top of page

Em seu canto do cisne, Prince of Persia leva um tiro a queima roupa. A Ubi não poupa ninguém — Gamer Paciente | Artigo | Análise

Reprodução: Ubisoft
Reprodução: Ubisoft

Ah, bicho, é difícil falar de Prince of Persia sem ficar um pouco emotivo e nostálgico. E triste também.


Eu conheci a franquia em 1995, quando meu tio me deu de presente o cartucho de Master System do primeiro jogo de 1991. Eu lembro que era bem difícil, e a falta de save tornava a experiência bem amarga pra uma criança de 10 anos. A experiência foi marcante, mas não o suficiente para me fazer interessar pelas sequências diretas e ports dessa era, tampouco pelo Prince of Persia 3D de 1999, que basicamente era um exclusivo de PC, apesar de ter lançado também para Dreamcast.

 

Algo naquelas plataformas me encantaram, apesar de achar o jogo muito difícil e um tanto assustador quando criança (quando o Prince passa no espelho e surge um clone dele, eu morria de medo do clone que roubava minhas poções). A falta de um mapa também tornava tudo muito mais exigente em matéria de memorização, e eu não era bem o tipo de jogador que fazia anotações ou tinha paciência de desenhar um mapa, essas sacadas só vieram bem depois.


Reprodução: Ubisoft
Reprodução: Ubisoft

Quando conheci então o primeiro jogo da saga das areias do tempo, The Sands of Time, eu de fato me apaixonei pela franquia. A movimentação era deliciosa, e os desafios análogos ao parkour de escalada e travessia de ruínas e palácios me faziam recordar das brincadeiras que eu fazia sozinho quando criança de atravessar a casa sem pisar no chão, usando móveis e paredes. Algo que na época não tinha um nome específico, mas que hoje as crianças brincam com o nome de “O chão é lava”, por influência da cultura online.


Sujei muito as paredes de casa brincando de Prince of Persia
Sujei muito as paredes de casa brincando de Prince of Persia

O tempo foi passando - quem diria, o tempo e suas areias - e após a trilogia composta por The Sands of Time, The Warrior Within e The Two Thrones encerrar eu conheci o belíssimo e cheio de personalidade Prince of Persia (2008), uma espécie de reboot da franquia. No começo eu confesso que embarquei em um sentimento coletivo do jogo ser fraco por ser “muito fácil” ou por quase que literalmente, “te segurar demais na mão”, porque de fato era um jogo impossível de morrer.

 

Prince e Elika, nunca (mais) critiquei. Reprodução: Ubisoft
Prince e Elika, nunca (mais) critiquei. Reprodução: Ubisoft

Mas eu fui ganhando mais conhecimento e personalidade em matéria de game design e se outrora detratei, hoje elogio com muita facilidade o design elegante de falha do Prince de 2008. Com quase nenhuma perda de tempo útil fazendo carregamento de save, o jogo te salvava de certas mortes com a parceira do príncipe o resgatando e puxando de volta para último checkpoint.

 

Uma falha durante um combate com um chefe gerava um clarão que preenchia a barra de vida de ambos o príncipe e o boss instantaneamente, também economizando tempo de carregamento. Lógico, não ter cargas para esse resgate como havia na trilogia das areias trazia uma sensação real de mais fácil, afinal os efeitos da punição eram menos severos.


Olhando para trás é realmente interessante ver que o público não recebeu isso tão bem pois embarcou no discurso do "hand-holding” excessivo, quando na real, ele apenas aliviava o refazimento de seções de plataforma ou combate quando o jogador falhava. Em última instância, lhe poupava retrabalho, o que não foi apreciado pela crítica e pelos jogadores, talvez pelo público hardcore ter muito apreço por esse tipo de punibilidade. Enfim, feridas do tempo que marcaram o zeitgeist do final da década.


Reprodução: Ubisoft
Reprodução: Ubisoft

Nesse mesmo ano também joguei o charmoso The Fallen King, para Nintendo DS, que trazia um visual mais fofinho para o príncipe, buscando apelar para o público do portátil da Nintendo que contava com uma parcela infantil e feminina considerável, segundo o crivo da própria Ubisoft.

