Deltarune - Aquilo que você foi e aquilo que você será | Análise
- Júlia F. Cândida
- 30 de jul.
- 22 min de leitura

AVISO: Se você não jogou Undertale, qualé. Qualé. Qual foi. Spoilers de Undertale, eu acho. O texto não contém spoilers graves de Deltarune, mas discute um pouco sobre personagens e temas presentes na história, com cuidado para deixar as surpresas intactas, pois eu QUERO que você o jogue, mas se não deseja ler esse tipo de coisa, volte aqui depois. MAS PROMETA QUE VAI.
30 de outubro DE 2018, Véspera de halloween

Você anda ouvindo bastante o álbum epônimo da banda Nico Vega. Tem algo nas músicas desse LP que te faz sentir mais feminina quando você está tentando descobrir como se maquiar de um jeito que te agrada. Gênero ainda é algo nebuloso na sua cabeça, mas tentar coisas novas te deixa feliz. Você abre o Twitter, anteriormente conhecido como Twitter, e vê que a conta de Toby Fox, desenvolvedor primário do queridinho indie Undertale, começa a fazer postagens crípticas indicando algo que estaria por vir na manhã do dia seguinte. Quando chega o momento, um link para download é publicado. O arquivo baixado imediatamente recebe os olhares mais nojentos vindos do seu antivírus de escolha. Também pudera, seu nome é SURVEY_PROGRAM_WINDOWS_ENGLISH.exe. Ainda por cima, se trata de um instalador cujos termos de serviço apenas dizem “VOCÊ ACEITARÁ TUDO QUE VIRÁ A PARTIR DE AGORA”.
Se fosse qualquer outra coisa, você talvez fecharia o programa temendo pela saúde do seu notebook fracote, a sua única forma de fazer trabalhos de faculdade. Mas é coisa de Undertale, então é claro que você procede. Você não sabe, mas nunca mais iria desinstalar esse programa. Um bug no desinstalador padrão dele faz com que a pasta apagada no processo seja a pasta acima de onde o software se encontra. Espero que não guarde nada importante lá.
Abrindo o .exe que foi instalado, uma tela sinistra regida por uma música fazendo sampling da trilha sonora de Mother 2. Você não sabe, mas Mother 1 se tornaria seu RPG de Nintendinho favorito mais de meia década depois. Nas primeiras telas exibidas, múltiplas escolhas são feitas. Um estilo de cabelo, um estilo de blusa, um estilo de calça. Uma forma humana é criada. Qual sua comida favorita? Qual seu tipo sanguíneo favorito? Como você se sente sobre sua criação? Com tudo respondido, pede-se o nome da criatura. Em seguida, pede-se o nome de quem a criou. Se o nome for o mesmo, uma linha extra de texto identifica a repetição. Ao final desse processo, tudo faz sentido para você: se trata de um RPG de terror criado por Toby Fox, onde você pode criar seu próprio personagem e ter horripilantes aventuras cheias de escolhas. Porém, considerando que esse é um jogo gratuito, não espere muito mais que 1h de duração. Talvez até seja uma demo do que está por vir.
Antes mesmo dessa suposição se concretizar, a música é interrompida. O jogo te informa que sua criação acaba de ser deletada. Não tem como escolher quem você é nesse mundo. Nesse mundo, seu nome é Kris.
Essas palavras são ditas, e Toriel, de Undertale, aparece num quarto de criança com duas camas, e apenas uma delas está ocupada. Ela o apressa para a escola. Ao sair da cama, o personagem controlado se parece com uma versão adolescente de Chara, da rota genocida de Undertale. No caminho da escola, Toriel menciona que seu irmão Asriel, de Undertale (!!!) está retornando da faculdade. Vemos então uma cena: a câmera virtual passa por uma linda cidadezinha pacata que remete às locações presentes em Mother 2, enquanto vemos seus habitantes vivendo suas vidas.
