De Parakacuk a TROUBLEMAKER - Raise your gang! — Artigo | Crítica | Gamer Paciente
- Felipe Lins
- há 2 minutos
- 5 min de leitura

Softpower é um termo que vem da teoria das relações internacionais e se refere a uma forma de poder de uma nação que exerce sua influência não por coerção ou força militar, mas por sua cultura e economia. Como um país em desenvolvimento, sabemos como ninguém o que é consumir os valores culturais e estar à mercê da Economia estadunidense quando falamos de entretenimento tais quais nossos queridos…videogames.
Não é também estranho para nós enxergar como o Japão exerce seu softpower por meio desse meio, com jogos que consumimos desde a década de 80 do século passado, bem como animações e quadrinhos nipônicos que se tornaram fenômeno mundial.
E assim como nós brasileiros, outros países também são influenciados por essa cultura, pois crescem jogando e assistindo conteúdo criado em solo nipônico e assim moldam não só o repertório de mecânicas e temáticas, mas também detalhes mais técnicos como cinematografia, fotografia e acima de tudo: referências.

Criado em 2014, o time indonésio de jovens desenvolvedores começou no Ensino Médio e em 2020 se firmaram como um estúdio com a missão de levar para o mundo os produtos da indústria local indonésia. Após lançar dois jogos, A Day Without Me e Babol the Walking Box, a equipe inicia um novo projeto mais ambicioso: Troublemaker.
Troublemaker é um jogo da equipe anteriormente batizado de Parakacuk: Raise your gang. O promissor título independente apresenta a proposta de um jogo de porradaria em ambiente escolar, buscando inspirações em jogos como Yakuza, God Hand e Bully, adotando uma narrativa totalmente inspirada no estilo de RPGs e Visual Novels japonesas, mas mantendo toda a sua ambientação em uma cidade típica indonésia.
É até sobrepujante como essa salada de culturas e referências se mistura para criar uma experiência com toda certeza ímpar, ainda que recheada de limitações orçamentárias e até mesmo técnicas, por parte da equipe envolvida.
muito amor, porém muitos problemas técnicos
Troublemaker utiliza um motor gráfico com gameplay majoritariamente 3D, a Unreal 4, optando por modelos e texturas mais puxadas pro realismo, o que possui uma enorme inconsistência de qualidade. As texturas de baixa resolução com aspecto fosco aplicadas aos modelos 3D dão uma falsa e breve sensação de gráficos de alta qualidade, mas em movimento eles se comportam de maneira sobrenatural e borradas, além do aspecto de “lavadas”.

Em alguns momentos a animação é muito bem feita e se comporta de maneira realista, mas em outros a colisão traz uma sensação de mal acabamento muito forte, com partes dos corpos atravessando outros objetos, o que não é exatamente um grande problema. Mas às vezes os controles também não respondem bem aos comandos, com um certo atraso para que as animações de ataque e contra-ataque sejam executadas, prejudicando o tempo de reação e afetando o gameplay.
Pra acrescentar ainda mais ao estranhamento, os diálogos são travados com modelos 3D realistas ao fundo e retratos 2D desenhados à mão na frente, mas com uma direção de arte completamente diferente, criando um contraste muito forte. Adotou-se não só para os diálogos mas também para as cutscenes a direção de arte típica de animes e mangás, com todos os traços característicos desse estilo. Essa decisão cria uma dissonância perene entre cutscenes e gameplay, já que a discrepância do realismo e do anime é muito forte, e no meu caso ela se manteve por quase toda a extensão do jogo.
Talvez tivesse sido melhor optar por uma direção 3D com uso de toon shading, mas é provável que por questões orçamentárias a equipe tenha optado pelo que tinha de mais prático à mão.

O design do jogo como um todo é bem linear e objetivo, o que pra mim é um ponto positivo, mas pode incomodar jogadores que detestam paredes invisíveis e preferem espaços mais abertos. A estrutura é bem pautada em ir do ponto A ao ponto B, iniciar uma cena e avançar a história. Entre as cenas e durante a locomoção há a possibilidade de acontecerem encontros com outras gangues de alunos. O jogador vai acumulando dinheiro que pode usar para comprar itens e melhorias de combate, como aumentos de atributos e novos golpes especiais.
Troublemaker capricha mesmo no seu roteiro. Puxando a temática de brigas de alunos adolescentes no colégio, a trama segue o personagem Budi, que vive com sua mãe e padrasto e costuma se envolver em confusão por não aceitar desaforo ou bullying de outras pessoas, partindo pra porrada. Este comportamento faz com que sua mãe tenha de buscá-lo em delegacias de polícia com certa frequência, fato que lhe traz imensa infelicidade e aborrecimento.
Enquanto desenvolve a trama principal, o roteiro apresenta os personagens coadjuvantes que formam o grupo de novos amigos de Budi, seus colegas de turma e seu interesse amoroso, algo que não é exatamente novidade nas histórias de animes e mangás com essa temática, mas que aqui adquire uma tonalidade diferente por envolver alguns elementos da cultura indonésia.
É válido destacar como o roteiro é conduzido com uma série de clichês e referências a obras japonesas, como Jojo’s Bizarre Adventure, por exemplo, detalhes que só quem consome esse tipo de conteúdo poderá perceber e desfrutar. Esse recurso infelizmente traz o perigo de alienar jogadores que não possuam as referências. Mas isso é uma escolha consciente artística, e valoriza de certa forma a obra.


Troublemaker é, apesar dos problemas, um título que inegavelmente transparece um aspecto artesanal e apaixonado. É nítido ver no jogo como os desenvolvedores tiveram o carinho de desenvolver um roteiro redondinho, mesmo com a qualidade das ilustrações inconsistente, com traços e arte-finalização amadoras, e um gameplay igualmente inconsistente, com falhas de registro de comandos e atraso nas animações.
Ele é a prova de que não é preciso ser um profissional extremamente habilidoso pra construir um projeto completo, e o resultado final ganha muito mais corpo do que aparenta por uma análise fria e técnica quando você percebe essas nuances.
É um jogo com alma, que você sente que pessoas comuns e verdadeiras sentaram para idealizar, discutir, planejar e executar, sem se preocupar se estaria bom o suficiente para o mercado, mas fazendo o melhor que puderam, com dedicação e esmero. E produzindo, no melhor estilo, arte.
Redigido por Felipe Lins e editado por Maya Souza
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