles conseguem, por exemplo, Kiryu sendo o dragão Nobori Ryu, o protetor puro no topo do mundo da yakuza, que reflete muito bem Kiryu como um todo.
Seu jeito de tentar sempre ajudar os outros, seja próximo ou que só topou na rua, sua força para aguentar qualquer coisa que vier contra ele e ignora as leis quando precisar (o que acaba me lembrando um pouco Worst em que a moral é que esses alunos serem odiados e considerados a escória da sociedade permite eles fazer coisas como um bater em um cara fazendo bullying com o seu colega de infância sem se preocupar com repercursão). Majima sendo uma Hannya e tentando ser livre ao máximo para fazer o que bem entender, Kuze com a Emma e todo simbolismo de ser quem Kiryu precisa se provar para virar um verdadeiro gokudo, etc.
Os yakuzas, assim como os ronins, são um arquétipo de personagem interessante na arte japonesa justamente por essa questão de romantizar a ideia de liberdade, manter um senso de honra único e que não precisa se amarrar a um sistema e Like a Dragon aproveita tanto disso que Toshihiro Nagoshi disse que pensou em Kiryu como um ronin no tempo moderno (não é atoa que parte da moral da série é lutar pelo que você acredita em um mundo que é contra a gentileza), só que esse não é o único meio que aproveitaram. Durante todos os jogos acompanhamos lutas de ideais, vemos seres humanos terríveis nesse sistema que acreditam estarem certos, vemos personagens complicados mas que acaba se criando respeito justamente por terem algo que os amarra, inimigos virando amigos por conta do quão fácil é um yakuza entender o outro quando acontece uma luta mostrando as tatuagens.
Também vemos como os tempos estão mudando, Yakuza 6 todo é dedicado para falar sobre conflitos entre gerações com os pais segurando nos seus meios sem entender os filhos e filhos entendendo seus pais de modo errado e causando um ambiente tóxico de desrespeito total, nele é mais explícito mas é algo que desde Yakuza 4 fica bem claro com o quão corporativo as coisas foram ficando. No sétimo jogo vemos que para proteger o que restava dessa ideia romantizada a yakuza preferiu acabar e participamos nisso, ajudamos a controlar uma multidão toda furiosa para manter esse legado intacto e The Man Who Erased His Name decide colocar o jogador como parte fundamental de uma discussão que não vimos: a yakuza precisa acabar?
Para entender como a discussão acontece no jogo, primeiro vamos introduzir melhor o elenco novo que o jogo trouxe, focando quase que totalmente na aliança Omi e começando com Kosei Shishido (interpretado por Yasukaze Motomiya), tente da família Watase que antes de ser um yakuza era um escravo, sendo vendido para pagar as dívidas do pai dele ao clã Kinjin que cuida do Castle. Ele foi obrigado a lutar até a morte na adolescência contra outras pessoas da idade dele, teve que aguentar sessões de tortura e até estupro (a localização decidiu deixar como algo mais insinuado mas no audio/texto original é bem evidente, vai ter um video no final do texto contando mais a fundo isso), só conseguindo sair vivo disso por causa que conseguiu chamar atenção o suficiente enquanto foi ficando forte, Yuki Tsuruno o capitão da familia Watase decidiu fazer ele ficar livre e junto de Watase deu um nome novo para ele (Shishido) e uma tatuagem, colocando direto no clã. Shishido vê a yakuza como a liberdade que ele sempre buscou, uma forma de apagar o inferno que foi boa parte da sua vida e aproveitar com o orgulho o presente, buscando o topo através daquilo que o salvou. Agora com Tsuruno (interpretado por Yoshiyuki Yamaguchi), um yakuza clássico que respeita seu líder e ajuda todos da família, vivendo para fazer o que bem entende mas ainda sim mantendo seu senso ético moral, ele é um cara legal. Também temos Homare Nishitani Terceiro, o clã Kijin pelo visto manteve uma tradição de chamar o líder deles de Nishitani e esse é o primeiro que vemos desde o original em Yakuza 0, que era um personagem que segue os mesmos ideais do Majima atualmente, só que sendo um assassino desde criança invés de alguém que gosta de lutar.