Todos esses moradores são personagens de Undertale. Alguns obscuros, mas eles estavam lá o tempo todo. Passamos por algumas residências, por uma igreja, pela clássica “Librarby” (de Undertale!!!!!) e chegamos em uma escola. A música introduz um pianinho melancólico tocando a melodia principal de Undertale. Agora não tem sombra de dúvida. Isso é um Undertale. Só não parece ser uma sequência, mas é um Undertale. Um beat no estilo de Undertale, que forma uma canção nova. Um Deltarune.

Eu imagino que talvez seja mais fácil falar de Deltarune quando você é outra pessoa. Quando você comprou o novo jogo do Toby Fox em 2025 e agora se depara com 4 capítulos cheio de aventuras e personagens carismáticos e uma das trilhas sonoras mais envolventes que você irá presenciar. Toda resenha, toda opinião, todo pensamento sobre uma obra de arte é afetado por onde você se encontra. Já tentou revisitar algo que te tocou muito 10 anos atrás, apenas para descobrir que seus sentimentos sobre esse jogo, filme, livro, série ou seja o que for, mudaram completamente?
Você mudou. Talvez sua visão de mundo seja diferente, talvez seus gostos sejam diferentes, talvez você tenha sido afetado por outras coisas que mudaram a forma que você vê a vida e a arte. Talvez nem seja tão dramático assim e você só envelheceu. Trocou de casa e não vive mais sempre na beira de um ataque de nervos. Transicionou o seu gênero inteiro.
Para mim e para muitos outros, Deltarune são três coisas diferentes. Três momentos diferentes. São o capítulo 1 sendo lançado de surpresa no halloween de 2018, o capítulo 2 sendo anunciado no encerramento da livestream de aniversário de 6 anos de Undertale em 2021, e os capítulos 3 & 4 lançados no mesmo dia que o Nintendo Switch 2 em 2025. Se trata de três pessoas diferentes, e considerando a proximidade com o jogo anterior, talvez quatro seja o número mais apropriado.

O que não deixa de me fascinar em Deltarune, é a forma que ele se fez presente em momentos muito importantes da minha vida. O Capítulo 1 foi lançado quando eu estava lentamente informando as pessoas ao meu redor que meu nome agora é Júlia, enquanto estava no processo de perder algumas amizades muito queridas por brigas que não as envolviam. Em retrospecto, sinto falta de apenas duas pessoas. Tinha presenteado uma delas com Undertale, inclusive. O Capítulo 2 aterrissou na minha vida num momento em que eu precisava tanto do humor e do coração presente nessa série que joguei o capítulo inteiro em uma sentada só, durante a mesma transmissão ao vivo na qual tinha jogado a primeira parte inteira. Foram 10 horas seguidas. Eu realmente estava precisando. Talvez tenha salvo minha vida, se esse feito não fosse mais apropriado de associar à uma pessoa que entrou na minha vida no começo do ano seguinte.
Então chegamos em 2025, com os capítulos 3 e 4 sendo lançados junto do resto do jogo em seu primeiro lançamento pago. Me lembro de ouvir um número não insignificante de pessoas dizendo que só iriam jogar ele após o seu lançamento completo, e sinto informar que se você é uma delas, ainda tem coisa por vir. A tela de capítulos ainda tem espaço para sete histórias. Tendo dito isso, eu acho que já passou da hora de você tentar Deltarune. Cansei de ser boazinha e paciente. O projeto já valia a pena de se acompanhar quando se tratava de um capítulozinho introdutório relativamente curto, mas com o lançamento do segundo, essa história ganhou pernas e se tornou algo que poderia até mesmo superar o jogo que começou tudo. Agora temos quatro! O que mais você quer? Você adora Undertale. Eu nunca vi alguém que realmente não gosta dele por motivos que iam além de querer ser do contra e não gostar da fanbase (não que tenha algo de errado com isso, eu sou desse jeito com todo Zelda já feito. Ys Book I & II é melhor que todos eles).

