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No More Heroes 3 é um tokusatsu sobre lidar com arte — Análise

Atualizado: 26 de out. de 2023


Depois de ver uma onda de filmes e jogar tudo que conseguia da Grasshoper, feito dois textos sobre alguns jogos e de esperar alguns anos, finalmente estamos aqui. No More Heroes 3 saiu da prisão do Nintendo Switch e o resto do mundo pode joga-lo de maneira mais acessível e com algumas melhorias. E para quem acompanha meus textos no Game Desing Hub, este provavelmente é meu último texto envolvendo Kill The Past, ao menos que eu tome coragem de falar sobre The Silver Case ou o projeto em desenvolvimento na Grasshoper, caso envolva essa série ao invés de ser algo totalmente novo. Mas enfim, como de costume nos jogos do Suda que eu trouxe aqui, No More Heroes 3 é um jogo difícil de se analisar - mas por motivos diferentes do que The 25th Ward - e ao mesmo tempo sinto que uma parte da recepção mista entre os fãs vem por uma dessas razões. Isso aqui vai ser tanto divertido quanto difícil de escrever, então bora lá.


Um resumo rápido sobre a qualidade do port e gameplay por que esse é dos bons.

No More Heroes nunca foi uma franquia conhecida exatamente por ter uma performance perfeita, mas o terceiro título acabou se destacando nisso no seu lançamento original por conta do seu mundo aberto que, apesar de não chegar a ter quedas tão brutais quanto um Deadly Premonition 2, era bem claro que o jogo estava mal otimizado, mas com uma decisão inteligente de priorizar o combate que é o único momento que o jogo alcança 60 FPS no Switch e sem muita queda. Mas uma boa parte da exploração acabou sendo afetada por isso e só de emular o jogo boa parte dos problemas foram resolvidos. Mas com o porte oficial, No More Heroes 3 teve uma pequena revisão nos consoles (que é ausente nos pcs por conta de serem equipes diferentes) e uma melhoria total de performance nas duas versões. Infelizmente não teve nenhuma adição de conteúdo cortado fora alguns arquivos de som sendo usados, mas o jogo continua o mesmo, só com uma performance bem melhor.


É um porte bom que acaba tendo a sensação de ter perdido o potencial para várias melhorias, mas é justificável se considerar que a adição de algumas partes do conteúdo cortado seria equivalente a desenvolver uma versão totalmente nova e deixar a do Switch obsoleta (que apesar de não ter tido nenhuma melhoria, ganhou todas as adições de áudio e legendas). Mas essa área não é muito meu foco, o que me chamou atenção mesmo jogando No More Heroes 3 é o quão BOM DE JOGAR ele é, ampliando em todo o conceito de ser um hack and slash mais puxado para character action mas mantendo uma simplicidade muito bem vinda. O novo jogo pegou o desafio de Travis Strikes Again de inimigos inteligentes posicionados de maneiras que dão um desafio bem desgraçado as vezes e fez ser o padrão, com um comportamento bem mais agressivo (dependendo da qualidade) e algumas decisões muito bem vindas que criam todo um ritmo tão compensador de entrar quanto um Batman Arkham City e Yakuza 5 da vida. A Grasshoper conseguiu acertar tanto em um combate que meus únicos problemas com ele são nitpick, como o quão confuso e irrelevante é o sistema de avaliação, os iframes (frames de invencibilidade) não sendo claros e por aí vai. Os minigames são legais apesar de nenhum ser no nível do primeiro ou de algum Yakuza e o Open Bairro (Hub World), mas isso será algo que irei abordar logo. Agora, vamos voltar um pouco atrás.


Pandemia Strikes Again

Nenhum assunto sobre a pandemia ou pandemia com video game é novidade após esses anos vivendo nela. Não precisamos lembrar de Cyberpunk 2077 ou Deadly Premonition 2 pro tipo de pessoa que leria um texto meu. Mas em No More Heroes 3, sinto que é um tópico muito difícil de não citar por causa que ele justifica muita coisa e também deixa em evidência alguns tópicos para debater. Segundo o próprio Suda, desde quando ele começou a escrever admitiu que tem um problema de escrever bem a mais, seu processo é definir os personagens e um contexto e deixar a história rolar e isso acaba tomando conta dele em um ponto que não percebe onde parar e acaba fazendo bem mais do que o necessário ou possível, então em todos os seus jogos tem conteúdo cortado. Em Killer7, por exemplo, três horas da história foram retiradas para o peacing ficar melhor e conseguir se encaixar melhor (todos foram selecionados a dedo por ele e Shinji Mikami,  que foi produtor e tutor de Suda). E considerando todo o contexto da pandemia, é meio óbvio que tiveram que cortar coisas por conta das circunstâncias, mas o problema real não vem disso, é só mais uma adição na pilha do que aconteceu. Na real, a Grasshoper abriu um contato com a Marveolus (Xseed) para produzir mais dois jogos de No More Heroes onde eles teriam total liberdade para fazer fazer que quiser e após isso a IP seriam deles, então foi decidido fazer Travis Strikes Again e No More Heroes 3. O primeiro tendo pouquíssimos problemas e sendo um dos melhores trabalhos do estúdio e o segundo tendo que lidar com o tempo do contrato e a pandemia. Então não era exatamente uma questão do que não dava para fazer a distância e sim o que dava para entregar a tempo. A Grasshoper lidava com toda uma questão burocrática ou entregava o melhor que conseguiam enquanto tentavam lidar com a situação, então um pouquinho mais que a metade da história de No More Heroes 3 foi cortada nessa brincadeira e não do jeito certo.