O Nishitani original tinha um senso moral, era alguém que você podia entender e até fazer amizade com, mas o terceiro se mostra o total oposto. Um antigo membro dos Jingweon (a máfia coreana que causou o caos em Kamurocho nos anos 70) que abandonou o próprio nome e sumiu no topo da aliança Omi na base da força, fazendo todo o trabalho sujo com perfeição e ganhando o direito de ter o Castle como território onde ele podia abusar de quem ele bem entendesse sem ser encostado. Ele tem prazer sexual com as piores coisas que ele comete e vê a yakuza como um meio de ser livre para fazer isso e é daí que o debate todo surge. O mundo dos yakuzas está cada vez mais desfavorecido, o governo deixando pior a movimentação, políticos e empresários entrando como formigas no sistema para abusar ainda mais da lei, membros novos sem respeito por nada que os antigos tentam passar. Será que vale mesmo apena manter esses grupos, ainda mais pelo histórico de monstro que eles sempre abrigam? Algum dos piores crimes da humanidade podem acontecer livremente pelo bem de algumas pessoas querendo ser algo a mais?
O tempo da yakuza acabou e Daigo Dojima, o líder do clã Tojo junto de Watase decidem se unir bolando todo um plano para que consigam acabar com os dois maiores grupos da yakuza de uma vez e levar os seus homens para o que mais conseguirem (inclusive queria deixar claro que acho muito engraçado de como foi para uma empresa de segurança em Judgment para um grupo de pesca em Infinite Wealth), algo que inclusive acontece em Battles Without Honor and Humanity que é uma das maiores inspirações da série. Eles vão tentar levar o que tem de positivo junto com eles, afinal não é preciso ser um yakuza para se manter de acordo com o que acredita e para conseguirem isso precisam de Kazuma Kiryu novamente.
O dragão que por tantos anos protegeu esse mundo como um deus agora é a chave final para acabar com ele e vemos o desenvolvimento do plano acontecer em segredo. A maior pedra no caminho é o Nishitani terceiro, já que ele nunca vai estar disposto de largar a sua liberdade e seu clã consegue tranquilamente se juntar com os outros que vão negar o encerramento, então eles precisam arranjar um jeito de deixar ele de fora da situação e o plano de Kiryu para resolver isso é basicamente meter a porrada nele de um jeito que ele vai precisar de 2 anos para se recuperar e outros três para se livrar da vergonha que ele vai passar (que é muito divertido de se ver, diga se de passagem).
Até que tudo ocorre bem, só que o plano na verdade era uma desculpa para Kiryu facilitar o assassinato de Nishitani e isso resulta num desabafo de Tsuruno, ele fala que mesmo que eles tentam se manter limpo eles vão sempre ser sujos por serem da yakuza, eles não são tão diferentes do monstro que mataram e isso é um dos motivos principais para acabar com a yakuza. Até onde vai essa liberdade? Eles precisam mesmo deixar alguém fazer tráfico humano por causa que quem comete tem ideais? E o Kiryu até entende isso, só que o problema é algo que ele encontrou em todas as instituições que participou: quem sofre, quem precisa fazer esse tipo de coisa vai ser sempre a parte de baixo. O poder que existe é apenas usado para quem tem ele se manter limpo, a yakuza precisa acabar por causa que assim como todas as outras instituições ela permite isso acontecer. E nisso eles fazem o movimento mais inteligente do jogo todo que talvez apenas eu e parte dos fãs japoneses perceberam: ele referencia a carta que Shozo Hirono fez na prisão durante Battles Without Honor and Humanity 5 falando justamente do desgosto dele em ver como o poder só serve para proteger os de cima enquanto mata os fracos.
Detalhe: Kiryu foi inicialmente criado como um clone de Shozo, não só suas vestimentas são a mesma mas boa parte do seu comportamento do primeiro jogo é retirado com base no protagonista de Battles Without Honor and Humanity mas como também em Yakuza 0 seu penteado é o mesmo que ele tem durante todos os filmes.