Eu quero muito te convencer a jogar Deltarune se você não tiver feito isso ainda. E quero muito falar sobre mesmo se você já jogou ele inteiro e compartilha do mesmo amor que eu tenho. Caso você se encontre num meio termo entre esses dois, eu quero falar com você sobre isso. Você não entende, leitore, eu te amo. Eu sempre te amei. E eu quero te mostrar as coisas que eu amo. Por isso que eu mencionei minha namorada alguns parágrafos atrás. Me desculpa por ter falado mal de Zelda. O que? Você é uma garota e quer me beijar? Olha,
Em comemoração ao lançamento dos novos episódios, fui atrás de alguns vídeos feitos sobre o primeiro na época de seu lançamento, em específico a resenha do NitroRad e o Let’s Play da Penny Parker do canal SnapCube, visto que são as duas coisas que eu mais me recordava de ter visto durante aqueles dias. Ambos esses são ótimas cápsulas do tempo para se perceber como foi presenciar esse projeto sem ter uma ideia de como ele seria.
Enquanto jogava, eu não fazia ideia alguma de quando essa demo iria terminar, ao ponto de que dada a sua duração de mais ou menos umas três horas, a ideia de que isso poderia muito bem NÃO ser uma demo, e o Toby Fox só lançou um jogo inteiro sem avisar ninguém antes e completamente de graça se tornava cada vez mais crível, apesar do quão maluca ela seria.
Olhando em retrospecto, o Capítulo 1 é uma boa introdução aos sistemas e ao novo setting que a história se passa, mesmo contendo alguns tropeços narrativos que provavelmente seriam menos perceptíveis se não houvesse a necessidade de dar pelo menos uma parcela de senso de conclusão, visto que já era previsto que esse projeto demoraria para ser concluído.
Talvez a Susie, a garota delinquente (e minha personagem favorita) introduzida como uma das protagonistas da história, se amoleça rápido demais ao resto do elenco considerando a sua dificuldade de se conectar emocionalmente com as pessoas, mas eu relevo isso se significa que o trio principal consegue se estabelecer como um time a tempo para a próxima aventura acontecer, mesmo sendo um pouco mais conveniente do que devia.
O antagonista principal não ser tão interessante já é menos perdoável, considerando a relativa falta de “vilões série B” que Undertale costuma ter. A parte mais interessante do King é o seu filho, Lancer, que se junta à trupe principal e se torna um personagem recorrente na história adiante, mesmo quando ele não tem relevância nenhuma. E eu super concordo com isso! Ele é adorável e um pestinha imbecil muito carismático.

Não me surpreende muito que, após tempo o bastante ter passado para as pessoas chegarem ao fim do episódio, os personagens de Deltarune já estavam recebendo um merecido carinho pela comunidade. Talvez essa seja a coisa mais forte de sua introdução: todo mundo tem um momentinho especial para demonstrar sua personalidade, o seu arco e a forma que se relaciona com o resto do grupo. Em particular, a sequência em que se cria um robô gigante é um dos pontos altos da experiência pela força da caracterização presente e pelo quão engraçada ela é.
Sobre as personagens, temos a Susie, a já mencionada encrenqueira que esconde sua angústia com abandono e medo de ser vulnerável com níveis extremos de violência (algo que me fascina ao ponto de querer escrever uma personagem lidando com essa mesma situação), Ralsei, um fofíssimo mago inocente demais para seu próprio bem que vai amadurecendo pouco a pouco durante a jornada, e Kris, uma pessoa (canonicamente) não-binária, e protagonista, que não tem emoção nenhuma em seu semblante mas que esconde um segredo horrível que fica cada vez mais cabeludo conforme a narrativa vai elaborando mais sobre.
O amor de Toby Fox por anagramas se faz presente de várias formas aqui. Como título, tem poucas coisas que transmitem melhor que essa obra utiliza elementos e personagens de Undertale para atingir um resultado diferente do que Deltarune. É forte e tem um significado distinto: Uma runa delta! O que seria uma runa delta? Misterioso! Mas o anagrama mais tematicamente forte presente está presente em Ralsei, cujo nome é formado trocando a ordem das letras de Asriel. Para chegar até ele, você não pode matar absolutamente ninguém, pois todo mundo pode ser vencido no diálogo.