O problema real é que esse corte deliberado aconteceu sem mudança na história, como se os eventos ainda tivessem acontecido e isso dá um problema bem grande no final, por causa que muito do que acontece acaba parecendo só forçado e rápido demais quando na real é que a gente nunca sequer viu o que eles queriam que vissemos para entender a situação. O caso mais destacado disso pelos desenvolvedores é que teríamos todo um segmento fora do planeta com Travis e desenvolveria mais a Midorikawa, Shadow of The Danmed e também Fu e os outros aliens. Teríamos personagens de The Silver Case aparecendo, algo em relação a Flower Sun And Rain e outros jogos da Grasshoper. E de cabeça minha mesmo, quem lembra de como o Fu, o vilão do jogo, queria entrar em todo o hype do cinema da Marvel e tentar se passar pelo herói do planeta e como um dos seus amigos poderia ajudar com isso por manipular memórias? O Henry, irmão de Travis, aparecendo mais de uma vez no jogo? Ou como tudo mecanicamente mais relacionado a Ultraman, Gundam e Space Sherif é só apagado e deixado de lado totalmente quanto mais o jogo avança? O Notorius mesmo que é o personagem mais obrigatório de conhecer o jogo de onde ele ele por causa que tudo relacionado a ele fora duas cenas foram cortadas. É como se as primeiras 4 lutas tivessem um corte de cenas e ideias controladas, pelo menos na medida do possível, enquanto todo o resto do jogo quanto mais você avança mais parece que cortaram tudo e deixaram no mínimo possível. E não é algo que afeta só a história, então entra outra discussão do jogo que com o porte fica até mais legal de se ter por conta dos hackers.


No More Heroes 3 tem como mudança mais evidente entre os jogos da série a falta de fases, optando por um sistema de arenas que é algo que vem tanto de uma forma de lidar com a limitação do Switch quanto falta de tempo para programas coisas mais complexas e lidar com otimização, considerando que durante o último capítulo a gente tem até uma ideia de como seria um dos estágios do jogo em uma situação mais normal e isso é mais algo pessoal para se discutir. O ponto dessa questão é em relação ao mapa de Santa Destroy, que aumentou mas na real foi bem cortado. Com apenas áreas pequenas de cada região e uma grande metade bloqueada não por conta do Switch não rodar, mas por ser inacabada mesmo. Maior exemplo disso vindo do mapa do Brasil no jogo, em que temos apenas a área do planalto em Brasília sem nem conseguir entrar nele enquanto o resto todo do Estado está atrás, mas sem ser completo e dando apenas para ter uma ideia da arquitetura. Não dá pra ter uma ideia real do que perdemos em questão de conteúdo secundário, mas até em combate da pra ver em certas partes como o mapa era pra ser bem mais usado (no Brasil mesmo tem uma missão que te deixa lutar em cima dos prédios e a área toda é onde o jogo roda pior e soa mais inacabada). Aí entra uma questão minha, a Grasshoper foi inteligente por tentar terminar o jogo e entregar algo bom de jogar considerando as circunstâncias invés de tentar entregar toda a ambição que eles queriam de maneira ainda mais fragmentada, podendo ser que rode mal ou com gameplay ruim até? Mas isso não é o que quero focar, já que No More Heroes 3 tem ponto muito bom de discutir, então vamos começar tirando o lado mais complexo para poder focar no ponto de ter feito todo esse texto.


Punk is (NOT) dead

Provavelmente a maior polêmica de No More Heroes 3 entre os fãs é se Suda realmente se mantém um autor punk, principalmente se a gente considerar o histórico de astros do movimento que acabaram se revelando serem reaça ou só falar as coisas mais absurdas possíveis que vão contra tudo o que o movimento punk significa. Mas o que é exatamente o estilo? Nem considerando o Game Desing Punk da Grasshoper (mais por conta de No More Heroes só não ser tão tradicional, tanto que apela bastante pra um público maior), mas sim a ideia "real" do punk, já que vai ser algo consideravelmente importante para o meu ponto. O punk se iniciou como um movimento musical que explodiu por conta dos Sex Pistols, indo do Reino Unido para o resto do mundo tentando implantar um movimento anticultura, anticapitalista e antigoverno entre os jovens da geração sem futuro. O curioso de conversar sobre o punk vem mais do estado que estamos hoje com ele e seu principal representante, já que Sex Pistols mesmo virou uma marca, inclusive tendo uma série no serviço de streaming da Disney. O lado anticapitalista do punk por algum motivo tem a tendência de sumir com a introdução da popularidade, mas considerando o quão ligado ele é com arte e passar a mensagem para um número maior de pessoas, é um tópico mais delicado que merece todo um outro texto sobre. Mas enfim, o punk também é um movimento, querendo ou não, de esquerda (indo contra governos liberais e conservadores) e que apoia minorias e a classe trabalhadora por serem justamente os afetados com o sistema, então mesmo que em questões musicais sejam bem diferentes, o hip hop por exemplo faz parte da essência do punk. Então se for para resumir, o movimento é basicamente a raiva das minorias afetadas pelo sistema sendo direcionadas ao mesmo que querem seu fim, sem necessitar de uma estética se não a própria do indivíduo para funcionar (considerando que a ideia originalmente é ser contra as normas e não necessariamente criar uma). Os jogos da Grasshoper existem nessa ideia de que o punk é ser contra o sistema e normas, enquanto tentam passar uma mensagem igual vários exemplos do movimento em qualquer área artística tentava. No More Heroes não era exatamente contra as normas de game design, mas tinha seu jeito de se diferenciar, ele atacava mais a questão de como o gamer funciona e toda uma questão de consumismo. Agora No More Heroes 3 desde o momento que Suda fez algumas piadas com os filmes da Marvel pela Disney acabou ficando bem complicado nesse aspecto.