O plano segue mesmo assim e agora Kiryu e a família Watase só precisam esperar para finalmente dar um fim a yakuza, mas como de costume reviravoltas fora do esperado acontecem e esse meio tempo de espera termina com Watase levando uma facada na barriga sem problemas e mesmo assim indo bater de frente com toda a yakuza para dar um fim nela. Eles pegam o momento de fanservice de Yakuza 7 que era algo que só curtia justamente por ser algo bem feito para os fãs e transformam em uma discussão que te faz pensar sobre a liberdade e quem tem poder, Watase pode ser um cara legal mas precisava mesmo usar o sangue de quem vem de baixo para fazer seu plano acontecer? Esses personagens que conhecemos estão todos velhos e lutando ainda pelo que acreditam, mas os sistemas precisam ser mantido pelo bem deles?
The Man Who Erased His Name faz algo que só video game consegue fazer, pegando esse momento de caos no momento da desolução e colocando o jogador no papel de Kiryu sendo o guarda costas de Watase, segurando sozinho todo mundo que fosse atrás dele enquanto Ichiban, seu grupo e algumas lenda da yakuza seguram a multidão. A música que toca nesse momento durante o 7, Apassionato, vira Ultra Apassionato, saindo da eletrônica animada do Ichiban e indo para o rock de Kiryu e a pancadaria das boas rola enquanto você vê as coisas acontecendo simultaneamente. É ótimo, um dos melhores jeitos de recontextualizar algo que eu vi e só fica mais poderoso pelo quão ativo você é nessa situação toda. Kiryu bola todo o plano para atrair Nishitani para fora do Castle e o jogador é quem executa e escolhe os passos dele, você que imobiliza Nishitani, você ajuda Watase e Tsuruno a lidar com a reviravolta de último minuto e agora é você no controle de proteger os homens que estão tentando encerrar esse sistema. Só que é claro, eles não poderiam acabar o jogo assim, a Ryu Ga Gotoku Studio tem que se provar como um estudio único então é óbvio que eles fizeram algo que me fez chorar pelas 3 horas que acontece a sessão final até os pós créditos do jogo sem parar. A parte a seguir vai ter spoilers, serão bem mínimos e basicamente é só um jeito para concluir parte do meu raciocínio de como esse jogo foi um ótimo projeto.
Sonhos fugazes
Depois da porradaria toda, Kiryu sai junto das lendas do Tojo para fora do terreno da Omi junto de Watase, só que eles se deparam com um homem: Shishido, que teria iniciado uma rebelião de última hora que levou Watase a ser esfaqueado. Depois de Kiryu ter feito ele cair pelo menos um 5 metros ele estava lá, com o corpo todo machucado e sujo mas se movendo, pronto para desafiar todos eles. Majima tenta para-lo colocando uma faca em sua mão mas não adianta de nada, Saejima tenta derrubá-lo com um soco mas também é inútil. Shishido virou uma fera machucada e nada vai parar ele agora, homens da Omi e do Tojo que foram derrotas a pouco tempo aparecem, todos machucados e Shishido começa um dos melhores discursos da série toda, falando sobre o que é ser um yakuza, pelo o que ele sempre lutou, o que move esses homens e que eles não vão deixar um grupo sozinho destruir esse terreno sagrado enquanto toca uma das melhores músicas da série que curiosamente se chama Wounded Beast.
Shishido faz o grupo todo que foi derrotado recuperar os ânimos, agora eles eram a reencarnação do espírito da yakuza e eles não iriam ser derrotados (nesse momento eu já tinha desabado) e Kiryu reconhece isso justamente por sentir o mesmo orgulho que eles, todos naquele momento sentiam a exata mesma coisa. A yakuza só podia ser encerrada com uma boa luta de verdade e agora os pilares do Tojo, os homens que passaram a vida toda fazendo o lugar virar a lenda imbatível que ele é seriam os que colocariam o fim no espírito da yakuza. O dragão, o tigre, o demônio e a deidade ao mesmo tempo, pela primeira e última vez. E é um momento mágico, depois de tanto tempo finalmente lutar junto desses personagens ao mesmo tempo que te faz sentir justamente do mesmo modo que eles, Shishido não só motivou o elenco mas me motivou enquanto jogava, não faço a minima ideia de como não rasguei a camisa enquanto fazia essa luta. A luta termina com o Tojo se sobressaindo, só que ainda falta um.