É uma lição levemente imatura considerando a presença de pessoas de fato horríveis nesse mundo, mas funciona na proposta dele em ser um RPG desconstruindo certas tropes do gênero. Já em Deltarune, Ralsei, o menino inocente, tenta aplicar essa mesma lógica e acaba se deparando com a realidade dura de que tem gente que ganha muito com a miséria alheia.
Eu gosto muito dessa conexão, não apenas por ela deixar bem claro que estamos presenciando algo que, apesar de compartilhar muito de sua linguagem, é disposto a ser diferente do jogo que impulsionou a carreira de Toby Fox, mas também por acontecer com um personagem que engloba toda a mecânica de pacifismo do título anterior. Deltarune também possui um personagem chamado Asriel, mas ele ainda não deu as caras até o momento da publicação, então talvez a minha interpretação seja fortalecida ou seja descartada por outra que faz mais sentido. Não tem problema. Essa é a natureza de discutir qualquer coisa episódica.
15 de setembro DE 2021, Aniversário de 6 anos de Undertale

Você está numa casa que por décadas foi familiar para você, mas que agora parece completamente alheia à sua existência. A presença de um “vírus-que-mata-seus-neurônios-e-o-paladar” no mundo afora te confina nesse local. Você anda jogando quantidades talvez não muito saudáveis de Team Fortress 2 enquanto escuta quantidades absolutamente saudáveis do álbum Spirit Phone da banda Lemon Demon. A junção não suprime a desilusão misantrópica de se deparar com a indiferença de gente que você considerava querida à doença, mas ajuda a aliviar um pouco durante as madrugadas.
Você está acompanhando a transmissão ao vivo do aniversário de Undertale, um dos seus jogos favoritos, com a presença de Toby Fox, seu criador, e seus amigos daquela empresa que faz aqueles produtos lindos baseados nos dois jogos dele (eu menciono o nome se eles me mandarem umas pelúcias, ok). Eles estão jogando o primeiro capítulo de Deltarune, o único lançado até então. Fatos curiosos sobre a produção de ambos os títulos são compartilhados e piadinhas deliciosamente bobas são contadas.
Conforme o final da transmissão se aproxima, os anfitriões vão se despedindo, até que sobra apenas Toby, personificado por uma almofada estampada com um cachorrinho branco feito em pixel art com os créditos no fundo. Quando os nomes desaparecem, uma tela não presente no jogo original surge, com a opção “Continue to Chapter 2” (“Continuar para o Capítulo 2”) presente. O mundo poderia muito bem ter parado de girar nesse momento. Talvez até tenha. Você nunca iria perceber. Deltarune Capítulo 2 é real.
Após uma pequena demonstração do comecinho do episódio, incluindo uma bela animação de sprites para encerrar perfeitamente a revelação, uma data aparece. 17 de setembro. Depois de amanhã. 2021 seria o pior ano da sua vida por vários motivos que já eram claros para você, mas agora nada disso importa agora. Em dois dias você vai ter algo que te deixa constantemente feliz. No futuro talvez se sinta embaraçada de frasear dessa forma, mas isso talvez tenha salvado a sua vida. Com certeza se tornou sua vida por um tempo. Você ter sido diagnosticada com autismo somente depois de 26 anos de vida talvez seja o maior vacilo que a comunidade psicológica já encontrou.

Eu não mencionei isso ainda, mas devia: o design do sistema de batalhas de Deltarune é muito bom. Undertale era bem direto ao ponto: no seu turno você pode atacar fisicamente ou executar uma ação pacifista personalizada ao tipo de inimigo que você enfrenta, enquanto no turno do seu rival você controla seu coração desviando de balas que representam os ataques inimigos por um curto período de tempo. Simples e funcional, e não tem nada de errado nisso. Mas é lindo observar as iterações de Deltarune nessa mecânica.