No More Heroes surgiu ao mundo como uma forma de Suda fazer um contraponto ao seu jeito de escrever Killer7, onde no jogo do Gamecube ele não quis se inspirar em nada e fazer algo diferente, no de Wii decidiu usar tudo o que gostava para tentar montar um jogo. Então, Travis apesar das suas péssimas características no primeiro jogo em certo modo, serve para representar o Suda e o que ele acha do consumismo em volta dos jogadores. Mas como citei no meu texto de Travis Strikes Again, nosso assasino favorito evoluiu como pessoa e até em gostos, mas mesmo assim o jogo tem momentos como nas discussões entre Travis e Bishop sobre cinema onde eles falam sobre Riki Takeuchi (mais conhecido como Awano de Yakuza 0 para os gamers) poderia ser um ator nos filmes da Marvel. Perfect World era para ter uma área de cinema com as referências mais baratas possíveis, existe logo da Netflix no jogo e tudo a primeira vista parece mais um modo de abraçar toda essa cultura capitalista em volta da arte invés de tentar lutar contra. E inicialmente, isso era uma questão que até mesmo eu enquanto zerava estava em dúvida. Suda ainda é mesmo punk ou todos esses anos acabaram acalmando sua fúria contra o sistema? Bem, a resposta é simples na real, só passada de um jeito com o mesmo toque de sutileza que The Silver Case tem, por exemplo.


No More Heroes 3 tem uma apresentação bem única, seja em direção de arte ou como a Grasshoper tentou emular a estrutura de um arco de tokusatsu showa (toda essa questão envolvendo esse nicho vai ser explicado logo, logo) em formato de jogo. Mas o que mais fica evidente nisso é o tratamento cínico com o estado atual da arte. Algo curioso para exemplificar a sutileza no que a Grasshoper está tentando fazer, é como toda parte monótona do jogo quando aparece o HUD da Twitch (como se o jogo estivesse em live) tem pouquíssimas pessoas vendo e comentando, mas em momentos maiores de ação, é sempre alto. As pessoas perderam a paciência e isso acaba sendo evidente na forma que consumismos até o jeito de outras pessoas consumirem algo. Como as cenas em que aparecem a Netflix implica mais a urgência de maratonar e consumir mais e mais sem esperar para absorver o que acabou de acontecer e até algo mais bobo e que só notei depois de assistir um vídeo, como Travis não consegue sentir nenhum sentimento vendo um cenário enorme de CG visualmente bonito, mas bem preguiçoso, mas mesmo assim ficou discutindo antes com Bishop como a tecnologia tem potencial na mão de uma boa produção. Ao mesmo tempo existe uma certa saudação as coisas boas que ainda existem e que podem ser extraídas, como as recomendações de filmes durante o jogo todo que você recebe no celular (inclusive fiz uma lista com todos os filmes citados durante o jogo inteiro que vou deixar no texto) sendo uma opção mais contracultura ou para pelo menos apreciar algo que não está tão ligado assim com megacorporações. Dá para se dizer que assim como aconteceu com a transição do punk pro post punk, a fúria de Suda se abaixou e virou mais uma indignação. Mas um dos meus pontos favoritos do jogo vai contra essa ideia.


Love Will Tear Us Apart, again

Uma frase que ficou na minha cabeça durante o jogo todo é como sempre citam que o trem da vida nunca para então a única coisa que a gente pode fazer é continuar indo e indo. Normalmente isso pareceria só um papo bobo ou algo que seria discutido depois, mas se considerarmos que todos os jogos da série tentaram ter alguma discussão sobre vídeo game, essa frase e boa parte do arco do Travis no jogo faz bem mais sentido. O ponto de No More Heroes 3 está mais evidente do que nunca considerando o momento atual que vivemos e meu primeiro texto pro Game Desing Hub foi referente a ele. A cultura de massa ficou ainda mais dominante e a necessidade por marcas explodiu, com a onda de remakes e outros tipos de retorno, o que não seria necessariamente um problema se não fosse o único motivo por trás da indústria com isso. Nomes vendem, são reconhecíveis e o jeito mais fácil de vender algo, principalmente quando você diz modernizar e simplificar para uma audiência maior conseguir consumir sem problemas e sem pensar muito a fundo. Não importa qualquer pensamento mais a fundo nas intenções, por exemplo, The Last of Us Part 1 existe por causa que o 2 é um jogo muito realista, logo bonito e detalhista então a aproximação que o primeiro tenta ter com The Walking Dead no visual precisa ser inexistente. E para que as pessoas possam ter emoções a tecnologia de captura de movimento precisa ser a mais absurda possível por causa que se não é impossível se relacionar com qualquer um do jogo, aí sim as pessoas vão reconhecer tudo como deveria ser, assistir a série nova e comprar todos os outros novos jogos. Ou seguir a linha de Silent Hill também, que pegou toda a escrotidão do trem tentando reviver um cadáver por causa do seu nome e da última pessoa fácil de reconhecer que trabalhou com um projeto e lançou diversos projetos que são um dos jeitos mais fáceis de ver a morte da arte, mesmo com Ryukishi07 (escritor e criador das visual novels de When They Cry) participando do projeto. É um trem que não para, por causa que é uma marca fácil de reconhecer então sempre vai chamar atenção e independente de terem entregado um dos jogos mais importantes da galeria do PlayStation 2 para uma desenvolvedora que apoia tudo que vai contra a ideia do original, vai dar sucesso por causa que ela é fácil de reconhecer e segue na plataforma com o maior número de egocentrismo em volta de jogo possível. Pouquíssimas pessoas realmente se importam em ver o que Silent Hill se tornou, o que está acontecendo com a preservação de jogos como arte e por que ainda vamos ter o terceiro filme envolvendo a série, o importante é que ela voltou e sinceramente, isso é nojento em certo ponto e Suda Goichi concorda comigo, talvez com menos raiva mas esse é o ponto da conversa sobre o trem.


