Asleep: horror brasileiro de qualidade — Análise | Crítica
- Max Fernandes
- há 19 minutos
- 5 min de leitura

Meu primeiro contato com o Asleep foi no Festival Jogatório. Embora não tenha testado porque haviam muitos jogos e eu não acredito que um evento é um bom lugar de se jogar horror ou narrativas, coloquei o primeiro capítulo na wishlist e em poucas semanas já estava testando.
É um jogo curioso. Muitas comparações podem ser tecidas entre ele e clássicos como Resident Evil, mas minha associação mais imediata é com jogos da Red Candle. Não apenas pela perspectiva sidescroller dele — que imediatamente levou a minha mente de volta às dependências escolares onde Detention se passava —, mas aos signos típicos de qualquer casa brasileira evocados pela narrativa o tempo todo.
Embora em alguns momentos pareça que os diálogos querem muito que você veja essa história como brazuca, eu sinto isso está nas pequenas coisas, e não em uma grande narrativa. Você já passou pela praça em outros momentos de sua vida. Você já comeu um cuscuz com sua tia num fim de tarde. Você já entrou na sua escola e pensou que aquele lugar parecia amaldiçoado.
E, de fato, a escola de Asleep é um espaço digno de um survival horror por excelência. Não apenas pelos monstros (e, aliás, que ideia genial de popular seu mundo com um monstro que não te deixa ficar parado e um monstro que não te deixa se mover, uma dinâmica que te obriga a se virar do jeito que dá para se proteger dos dois ao mesmo tempo), mas pela familiaridade.

As salas coloridas que te transportam para a pré-escola na hora, os trabalhos das crianças expostos nas paredes e mesas, as salas da bagunça que tanto frequentei (digamos que passava muito tempo conversando com as tias da limpeza, muito mais legais que as outras crianças). E, junto com essa familiaridade, vem uma sensação de que esse ambiente ainda é frequentado, ainda é vivo, e coisas reais do ambiente escolar acontecem ali também…
Não é muito difícil entender que o Ato Um é uma narrativa de bullying, basta observar os desenhos e notas que coletamos a cada encontro com a Criança. As mecânicas também são preparadas sob medida pra te levar a essa conclusão. Para se proteger dos monstros — que podem ser interpretados como as outras crianças e adolescentes que atazanam a vida da pobre menina —, Ana Lúcia, nossa protagonista saída diretamente de um clipe do CPM22, se enfia em armários. Ao menos lá dentro eles a deixam em paz.
Asleep é um jogo que se passa inteiramente no mundo onírico. O mundo que exploramos é, justamente, o que se passa em sua cabeça, já que, para voltar ao game, é necessário olhar no espelho e, logo em seguida, deitar-se de novo em sua cama. Nunca podemos sair de sua casa, o que me faz pensar que essa é uma história de agorafobia.
Inclusive, mesmo que ainda não tenha acontecido uma revelação para causar choque no espectador, é bem provável que a criança que somos incumbidos de levar para casa no começo da história seja a própria Ana Lúcia, a protagonista do jogo. E isso me leva a conclusão sobre qual o tema do primeiro ato: vocês já ouviram a frase “quando crescemos, nos tornamos o adulto que precisávamos quando crianças”? Pois é. Asleep é sobre o aquele que deveria ter nos protegido observando as monstruosidades de seu passado sob a ótica da vida adulta. As conversas com o pescador no final de cada um dos atos comprovam essa ideia.