 

Após 2008, a franquia ficou dormente em favor de uma espécie de sucessor espiritual que nasceu de um protótipo chamado “Prince of Persia: Assassin”. Assassin’s Creed não era uma evolução de Prince of Persia, mas carregava consigo muitas lições e muitos conceitos já testados e aprovados.

 

Em 2010 ainda saiu o Forgotten Sands, mas que, mais uma vez por ironia do jogo de palavras, sinto que ficou esquecido no tempo. Eu mesmo nunca parei pra jogá-lo, pois na época estava concluindo a faculdade, estudando pra concurso e com o tempo mais escasso para os videogames.

 

Focada em Assassin’s Creed, a Ubisoft levou mais de uma década, 14 anos, pra ser mais preciso, para anunciar um novo jogo da franquia. E imensa foi minha surpresa ao descobrir que Prince of Persia: The Lost Crown seria um metroidvania, um dos meus gêneros favoritos.


Reprodução: Ubisoft
Reprodução: Ubisoft

Lançado em 2024, infelizmente segui minhas políticas pessoais e não o comprei nos primeiros momentos. Preço caro, algo padrão da indústria AAA, o que me afasta imediatamente de lançamentos. Aguardei, e na sua primeira promoção de 50% o comprei, mesmo a contragosto por conta das políticas da Ubisoft em relação ao PC (necessidade de conexão com a Ubisoft Connect, excluindo seus títulos do Family Share da Steam).

 

Apesar dos pesares, The Lost Crown é um jogo que me passa uma sensação de resgate e auto-homenagem. É a mesma de quando Zelda resolveu resgatar suas origens de mundo aberto do primeiro título para NES e assim se renovar com Breath of the Wild. The Lost Crown resgata seu passado inaugural com um jogo de plataforma sidescroller, enquanto traz o resultado de mais de 30 anos de história em seu DNA.

 

Reprodução: KONAMI
Reprodução: KONAMI

O design de forma geral segue a fórmula mais básica de metroidvania e não há aqui nenhuma grande inovação. Setores com locais inacessíveis que no futuro se tornarão exploráveis com o ganho de novas habilidades é a maior marca de um jogo do gênero. O ir e vir não-linear que nos faz retornar diversas vezes ao mesmo lugar nos vai trazendo um senso de familiaridade gostosa que com o tempo nos faz lembrar e sentir falta daquele ambiente.

 

Symphony of the Night foi uma das minhas primeiras experiências, se não a primeira, que me cativou com esse tipo de design, e desde então eu sou um fã ávido do estilo. Se tinha uma decisão certeira para me fisgar, essa decisão seria justamente unir metroidvania com Prince of Persia. Não havia necessidade alguma de fazer algo revolucionário, inclusive, essa mera combinação me era suficiente.

 

Mas The Lost Crown tem mais uma porção de qualidades, superando minhas expectativas. Inicialmente destaco que na mesma linha de design que fez com que a MercurySteam Entertainment adicionasse um parry ao remake de Metroid 2, o Samus Returns de 2017, o time da Ubisoft Montpellier incorporou ao modelo base de metroidvania o mesmo tipo de mecanismo nessa iteração da franquia.


Reprodução: Nintendo
Reprodução: Nintendo

Essa mecânica de alto risco e alta recompensa faz jus à sua adição e enriquece a experiência tremendamente. De forma basilar, o sistema de combate inclui três tipos de golpe diferentes, dois dos quais são aparáveis ou esquiváveis, e um avermelhado que é indefensável e quebra o parry, devendo ser obrigatoriamente esquivado. Essa dinâmica tanto nos encontros menores como nas lutas contra chefes exige que o jogador observe, aprenda e reaja de acordo com cada ataque, o premiando com o desenvolvimento real de uma habilidade manual básica explorada desde o berço dos videogames de ação, e que aqui e acolá a comunidade gamer parece querer atribuir como mérito recente dos soulslike. Mas eu já estou divagando.

 

No aspecto visual, The Lost Crown não faz bonito, se amostra como AAA que é. Amostrado aqui no Ceará é equivalente a “exibido”, um termo ligeiramente pejorativo, mas que aqui faço uso com aquela dose jocosa típica que transforma o termo em apenas um floreio.