No More Heroes virou algo que Suda e ninguém da Grasshoper tem mais um controle, assim como ocorreu com o punk, virou uma marca e seu criador reconhece isso. Mesmo com a intenção de ser apenas um único jogo até terminando falando que não vai ter nenhuma sequência, estamos aqui falando do seu terceiro jogo. E assim, Travis deixou de ser uma paródia do jogador para ser de fato um personagem de vídeo game acoplado a uma marca, mesmo que não tão famosa. Não importa mais as intenções artísticas de Suda ou sequer querer finalizar a série por causa que a exigência dos públicos e o jeito de lucrar fácil nesse sistema maior que é o capitalismo acaba deixando impossível.  Não adianta a Grasshoper tentar construir desde o seu primeiro jogo a temática de busca pelo paraíso se nenhum dos personagens vai conseguir pela natureza do sistema. Mesmo sem exigências de uma empresa maior por trás, o público não se importa o suficiente com intenção artística tanto quanto pensa, eu incluso nisso. Travis agora é muito mais um equivalente do Kratos, sempre aparecendo quando preciso e sem muitas perguntas do que ele pode representar para o jogador se não só um outro jeito de reconhecer uma marca. E no fim, esse meio que é um dos fins trágicos que o punk e qualquer obra pode levar se a gente considerar a tentativa de obter mais público para passar sua mensagem. Mas Suda tentou pelo menos achar um jeito de acabar com esse trem ou pelo menos avançar ele em um nível tão grande, que ninguém mais usaria sua criação.


O título dessa sessão não é escolha aleatória, durante todo o marketing do jogo, enquanto ele não lançava Suda toda vez que postava algo próximo da data do jogo no seu Twitter, colocava Until Love Will Tear Us Apart (referenciando Joy Division). O que se considerarmos que até com os jogos que fizeram ele desistir por um tempo da carreira recebendo amor em Travis Strikes Again e toda a questão contratual, faz sentido. Era uma última faísca de amor que a Grasshoper poderia dar e nisso veio sua forma de tentar encerrar de vez No More Heroes. E não se preocupem com spoiler nesse momento, isso aqui vai ser mais focado na ideia do que em contar o que rola mesmo na história. Mas enfim, a Grasshoper usou de uma das partes do trem da indústria cultural que a Marvel formentou: a continuação anunciada pelos pós créditos. Com o final do jogo dando toda uma abertura para uma sequência, sendo logo em seguida terminada e abrindo espaço para mais uma e que só termina em uma confusão bem engraçada mas com um propósito claro. É impossível seguir qualquer evento pós No More Heroes 3 e tentar ainda se manter próximo da essência do primeiro jogo por conta do que foi mostrado e Travis por ser um personagem de vídeo game, vai ser obrigado a sempre voltar e seguir nessa linha independente dos status da franquia ou do seu personagem (o que está acontecendo com Kiryu em Like a Dragon 8, por exemplo). A busca do paraíso de Travis não dá nem para ser cogitada, só tentar achar um conforto em meio ao o que acontece na indústria de jogos. E provavelmente, mesmo com o pós créditos tentando apagar qualquer chance de continuação ou projeto envolvendo No More Heroes (fora um que é uma surpresa muito agradável), teremos pelo menos mais dois em algum momento. Mas Suda pelo menos tentou deixar o amor acabar tudo e dar um final bem humorado para Travis em uma situação trágica. Bem, isso é basicamente o que temos de mais importante da parte meta do jogo, então vamos para o que eu realmente queria falar.