O segundo ato, por sua vez, se torna uma experiência diferente, mais ambiciosa, mais longa, querendo dizer mais coisas e se afastando levemente do cenário da primeira parte, nos levando a um novo processo. Talvez um processo de terapia, daquelas que cavam nos espaços mais profundos para tentar acabar com o pesadelo que é a mente de Ana Lúcia.
De qualquer maneira, quando a segunda parte começa, tudo parece mais simples. A vila em que a primeira metade desse capítulo se passa é pacata, idílica e remonta a infância, tanto pela parte da Analu quanto pela minha própria. Não é muito difícil jogar esse capítulo e não reconhecer minha rua em Santa Isabel ou os lugares que passava quando visitávamos algum parente que vivia há uns 10km adentro das estradas do meu bairro.
E, de fato, explorar as vielas daquele pequeno ambiente, mas o espaço mais “povoado até agora – , interagindo com vários personagens é prazeroso. Embora o período seja curto, você consegue sentir que Analu está se acostumando. O jogo se torna praticamente um adventure point-and-click por um instante, te permitindo realizar pequenas atividades e puzzles para produzir algum item. Contudo, logo se vê que essa tranquilidade não vai durar.
A sessão noturna da vila se tornou, sem dúvida alguma, o meu momento preferido do jogo inteiro. Tudo é muito marcante, seja a sequência do milharal que utiliza de uma mecânica nova do segundo ato que eu gosto de chamar de “droga, estou em Lost Woods de novo”, seja os inevitáveis confrontos contra as cabras, que já são o meu inimigo favorito de videogame em 2025 (sério, essas desgraçadas se levantam e te batem quando você não está olhando, que tipo de monstro pensaria nesse inimigo?).

Sem contar que, se o primeiro capítulo é sobre bullying, acredito que o segundo capítulo seja sobre as memórias traumáticas de Analu sendo revividas através de seus pesadelos. Embora Asleep continue a nunca explicar o que está acontecendo para o jogador, você consegue assumir muitas coisas pelas entrelinhas do texto. O espaço bucólico do interior, durante a noite, se torna inóspito. Mais do que isso, não passamos muito tempo ali, pois logo o trauma da protagonista ganha forma e o cenário muda para um hospital, de volta na cidade.
Nesse hospital, foi possível notar uma grande melhora com relação ao primeiro jogo: os inimigos. Ainda que eu goste deles no primeiro ato, o meu comportamento era apenas o de correr pelas telas até o lugar desejado, pois os inimigos não reagiam a tempo para me acertar. Tente fazer isso com as mariposas explosivas e morra várias vezes, isso sem contar nas criaturas no teto, que também tem um tempo de reação maior e, acima disso, estão sempre te perseguindo quando você entra no seu espaço. Uma sessão específica que necessitava destrancar uma porta com um grampo foi um pesadelo por conta dessas criaturas.
Entretanto, nem tudo nessa fase perfeito: Asleep é um jogo que evoca para si a comparação com Silent Hill a todo momento, mas acredito que a estrutura clássica de subverter o espaço quando a exploração se completa já se tornou um tanto cansativa em jogos de horror a essa altura. O jogo da Black Hole Games faz isso pela terceira vez em sequência. Em nenhum momento digo que é ruim, os momentos finais do ato 2 são memoráveis, mas acredito que talvez se desviar da e subverter a fórmula seria um caminho mais interessante para o terceiro ato.
Isso sem contar no meu maior problema com a narrativa do jogo: os diálogos. Asleep parece querer contar uma história, mas as conversas me parecem estranhamente caricaturais em sua forma, de maneira a não parecer diálogos reais. A dublagem também parece um tanto deslocada, mas mesmo assim, não consigo criticar exatamente esses problemas pois... bom, se esse jogo se inspira tanto em Silent Hill, os diálogos da cidade em névoa são desse mesmo jeitinho.
De qualquer forma, não consigo encerrar esse texto como gostaria. Asleep ainda precisa se desenvolver mais. Eu estou interessadíssimo na parte final desse jogo, que figura sem dúvida alguma dentre os meus jogos brasileiros favoritos de 2025. Isso que não falei das fitas cassete, que mereciam todo um segundo texto para tal. Nos vemos no lançamento final.
Agradecemos a CriticalLeap pelo envio de uma chave de Asleep para análise.
Redigido por Max Fernandes, editado por Maya Souza
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