As suas ações pacifistas estão lá, mas algumas (e todas as magias dos personagens que as usam) só podem ser realizadas quando se tem pontos de tensão acumulados, apresentados em uma barra que reseta a cada batalha. Como se ganha pontos de tensão? Simples! Você já jogou Touhou? Perfect Cherry Blossom é um bom ponto de entrada! Nos jogos da série, quando você faz com que a garota bonita que você controla passe de raspão numa bala atirada por uma outra garota bonita, você ganha pontos e em alguns deles isso contribui para uma mecânica maluca introduzida para o título em específico. Isso serve para incentivar um estilo de jogo que é um tanto assustador para iniciantes e que acaba introduzindo uma maneira bem mais prática de lidar com as inúmeras balas esteticamente agradáveis presentes na tela.
Deltarune pega essa mecânica emprestada para suas próprias sequências de bullet hell, e com isso introduz toda uma psicologia de risco e recompensa, agora que algumas ações precisam que você esteja atento à trajetória das balas e tente ficar próximo delas ao mesmo tempo que evita tomar dano. Para finalizar com chave de ouro, todos os pontos de tensão não usados são convertidos em dinheiro no final da batalha para te incentivar a acumular o máximo possível, junto da quantidade necessária.
Tudo isso já se fazia presente desde o começo do jogo, mas é relevante discutir ele nesse trecho do texto pois destaca algo que é muito legal de se observar a cada capítulo lançado: a evolução do Toby como designer, compositor e escritor. Porque o capítulo 2 é uma ÓTIMA vitrine de todas essas habilidades. Com o lançamento recente dos capítulos 3 & 4, eu ainda tenho dúvida qual deles é meu absoluto favorito, mas o segundo é uma ótima opção.

O Cyber World, locação primária do episódio, é um lugar muito carismático. Modelado com base na versão da internet que existia nos anos 2000, ela expressa muito bem o charme que existe em se explorar uma rede de conexões mundial ainda em desenvolvimento pela primeira vez, além das partes menos favoráveis da experiência, como pop-ups, spam e piscinas gigantes de ácido. A exceção disso está em Berdly, um dos colegas de sala da Kris e Susie, que recebe um pouco mais de destaque nesse capítulo. Ele é um Gamer com “G” maiúsculo: ele usa a terminologia moderna, detesta jogos de celular e não faz ideia como conversar com mulheres sem parecer um completo pateta. A Maya removeu uma piada muito boa que estava aqui com medo de ofender possíveis leitores do GDH. (Nota de editora: Ela está mentindo.)
Mesmo sendo intencionalmente escrito como um carinha bem irritante, Berdly recebe um cuidado muito bonito da história quando se trata da sua caracterização, ao ponto de me fazer simpatizar um pouco mais com ele e torcer para que ele consiga melhorar como pessoa em lançamentos futuros. Acredito que eu era um pouco como ele quando adolescente, então isso acaba contribuindo com a minha vontade de ver ele começar a tomar ciproterona e oestrogel. Tendo dito isso, se você realmente ODEIA ele, tenho boas notícias para você! Pois é nesse capítulo que a “Rota Snowgrave” é introduzida, que funciona similarmente à rota genocida de Undertale, mas com passos extras mais convolutos. Eu vou evitar discutir ela aqui pois a falta de conclusão da história torna a formação de uma interpretação dessa rota meio difícil. Esse texto já é grande o bastante.
Também passamos um tempo maior com Noelle, outra colega de sala dos protagonistas, amada por Berdly mas sem um pingo de interesse em reciprocar o sentimento (não que isso o impeça) e proprietária de uma gigantesca queda pela Susie, que é muito tapada para perceber algo. Ambos esses personagens e suas dinâmicas são partes consideráveis no meu apreço enorme por esse episódio, já que passamos um bom tempo descobrindo as múltiplas camadas de personagens que poderiam muito bem ter sido apenas definidos por sua piadinha central. Terminei o capítulo com bem mais carinho por esses dois do que antes, e olha que Noelle já era uma sáfica nervosa demais para lidar com a sua paixãozinha, o que eleva muito uma personagem no meu coração.