Tokusatsu

Isso aqui é algo que boa parte conhece mas que não liga ou sente que não conseguiria levar a sério, e até aí tudo bem. Não dá para saber exatamente se isso é por conta de diferença cultural, já que tokusatsu foi influenciado pelo teatro japonês e tem um uso bem grande de tantos efeitos práticos quanto especiais, ou se é a questão do foco da maioria das séries ser para crianças pré adolescentes e adolescentes/jovens adultos. Durante a pandemia, decidi junto de um amigo dar chance a alguma serie e agora cheguei no ponto de estar assistindo K-tai Investigator 7, reconhecendo todos os personagens das séries e por aí vai. E nesse processo acabei reparando que mesmo a percepção geral das pessoas tendo com o estilo sendo Power Rangers, somente isso não é necessariamente o ideal para conhecer a técnica (não desmerecendo a franquia). A definição da palavra tokusatsu (特撮) é efeito especial, mas isso faria qualquer produção que existe ser considerada um, então sendo mais exato o estilo seria o uso de todo tipo de técnica de efeito, com uma abordagem mais teatral, para contar uma história. Seja ela de ficção científica, terror, drama, comédia e por aí vai. De jeito semelhante ao o que aconteceu com os quadrinhos, tokusatsu acabou sendo definido pelas suas séries de heróis e sendo separados pelas variações. Como os Henshin Heroes (Kamen Rider, Super Sentai), onde temos alguma pessoa que se transforma para lutar, com toda uma sequência de transformação; Metal Hero (Kikaider, Jaspion), onde temos todo tipo de robôs no lugar de humanos lutando e o Kyodai Hero (Ultraman, Gridman), em que temos gigantes ou personagens que controlam a altura em algum nível. E mesmo assim, isso é só o básico que não indica muita coisa ou sequer como entrar nesse universo, o que inicialmente parece bem difícil. Mas já que No More Heroes 3 é essencialmente uma série de tokusatsu em jogo, vou deixar o próximo parágrafo dedicado para quem quer ver como entrar nesse nicho.


É bem fácil comparar tokusatsu com quadrinhos se considerarmos que temos as séries sendo separadas por eras (Showa, Heisei e Reiwa) e o quão diferente as versões de um personagem ou conceito acabam sendo, até como as outras obras do estilo que se diferenciam do quesito de ser super-herói acabam sendo perdidas no meio do role ou o quão abrangente é o jeito que várias pessoas podem te dizer para iniciar. A minha dica para quem quer iniciar a assistir tokusatsu é: pegue algum filme que dê para aproveitar sem nada prévio. Geralmente esses filmes mais isolados são uma demonstração muito boa do estilo e bem curtos, mesmo que pequem bastante no texto eles conseguem vender bem o que você verá. Como os filmes do Keita Amamiya: Kamen Rider ZO, Kamen Rider J, Kamen Rider Shin e Hakaider ou Ultraman The Next de Kazuya Konaka. As séries de tokusatsu da Toei, geralmente tirando as que se passam no futuro ou envolvem viagem no tempo, é somente escolher qual parece mais atrativa e de acordo com seu gosto, com a Tsubaraya e Ultraman sendo um pouco mais complicado por conta do universo ser todo expandido e ter diversos arcos durante as séries, mas aí é só uma questão de procurar uma que te agrade e verificar se não é uma sequência, lembrando que mesmo assim as séries de Ultraman tem tendência de explicar as coisas para novatos. Mas enfim, quer ver algo diferente que não seja focado nos heróis ou tem uma aproximação mais diferente? Bom, temos K-tai Investigator 7, Sukeban Deka, Tekkouki Mikazuki, Next Generation Patlabor e por aí vai. E como incentivo, no fim dessa postagem vai ter um site com uma contagem bem grande de tokusatsu e fica do leitor escolher se quer alguma coisa mais diferente ou uma das três maiores. Agora que está tudo mais apresentado, vamos seguir.


Voltando ao que eu disse, No More Heroes 3 é essencialmente, um tokusatsu em formato de jogo. Os trabalhos de Suda nunca foram estranhos a isso, com Killer7 tendo os Handsome Mans, The 25Th Ward tendo uma discussão bem grande sobre Super Sentai e a Beam Katana de Travis sendo na verdade uma referência a série Space Sheriff (segundo o próprio) com boa parte do estilo surreal de Suda podendo ser uma mistura de episódios de Metal Heroes com a filmografia de David Lynch. Mas o terceiro jogo decidiu expandir isso e deixar mais evidente do que nunca, seja com a abertura sendo uma clara homenagem a Ultraseven e outros Ultraman Showa (a era clássica, digamos assim), os chips tendo todos nomes de Ultraman, a forma espacial sendo uma mistureba bem interessante de conceitos do sci fi japonês que envolve Ultraman ou Travis tendo sua própria forma de herói e sequência de henshin que mistura Kamen Rider J com Build. Mas tudo isso é coisa superficial e que qualquer um com pelo menos conhecimento do estilo poderia perceber, o que me surpreendeu mesmo são as coisas mais sutis que pouca gente comentou. Diferente das outras situações de ranking que Travis sempre enfrentou, os seus alvos agora se conhecem e planejam múltiplos jeitos diferentes de mata-lo, com um chefão entre eles explícito, o que é algo que Kamen Rider Ichigo usou nos seus arcos e uma estrutura que vire e mexe aparece em Super Sentais. O relacionamento problemático e dinâmica dos aliens acaba sendo uma mistura disso, com formas de abordar relacionamento tóxico e até The Boys com união a tokusatsu. Também temos alguns confrontos terminando em cenas que pegam a essência do mesmo tipo de momento em Ultraman e mais coisas assim durante o jogo. Algo recorrente nos trabalhos do Suda é que ter um material de referência não é necessário mas acaba adicionando camadas, já que as referências não são só pela referência mas sim uma chance dele brincar com conceitos ou adicionar mais camada, podendo até ser uma forma de caracterização e no 3 isso é onde fica mais evidente. Mesmo que o Fu inicialmente pareça ser só uma piada com ET, saber que também tem o Pigmon, de Ultraman, em seu DNA acaba deixando as coisas mais interessantes. E sinceramente? É até difícil definir o quão influenciado No More Heroes foi, considerando que somente durante a produção do texto que eu descobri o gosto de Suda por essa categoria de tokusatsu e que podem ter coisas que vai mudando tudo conforme cada referência.