Shishido vai para o topo da Omi, na sala onde o topo do clã faz as reuniões e Kiryu vai atrás e ambos começam a conversar. Shishido começa a falar sobre liberdade e como o único lugar que ele se sentiu confortavel é a yakuza, ele aprendeu que a força era como ele conseguiria sobreviver e a coisa mais positiva que ele conseguiria tirar da sua vida é ser um gokudo e agora Kiryu, supostamente um privilegiado quer acabar com isso. E Kiryu responde falando que ele sabe exatamente como Shishido se sente, a sensação de ser um yakuza, a busca de lutar contra o mais forte, são todas coisas que movem os dois. Só que diferente de Shishido, o dragão de Dojima acredita que isso não importa, a vida é mais importante que qualquer sonho que eles têm, então o fim é inevitável e os dois partem para luta, com Shishido enfiando uma katana no ombro de Kiryu antes do jogador começar a porrada.
Uma coisa interessante que deixei propositalmente para falar aqui é que Shishido é um leão, desde essa ser o significado do nome que Watase deu a ele a sua tatuagem, só que o importante é que o tipo de leão dele é o protetor, usado como “decoração” em certas áreas da ásia para ser um vigilante que protege o lugar e neste momento, Shishido é o leão da yakuza, movido puramente pelo orgulho de ser um e a necessidade de proteger o único lugar que lhe permitiu sonhar e Kiryu, o dragão que protegeu por tanto esse sistema é o último oponente dele.A luta acontece de modo semelhante ao final de Yakuza 5 (não é atoa que o tema da batalha final, separado em três partes que pela primeira vez tem nome específico para cada uma e até constroem uma narrativa nisso, é basicamente uma música que veria naquele jogo), com Kiryu levando Shishido para fora do topo da Omi até leva-lo para fora, só que dessa vez invés de um chute expulsando é os dois sendo levado para o telhado em meio ao por do sol enquanto toca Fleeting Dreams, uma das músicas mais bonitas que eu ouvi em um jogo. A coreografia absurda acalma e agora entra espaço para uma despedida, estamos lutando para realmente dar um fim a tudo que vimos Kiryu passar durante os 18 anos de franquia e bate muito forte. Essa não é uma batalha pelos sonhos, como em Yakuza 5 mas sim uma para mostrar o quão fugaz é tudo isso, o tempo passou.
É uma das melhores lutas dos video games e a série inteira é cheia delas, é uma experiência sem igual e que mal dá para explicar. Todas as lutas importantes que tivemos com Kiryu são representadas nesse momento, não no mesmo modo que o quinto jogo faz onde precisamos enfrentá-los de novo para provar que de fato vencemos ele mas sim para matar o passado e Shishido é o oponente perfeito para isso. Ele não está nem um pouco errado, a única coisa que ele quer é proteger o que deu um motivo para ele sobreviver depois da escravidão, mas infelizmente as coisas precisam acabar. The Man Who Erased His Name não mentiu quando disse que era um jogo sobre apagar o passado para proteger o futuro e é justamente o que estamos fazendo nessa luta.
Ichiban e seus amigos iram nos levar para outros tipos de história, o crime ainda vai existir e eles vão se meter com todo tipo de organização, mas o tempo de lendas do Tojo e da Omi fazendo todo o trânsito urbano sumir para que eles tivessem uma luta acabou. A luta termina com Kiryu dando um soco que joga Shishido para fora da Omi enquanto o pôr do sol chega e é lindo, o dragão continua inigualável e o mundo dos gokudo como conhecemos pode finalmente descansar. E se eu já estava chorando absurdos durante a luta, a Ryu Ga Gotoku Studio coloca uma das cenas mais bonitas da franquia como final com Kiryu desabando de chorar que me fez ficar ainda mais proximo dessa serie. É um jogo que me incomoda com algumas coisas mas que compensa demais no fim das contas por causa que quando se tem uma visão artística e domínio tão forte assim, você consegue fazer algo que não se encontra em outro lugar.
E para melhorar (ou piorar) as coisas, o Infinite Wealth vai falar justamente de morte, com Kazuma Kiryu descobrindo estar com câncer e sem chances de sobreviver, ajudando Ichiban uma última vez a achar sua mãe no Havaí, só que vai ser uma jornada que até no gaiden já fez o dragão ter que se resolver de vez com os seus erros antes de morrer e pelo que parece, vai ser ótimo e com toda certeza vou ter que falar aqui sobre.
Este texto foi editado e revisado por Maya Souza (@ShinMayanese).
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