Reprodução: Ubisoft
Reprodução: Ubisoft

É que eu faço questão de ressaltar e enaltecer a exuberância que a ambientação, a modelagem, a texturização, a animação e os efeitos visuais exibem aqui. Nada mais justo que amostrado e luxuoso para descrever o cenário suntuoso e faraônico em que The Lost Crown se insere e se desenvolve.


Há o tradicional esmero da Ubisoft, que acumulou ao longo de muitos anos expertise em retratar a arquitetura histórica de povos antigos, e os palácios persas da época de seu grande império se misturam com a mitologia e a grandiosidade de seus contos folclóricos.

 

Em verdade, as cutscenes, o combate com os chefes e as animações de execução são demonstrações frequentes de poderes aloprados e análogos de semideuses. Em muitos momentos, os impactos e lançamentos de corpos e objetos se aproximam dos exageros sobre-humanos típicos de animações shounen japonesas, ou mesmo filmes de super-heróis com duelos titânicos como Super-Homem e Homem-Aranha.


Se você nunca viu Bahubali, por que está perdendo tempo? Reprodução: Arka Media Works
Se você nunca viu Bahubali, por que está perdendo tempo? Reprodução: Arka Media Works

Conhecendo um pouco mais a cultura centro-asiática, em especial os filmes produzidos por Bollywood e Tollywood na Índia, é fácil compreender o quão grandiosos se tornam os embates super-humanos do imaginário cultural da região. Filmes como Bahubali, RRR, Singham, Eega, Sye Raa Narasimha Reddy e Adipurush são recomendações especiais para sentir o clima de The Lost Crown.

 

Nessa mesma linha, seguindo uma tradição da empresa, o escopo do jogo é igualmente colossal. Mesmo para um jogo sidescroller, os mapas são bem grandes e cheios de seções amplas que promovem uma locomoção sempre em alta velocidade. Isso acaba por também conferir uma longevidade de jogo que não é exatamente uma marca tradicional do gênero metroidvania, mas que vem ganhando representantes recentes como Hollow Knight e Souldiers.

 

Como um bom título de alto orçamento, e seguindo a mesma lógica que embala as composições da série, a trilha sonora é recheada de temas com instrumentos da Ásia Central/Oriente Médio. Em nenhum momento há uma fuga estilística que causem qualquer tipo de incoerência ou dissonância, mas isso não significa que ela não incorpore elementos modernos para enriquecer e mixar as faixas.


É incrível como não tem um ponto sem nó, tudo converge para uma harmonia artística que entrega uma obra incrível e épica com todas as letras. Eu me senti emocionado de estar jogando uma obra prima do gênero e acima de tudo, uma obra prima da franquia Prince of Persia.

 

Mas emotivo assim também fico quando retorno à tristeza mencionada no começo do texto porque, infelizmente, mesmo com recepção altíssima da crítica e do público, as vendas novamente não atingiram as expectativas de uma empresa que se torna cada vez mais refém dos acionistas e assim a sequência que havia sido planejada já foi cancelada, desmanchando o time e o espalhando em outros projetos.


Reprodução: Ubsioft
Reprodução: Ubsioft

A Ubisoft até iniciou e está mantendo um projeto paralelo junto ao time independente francês Evil Empire, responsável pelo sucesso indie Dead Cells, chamado The Rogue Prince of Persia. Trata-se de um charmoso roguelike de plataforma, inspirado no hit da Evil Empire, mesclando seus elementos com a franquia da Ubisoft em um novo título ainda em Early Access.


Porém, com todas as notícias espalhafatosas e escandalosas das manobras jurídicas e organizacionais que a empresa vem fazendo para "gerar mais valor" para seus acionistas, é triste demais ver uma obra como The Lost Crown permanecer como uma joia isolada, enquanto o remake de The Sands of Time ainda se arrasta como poeira no deserto, em seu infindável development hell.


É como dizem, "não se pode ter coisas boas", né?

 


Já pensou em fazer parte do no nosso grupo do Discord? Lá temos vários eventos, materiais de estudo e uma comunidade incrível esperando por você. É só clicar aqui!


Siga o Game Design Hub nas redes sociais!

 

 

bottom of page