Um detalhe bobo talvez não intencional é que as finalizações contra os aliens são sempre enquadradas do mesmo modo que tokusatsu realiza o mesmo tipo de cena.


O ponto é, tokusatsu é uma parte muito grande de No More Heroes 3, mesmo que o lance todo de relacionamento abusivo graças a uma figura maior possa ter surgido por The Boys, ainda dá pra ver que é algo que existe no estilo e até acaba sendo explorado, com Kamen Rider Faiz com o elenco de antagonistas da Smart Brain. E mesmo que seja bem evidente, é estranho que até quando o jogo diz na sua cara com a Boss Fight da Midori Midorikawa, ainda acaba sendo o assunto mais esquecido do jogo, mas vamos com calma. Inicialmente apresentada no manga de The 25th Ward (Red, Blue and Green) como uma garota meio introvertida que matou todos do seu colégio e foi acolhida por Kurumizawa, mas que recentemente foi revelada ser filha de um demônio de Shadow of Danmed e que se alinhou com Fu para dominar o planeta. E para quem não leu o mangá, além de uma puta brincadeira legal com Crows Zero (o filme do Miike, mais especificamente), Twilight Syndrome, que foi o segundo jogo que Suda escreveu, e também temos um uso de contar a história pelo ambiente muito bom para apresentar Midorikawa. Sem contar todo um lance muito sutil envolvendo Killer7, mas enfim. A luta contra Midori acontece na pedreira de Ibaraki, que é conhecida justamente por ser onde filmagem de tokusatsu acontece e o jogo deixa isso de jeito explícito, com Travis até tentando discutir com Midori sobre. Talvez a coisa mais sutil nisso seja que os fantoches dela são em referência a Bakugon, de Ultraman Tiga. Travis ganha sua sequência própria de Henshin e temos toda a apresentação mais óbvia do método que o jogo está tentando usar e funciona bem demais, mesmo que seja deixado de lado ou bem minimizado.  Não é algo muito forte tematicamente, principalmente se a gente considerar que todo o lance do Fu com heroísmo foi quase que inteiramente cortado do jogo. Mas não deixa de ser um modo válido e único de contar a história que até junta com outras coisas como eventos de wrestling. O que mais dá para extrair da relação de tema e tokusatsu, é todo o contraponto que Travis tem com Fu, Daemon e Henry em relação aos seus gostos pessoais. Mas isso merece um foco próprio.


Kill The Life

Se tem um momento durante o jogo todo que No More Heroes 3 não causou nenhuma polêmica entre os fãs, é a luta contra Henry Cooldown, o irmão de Travis e paródia de Vergil (assim como nosso protagonista é do Dante). Não por conta dele ser um personagem icônico com uma das melhores lutas finais de chefe voltando, mas por causa que onde fica mais evidente que Suda51 ainda tem todo o espírito punk que ele teve quando escreveu The Silver Case lá em 99. E até fica engraçado se parar para pensar que chamaram Takashi Miyamoto (principal desenhista de vários Kill The Past) para desenhar a mais nova versão de Henry. E dando uma breve contextualizada, em Travis Strikes Again é revelado que nesse tempo que Travis se isolou de tudo, Henry acabou assistindo o primeiro filme do Thor feito pela Disney e enquanto ele assistia por algum motivo o filme fez ele enlouquecer, criando uma ceita de "cavaleiros" com inúmeros clones dele mesmo e decidiu matar seu irmão mais novo por causa do confronto entre Thor e Loki. É um jeito meio estranho de explicar por que voltar uma rivalidade entre os dois irmãos? Definitivamente, mas conforme o texto isso vai fazer mais sentido. Enfim, Henry nunca teve um mistério exatamente sobre a sua aparição nesse jogo, seja com a explicação em Travis Strikes Again ou até ter aparecido no marketing do jogo. O que ninguém esperava é que ele seria quem traria a tona o momento do jogo que você olha e fala Kill The Past (Parade em Silver Case, Smile em Killer7, Electride em 25th Ward, etc). Sua introdução mesmo antes de sequer aparecer fisicamente é ótima, deixando uma neblina muito forte no jogo todo e até atrapalhando o podcast entre Travis e Bishop só por causa do senso de New Type ativando (uma referência a Mobile Suit Gundam 79 que acaba justificando algumas habilidades do Travis). Mas não foi a atmosfera pesada que me deixou com uma sensação esquisita enquanto jogava e sim o modo de como a Grasshoper pegou uma proposta que parece apenas fanservice bobo no papel e conseguiu subverter isso para algo além.


