Do Nome da Rosa a Clair Obscur: Expedition 33 — Uma breve introdução a semiótica
- Vil D. Aprato
- há 10 minutos
- 4 min de leitura
O texto a seguir trará spoilers do fim do Ato 2 e do Ato 3 de Clair Obscur: Expedition 33, caso você se importe com revelações da história, leia somente após concluir, caso contrário, sinta-se a vontade para ler.

Quando falamos em Clair Obscur: Expedition 33, o próprio título nos dá algumas palavras e um número. Por exemplo: 33 é um número que pode representar a palavra mestre, ou Maelle em francês, ou a idade de falecimento de Jesus Cristo, ou o último grau dentro da organização da maçonaria. Clair e Obscur, são palavras que remetem ao claro e ao obscuro, pode significar luz e sombra, bem e mal. Todas as palavras têm inúmeros significados. É aí que entra o termo "semiótica" e o assunto que iremos abordar nesse artigo, mas qual seria a sua definição?
“A semiótica tem muito a ver com o que quer que possa ser ASSUMIDO como signo. É signo tudo quanto possa ser assumido como um substituto significante de outra coisa qualquer. Esta outra coisa qualquer não precisa necessariamente existir, nem substituir de fato quando o signo ocupa seu lugar. Nesse sentido, a semiótica é, em princípio, a disciplina que estuda tudo quanto possa ser usado para mentir. Se algo não pode ser usado para mentir, então não pode também ser usado para dizer a verdade: de fato, não pode ser usado para dizer nada. A definição de 'teoria da mentira' poderia constituir um programa satisfatório para uma semiótica geral” (Eco, UMBERTO; Trattato di semiotica generale. Milano: Bompiani, 1975. Trad. A. de Pádua Danesi e G. de Souza. Tratado geral de semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1980.)
Em seu livro O Nome da Rosa, Umberto Eco revela no próprio título inúmeros significados que nós atribuímos a ele, e são essas diferentes camadas de significados que iremos abordar partindo de um dos conceitos básicos para se entender arte, visto que o ato de fazer arte é algo bastante abordado durante a metanarrativa de Clair Obscur. Irei mostrar o clássico triângulo semântico para ilustrar como personagens fictícios, diferente de outros objetos semióticos, estão estáticos, e até como isso está envolvido dentro da narrativa do jogo. Verso sempre estará morto, agora e até os fins do tempos, em alusão a Eco, em Confissões de Um Jovem Romancista, quando fala que Clark Kent sempre será o Superman até os fins dos tempos.
Mas os principais símbolos e seus significantes que quero abordar aqui não são referentes a personagens específicos, mas sobre como há no meu ponto de vista, três camadas narrativas dentro da história.
Figura 1 – Triângulo da Semiótica
Figura 2 – Triângulo da Semiótica aplicado a um personagem fictício.

A primeira camada se trata da história inserida para nós dentro do ato 1: Na ilha de Lumière, um monólito com o número 100 é modificado anualmente por uma artificie, que pinta um número abaixo do que era exibido anteriormente, fazendo com que aqueles que possuem essa idade ou superior sofram uma gommage — que significa esfoliação, e no jogo, a morte. A segunda camada é o mundo real (do jogo), tudo que reside fora do quadro, contendo eventos simples e pouco abordados que ocorrem ao redor. Alicia e sua família perderam Verso, o irmão mais velho, no dia 33 de dezembro de 1905. Já a terceira camada enquadra o próprio jogo como uma mensagem dura e real sobre arte e luto.
Não à toa, Maelle fala que Renoir costuma usar diferentes camadas em seu quadros.
O personagem Verso nos conta que sempre teve o desejo de ser um músico, contrariando os desejos de seus pais, ambos pintores. Após sua morte decorrida de um incêndio, suas memórias são colocadas dentro de um outro Verso que habita o quadro. Este personagem vive diferentes tipos de luto dentro desse universo fictício.
O estúdio Sandfall, responsável pelo jogo, tomou 4 anos no desenvolvimento do projeto, e a história por trás de Clair Obscur é uma metáfora também para o processo criativo de um jogo. Uma hora ele acaba, há um fim. E como é desmotivador para muitas pessoas fazer uma obra audiovisual interativa. Vale lembrar do caso de Eric Barone, que criou Stardew Valley sozinho dentro de um processo de cinco anos. Lógico, ele fez sucesso, mas quanto tempo ele sacrificou por isso, sendo sustentado pela esposa durante esse período. Há sacrifício em toda forma de arte, seja ele real ou metafórico.
No final de Maelle, o próprio Verso, aquele que controlamos, fala que não deseja essa vida para sua irmã. E mesmo com a felicidade de Maelle/Alicia, há um enorme vazio nesse mundo fictício. Não há a superação do luto. E há uma não vida de Verso, que não consegue nem praticar sua maior paixão, tocar o piano.
O final simbólico de Verso faz muito mais sentido em termos narrativos para a obra. Pois assim como um quadro sempre será um quadro, a ficção, diferente do nosso mundo real que permanece em completa mudança, segue estagnada.
Quantas vezes já não escutamos de nossos pais que seguir num caminho artístico é uma completa perda de tempo? Que devemos ter um trabalho estável, ter filhos, seguir um padrão da sociedade predisposto? Mas e quando ficarmos presos a algo que não amamos é uma completa dor?
É como no filme Eu Vi O Brilho da TV: enquanto você não aceitar a realidade, algo irá te corroer por dentro infinitamente. Foi assim com a minha vivência como pessoa trans. Foi assim para mim quando decidi desligar os aparelhos da minha mãe após a falta de melhora no quadro de um câncer terminal. Como Renoir diz, há decisões difíceis que temos que tomar.
Para mim, Clair Obscur, através da sua semiótica e de seus símbolos, nos mostra que é sim necessário aceitar a finitude. Aceitar a morte é algo extremamente necessário para que possamos seguir em frente. Mesmo que a caminhada seja um caminho consistentemente tortuoso. Compreender o luto é um sinal de aceitação da vida, por mais contraditório que isso possa ser.
É também sobre aceitar que fazer um jogo é um processo difícil e que estar nessa indústria é andar na contramão, atravessando diversas negativas para, com sorte, atingir o sucesso. É uma aposta? Com certeza. Mas se não apostarmos na nossa própria vida, no que mais vamos apostar?
Redigido por Vil D. Aprato, editado por Júlia F. Cândida
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