E adivinha? Os antagonistas são bons! Muito bons, pra falar a verdade. Eu gosto muito da Rainha e a formatação do diálogo dela nunca falha em me fazer abrir um sorriso enorme. É difícil explicar isso sem que você saiba o jeito que ela fala, mas isso é um dos ganchos que eu estou te dando pra jogar Deltarune. Lembrando que os dois primeiros capítulos são de graça em? E você pode transferir o seu save pro jogo completo! É como uma demo da Atlus exceto bem menor que 85GB. Também temos Spamton, é claro. Outro personagem cujo estilo de diálogo cutuca um tipo de comédia que eu amo muito, a do non sequitur. Eu não consigo nem olhar para um sprite dele sem lembrar do refrão do tema dele.

Falando em BIG SHOT! BE A BIG SHOT! (tosse). Desculpa. Falando em temas musicais, as habilidades do Toby Fox como compositor dispensam introdução, eu imagino. Megalovania? Bonetrousle? O tema de Sans? Se você já viu um vídeo do YouTube, você já ouviu uma delas. Deltarune já possuía sua boa porção de músicas boas nesse ponto da história (destaque para The World Revolving), mas o capítulo 2 eleva isso bastante. Já falei da faixa do Spamton, mas os temas da Rainha, da Noelle e do Berdly são deliciosos por vários motivos. A batalha com a Rainha é regida por uma música feita em colaboração com Lena Raine, compositora de Celeste! Descobrir isso foi muito empolgante. Outra colaboração que vale a pena mencionar é a da Samanthuel, também conhecida como splendidland, que é uma artista que eu já acompanhava há anos naquela época, cujo traço presente no trabalho dela aqui é inconfundível. Ela lançou o jogo Formless Star um pouco antes dos capítulos mais recentes de Deltarune terem saído, e eu preciso muito jogar ele. (Nota da autora: Joguei. Muito bom!)
O Capítulo 2 não foi apenas um ótimo capítulo, ele me deu fé que Deltarune como um todo tinha a capacidade de talvez, sim, ser melhor que Undertale. Foi a partir daí que eu comecei a encher o saco de quem não tinha jogado ele ainda. Eu queria que todo mundo sentisse o amor que eu sinto. No mesmo ano que eu observei muita gente que se dizia anti-fascista reduzindo a gravidade da COVID-19 da mesma forma que certas figuras fascistas faziam, simplesmente porque a ideia de ficar em casa e ser forçado a refletir sobre que tipo de pessoa você é soava tão insuportável para eles. Eu estava podre. Misantrópica. Sem vontade de conversar com qualquer pessoa com medo de me desapontar tão forte.
Deltarune meio que encerrou isso dentro de mim. O BIG SHOT entrava na minha cabeça e não me deixava ficar triste. Eu comecei a querer compartilhar o amor que eu sinto de maneira mais forte. Não foi a coisa que me salvou. Mas foi a coisa que me permitiu querer ser salva. Existiram coisas mais importantes para que eu não me afogasse, mas ainda assim. Eu não consigo deixar de pensar nele.
02 de abril DE 2025

Você voltou brevemente para onde estava antes do mundo ter acabado, mas eventualmente teve de retornar ao lugar que te prendia meia década atrás. A sensação é meio amarga e ocasionalmente demais para lidar, mas você tem redes de apoio mais sólidas hoje em dia. Ainda assim, os últimos meses andam meio difíceis. Pensar que você mora muito longe de todo mundo que você ama começa a se tornar uma ferida dolorosa demais quando se passa tanto tempo longe dessas pessoas.
Vez ou outra uma música do novo álbum do Kendrick Lamar entra no seu cérebro, e dentro de 1 mês e 20 dias, você irá jogar Pentiment por completo impulso após sua namorada ter passado tanto tempo recomendando ele, o dito cujo se tornando uma das suas coisas favoritas no processo. Mas você não sabe disso ainda. No momento você assiste o Direct da Nintendo falando sobre o Nintendo Switch 2, com um leve desinteresse mas confortável em ter o hábito de assistir conferências de videogames com a sua namorada. Aliás você tem uma namorada. Acho que não mencionei. Quando os pontos de venda do hardware tiveram seu destaque, começaram a surgir os trailers de jogos. Em sua grande parte, se tratam de cinematics ultra polidas de obras que não te interessam muito e que mesmo quando interessa, você não vai conseguir experimentar tão cedo.