Henry chegou obcecado com o passado e com as memórias perturbadas ao ponto que agora temos três versões diferentes para infância de Travis e seus irmãos, todas se contradizendo sem nenhuma evidência de qual deveríamos considerar mais a sério. Talvez isso seja temático para mostrar como Travis conseguiu chegar em um outro ponto com seus problemas de vida que simplesmente não importa mais a origem deles ou algo do tipo, mas fica para debate. O importante é que Henry representa o passado que sempre volta e os problemas junto a isso e tem até uma camada nova no personagem dele por conta disso. O seu terceiro olho o fez criar uma raiva enorme de Travis já que seu choro quando era criança e comportamento sempre ressoa na sua cabeça junto do que viu em Thor, ele deixou de ser apenas uma paródia do Vergil e só virou um louco interessante de ver em cena. O confronto deles não é mais só eles entrando no trem da vida que Travis escolheu mas sim uma tentativa de finalizar algo, de matar a vida mesmo (essa frase só vai fazer sentido para quem tiver jogado os outros jogos da Grasshoper). Henry agora totalmente dentro de uma fantasia do cavaleiro sagrado (colocando até um nome para seus sabres), matando Travis tira tudo o que restava de humanidade dele e a vida, basicamente. E para o protagonista, matar seu irmão é se livrar desse vagão que sempre está atrás dele e mostrar por definitivo que o antigo Travis que era só um otaku punheteiro que não conseguia levar quase nada a sério, morreu. É o clichê do passado contra o futuro, mas de jeito bem usado. Toda a sensação de desconforto, a finalização de Henry e o que acontece depois da luta são ótimos. Junto da luta contra Fu e Midorikawa é facilmente o melhor chefe do jogo e um dos ápice recentes da Grasshoper. Mas o que vendeu esse capítulo para mim foi a sequência envolvendo Deathman e poder zerá-lo.


A sequência inicial com Deathman ainda é uma das coisas mais fofas e relataveis que vi sobre a experiência de jogar.


A primeira coisa que aparece quando você abre No More Heroes 3 é Travis falando sobre um jogo perdido da infância dele: Deathman, um beat'up bem padrão, mas que por algum motivo ele só achava legal demais e ninguém na escola dele sequer tinha ouvido falar. Na história, aliens invadiram o planeta e estão torturando a humanidade até a morte e um homem mascarado chamado Deathman aparece para acabar com isso e existe todo um mistério sobre como ele é por baixo da máscara e o final. Mas Travis não consegue lembrar direito e está esperando o remake para rejogar, o que é um início bem legal e pessoal, mas acaba ganhando um valor muito grande pós a luta do Henry. Sem muito contexto ou chance de spoiler, Travis tem a cabeça decepada e acorda no mundo dos vídeos games com Deathman que o manda ir embora e quando ele acorda, é possível finalmente jogar e zerar. O estranho que para quem consegue derrotar o chefão final, acaba vendo o final mais seco e sem cerimônia possível? O que era normal para época, mas no caso de Deathman soa como se o jogo não tivesse acabado de verdade. Procurando no YouTube para ver se não tinha feito nada de errado, descobri que tem gente até hoje tentando finalizar Deathman com alguns desafios meio bobos (sempre bater os recordes, coletar todos os diamantes) mas aí eu saquei tudo. Deathman é só um jeito de explicar boa parte dos conflitos envolvendo No More Heroes do jeito mais explícito possível.


Deathman no final morre, não descobrimos quem é ele, os personagens que aparecem e sequer temos diálogo, só somos jogados direto para mais uma run no jogo. E é basicamente o que sempre aconteceu com Travis e o que faz a luta contra Henry ser significativa. Não em um senso de meta de representar Suda tentando se afastar do capitalismo, mas sim a questão de matar a vida. O jogador, assim como Travis não vai aceitar o que Henry quer e que aquele seja o final de Deathman. Mas independente, isso acaba sendo um ciclo muito difícil de fugir. Seja por questões de mercado ou por questões pessoais e o que importa no fim das contas é tentar. Mas por que um final tão seco? A gente e muito menos o Travis tem uma resposta para isso. A sensação que fica após derrotar Henry é zerar o minigame é de uma reflexão sobre esse ciclo que começou em No More Heroes 1 e serve de base muito boa para o conflito final entre Travis e Fu, já que toda questão de como vivemos a vida e o passado está bem presente. Mas o que provavelmente mais sinto de diferença em relação aos fãs da Grasshoper, é sobre onde a essência de No More Heroes 3 pode ser achada.


Kill The Past

No More Heroes para mim sempre foi sobre a nossa relação com arte e como lidamos com ela, pelo menos como semântica. Travis era alguém que se isolou totalmente em uma fantasia otaku e que se dizia um samurai mas sem nunca realmente pensar no que o Bushido ou o que ele consumia dizia. É basicamente o equivalente do fã de Ultraman que é xenofobico ou de X-men sendo preconceituoso de qualquer jeito, mas não tão extremo. É só que Travis vivia com o cérebro desligado quando assistia qualquer coisa, quando Andrei Ulmeyda em Killer7 fala sobre as pessoas iludidas que se masturbam sete vezes por dia sem conseguir enxergar nada real, Travis durante o começo de No More Heroes com toda certeza se encaixa aí. A única relação que ele tinha com alguém era basicamente Bishop, mas não sabemos tanto sobre como ela funcionava. Apenas que Travis tinha como meta conseguir pegar Slyvia e aos poucos foi começando a levar tudo mais a sério. E após Travis Strikes Again levar isso pro lado mais pessoal possível, No More Heroes 3 como conclusão temática disso decide mostrar um jeito que o indivíduo, mesmo com seus gostos estranhos, sendo apenas ele mesmo pode ser alguém saudável, pelo menos no âmbito de relacionamentos. Os paralelos entre o podcast de Travis e Bishop sobre os filmes do diretor Takashi Miike com Fu tentando se relacionar pode ser só um jeito de aprofundar no tema de toxicidade, mas acaba ficando a sensação que é mais uma ponte que conecta ambos. Fu tem interesse bem grande em mídia americana e experimentar a japonesa, principalmente a culinária, o que acaba sendo o ponto onde a maioria das pessoas estão interessadas. Mas Travis cita todo tipo de coisa estranha que é um dos motivos de ninguém querer se relacionar comigo. Falando assim soa como se fosse Suda dizendo que quem gosta de mainstream é tóxico enquanto os amantes de underground são todas pessoas boas, mas calma lá que tá longe de ser isso.


Existe um certo estigma sobre pessoas que consomem conteúdo muito nichado, seja tentar se sentir superior, ser um babaca e por ai vai. É como a sociedade funciona, toda uma base de classes e rótulos conforme elas. Mas o que No More Heroes 3 tenta fazer em uma comunidade que já é nichada é que seus gostos não importam muita coisa, qualquer um consegue ser uma pessoa boa ou pelo menos ser considerado um bom amigo. Independente da idade de Travis e dos seus gostos, ele finalmente conseguiu um grupo de amigos que gosta dele o suficiente para sempre conseguir assistir o que quiser com eles de modo confortável. É sempre muito reconfortante ver o elenco interagindo e mesmo quando aparece alguém que não gosta do estilo que Travis e Bishop amam, eles são super respeitosos e tentam procurar algo que vai agradar ou assistir o que o outro gosta, como é no caso de Kamui. É uma troca de afeto muito honesta pelo simples ato de falar sobre gostos e refletir sobre eles. Uma das diferenças principais de Travis nos seus 40 anos e durante seus 20, é que coisas como falar moe para uma parede de Mahou Shoujo não é mais algo que ele faz. Travis ainda pode gostar do mesmo jeito, mas agora ele prefere muito mais entrar em discussões cabeças com Bishop sobre a direção de Miike, como ele aborda os temas dos seus filmes e coisa do tipo. Enquanto Fu por outro lado não consegue respeitar ninguém ou ter um relacionamento que seja saudável ao ponto de ter uma troca mais significativa do que comprar um lanche quando sai junto. Soa bobo mas é extremamente efetivo e a experiência ficou melhor por ter ido atrás dos filmes para entrar de cabeça na conversa. É honesto ao ponto que acho provável de só terem sido conversas transcritas entre Suda e Ooka ou qualquer outra pessoa da Grasshoper com umas pitadas de caracterização.

Acaba sendo que no fim das contas, essa é a real forma de Travis matar seu passado, sendo só um ser humano melhor e mantendo quem ele é. Seus problemas envolvendo sua infância e o que fez como assassino são importantes, mas as vezes esses conflitos não precisam ditar como nosso jeito funciona. Claro, o que passamos enquanto temos que lidar com isso claramente vão mudando nosso jeito pouco a pouco ou até de maneira brusca, mas no fim dá para aproveitar a vida de jeito melhor e mais honesto consigo mesmo após isso. Como já disse antes, matar o passado não é para ser algo tão pretensioso ou edgy como a frase pode implicar, mas sim tentar ser melhor com você, se cuidar e ainda ser quem você é, por isso toda vez que Suda tenta deixar isso claro nos seus jogos acaba sendo tão significativo. Travis depois de tudo o que passou ainda é um otaku que gosta de ofender qualquer um que enfrenta, mesmo quase se classificando como um mestre veterano nesse ponto da história. O que importa é que agora ele deixou de ser um punheteiro que se isolava e não respeitava nada e agora é só um cara esquisito gente boa. A luta contra Henry e o boss final é só a confirmação disso, mais do que o jogo falando na sua cara na luta contra Midorikawa que no fim das contas Travis é um bom sujeito. No More Heroes 3 ser sobre relações considerando isso faz sentido também, Fu sendo um Travis de No More Heroes 1 bem mais escroto e ele agora mais velho resolvendo se encaixa bem demais. Ele matou o passado dele de diversas formas, mas a mais significativa para mim acaba sendo só como ele trata as pessoas e seu gosto atualmente, principalmente por ser algo que almejo conseguir (mais a questão de ter uma vida social ok mantendo esse meu lado). Mas vamos concluir tudo agora.


Vídeo games são maravilhosos e mesmo um jogo com uns problemas que incomodam bastante e potencial desperdiçado graças a pandemia consegue ser muito bom, existe um carinho e tentativa de esforço com o jogo que não dá pra ignorar. De resto, é o mesmo de sempre: tentam dar chance para jogo esquisito ou fora da esfera de AAA mega realista Sony 4k remake para ver se acham uma experiência significativa, como Like a Dragon e Kill The Past foram para mim, por exemplo.

Editado por Maya Souza

 

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1 Comment


Ikari碇
Ikari碇
Nov 03, 2022

Excelente texto sobre a relação do Suda51 com outras obras e como ele unifica isso mais ainda em NMH3. Além de ser bom também ter um Suda mais próximo do Kill The Past do que das últimas histórias que ele fez assim mostrando que quando ele tem vontade de criar algo com outras referências e voltando as raízes ele consegue acertar

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