De repente, uma pessoa vestida de cachorro branco se aproxima rapidamente da tela. É o mesmo cachorro branco que estampava aquela almofada naquele fatídico 15 de setembro de 2021. Oh não. Deltarune? Deltarune. O título confirma: Capítulos 1, 2, 3 e 4. No dia do lançamento do Switch 2. Ah. Ok. Ok. Hora de planejar sua vida inteira ao redor desse lançamento, né. Legal.
E de fato eu planejei. Os Capítulos 3 & 4 de Deltarune chegaram perfeitamente entre duas viagens igualmente agradáveis que tive de fazer. Uma delas ainda não fiz no momento da escrita. A primeira era para encontrar uma pessoa muito querida que tinha importância o bastante para sobressair a do lançamento, caso as duas datas batessem.
O período de tempo entre 2021 e 2025 foi o que eu mais mudei como pessoa. Eu mencionei minha namorada vezes o bastante para que ela talvez peça para reduzir quando for ler, mas que fique claro a importância dela aqui. Nesse período também comecei a explorar tipos de arte que eu nunca tinha dado chance antes. Na época que joguei, Undertale foi meu primeiro RPG, e por mais que joguei alguns outros títulos do gênero, eu comecei a realmente ir atrás dos clássicos. Joguei uns bons JRPGs (menos do que gostaria ainda) e uma quantia meio absurda de CRPGs (uma quantia adequada, mas ainda de olho em alguns). Também comecei a apreciar outra grande influência de Undertale/Deltarune: a série Touhou. Pelo amor de Deus não me peça para escrever sobre Touhou nesse momento. Ah, eu não li Homestuck, porém. Ainda. Eu sei o bastante de como ele é para ter modelado todo salto temporal desse texto no estilo dele. HAHAHAHAHA. TE PEGUEI!!! ISSO ERA UMA REFERÊNCIA A HOMESTUCK ESSE TEMPO TODO!!!

Jogar os novos capítulos foi uma experiência interessante. Eu estava vendo algo diferente, porém familiar, como uma pessoa completamente diferente, e ainda assim, familiar. Lembra daquela parte no finalzinho de Undertale em que você revisita a casa da Toriel e quando interage com o espelho que antes gerava os dizeres “É você!”, agora diz “Apesar de tudo, ainda é você”? Pois é. De certa forma isso é confortante. A gente muda muito no tempo que a gente habita esse mundo, mas sempre vai ter um “você” particular de cada pessoa.
Se dependesse de mim, teria feito do mesmo jeito que fiz com o Capítulo 2: jogaria cada um deles inteiro, em uma única sentada, não importa o quão tarde da noite ficasse. Infelizmente eu tenho trabalho e quando voltava dele me sentia muito cansada para conseguir lidar com os combates de bullet hell sem apanhar muito. Todo esse tempo jogando Touhou só me deu mais conhecimento sobre game design e adicionou várias personagens no meu panteão de “melhores garotas”, mas isso não quer dizer que eu fiquei tão boa nesse tipo de jogo. Então fui me programando para conseguir ir avançando pouco a pouco. No final das contas foi bem agradável.
Originalmente, Toby Fox queria lançar os Capítulos 3, 4 e 5 juntos, mas como iria ser muito mais tempo de espera do que já tivemos, a decisão foi feita de lançar só os dois primeiros. Foi uma boa escolha, e não apenas levando em conta a minha paciência! Eles terem conseguido encaixar direitinho com o lançamento do Switch 2 com certeza deve ter ajudado na divulgação, e eu acho que esses dois capítulos formam uma experiência mais completinha quando colocados um ao lado do outro.
O Capítulo 3 imediatamente elabora no cliffhanger do segundo, já te jogando direto na ação e pisando forte no acelerador. Toby já tinha admitido numa edição da newsletter dele que essa parte seria um pouco diferente das outras devido à quantidade de minigames presente, e é, ele não mentiu. Não que eu esteja reclamando para falar a verdade. Eu gosto dos minigames! Eles são bobos e caóticos e ajudam a transmitir bem a personalidade do Mr. Tenna, o antagonista da vez. É insano ver esse maluco em movimento, aliás! Se ele não for um modelo 3D renderizado em 2D estilo Donkey Kong Country para Super Famicom, o time de arte de Deltarune fez um belo trabalho emulando esse estilo.

Mas é meio difícil imaginar que lançar esse capítulo individualmente da mesma forma que os anteriores seria satisfatório o bastante. Ainda mais considerando que ele passa muito mais tempo nos segmentos puramente cômicos e termina num cliffhanger que deixaria muita gente frustrada considerando o ritmo inconsistente de lançamentos do projeto.
Eu sou mais caridosa com esse capítulo do que o “consenso geral” que observei nos últimos dias, apesar de achar a piada recorrente do trisal meio esquisitinha? O personagem associado é um cara patético que está presente desde o primeiro capítulo (e vai ser mais engraçado se eu não elaborar mais sobre ele além disso), mas não tem diferenciação o bastante para confirmar se devíamos estar rindo da forma que o próprio personagem continua patético, ou se o alvo da piada é o fato dele querer um relacionamento não-monogâmico pois ele é tão estranho e esquisito. Fica difícil de entender qual dos lados que a escrita está navegando. Considerando a quantidade de pessoas queer fãs vocais da série que talvez se encaixem nesse perfil, uma piada mais maldosa nesse aspecto seria um tiro no pé equivalente àquele trecho estranhamente grande de Homestuck em que a história começa a fazer piada com “social justice warriors”. Não, eu não li Homestuck eu te prometo.
Mas é isso que eu teria de reclamar mesmo. É um capítulo sólido, engraçado e visualmente bem interessante. Eu gosto dos puzzles e dos minigames. Mas considerando a progressão narrativa mais fraca comparado aos lançamentos anteriores, foi uma leve surpresa quando eu derrotei aquele que seria o chefe final do episódio. O chefe secreto dá uma estendida boa nos momentos finais, mas nenhum dos outros lançamentos depende tanto de conteúdo secreto para fazer seu encerramento mais impactante do que ele já é. Ainda mais que os requerimentos para o encontro secreto são mais exigentes, e o inimigo enfrentado é o mais difícil de todos eles (pelo que eu ouvi, não tive tempo de enfrentar ele ainda). É melhor do que muito jogo nesse mundo, mas não tem a potência que a equipe de Deltarune consegue atingir.
E o Capítulo 4 está aqui para provar isso.

Quando terminei o quarto episódio pela primeira vez, precisei tomar um tempinho em completo silêncio para poder absorver tudo que aconteceu. Não fiz o conteúdo secreto por ainda estar pensando sobre. Esse texto inteiro foi feito com os meus neurônios completamente flamejantes pelo hiperfoco gerado quando atingi os créditos. Eu fico muito feliz que não teremos o Capítulo 5 por um tempo, na verdade. Ao contrário do terceiro, esse lançamento se beneficia muito de ser o último trecho da narrativa de Deltarune até o ano que vem. Eu preciso digerir ele melhor. Preciso pensar nele melhor. A comunidade precisa de mais tempo para descobrir as inúmeras coisinhas secretas presentes aqui. A “Rota Snowgrave” pega uma cena e transiciona o gênero dela para terror psicológico.
Eu tenho um apreço enorme à arte que consegue balancear bem humor e drama, e isso com certeza foi culpa de Undertale e da série Bojack Horseman (junção maluca de se fazer, eu sei). É fácil prever se algo irá morar no meu coração: se as minhas risadas conseguem ser tão altas quanto meus choros, provavelmente já tem um apartamento reservado para ele. O Capítulo 4 não me fez necessariamente chorar, mas o drama presente é puro e bem concentrado. Eu tive de assistir alguém jogando ele de novo para me lembrar que ele também carrega algumas das piadas mais engraçadas do projeto inteiro, porque a reta final tinha me deixado ansiosa ao ponto de esquecer das partes mais leves. Quero ressaltar, o chefe do “YOU'RE TAKING TOO LONG” me faz sorrir feito boba toda vez que eu me lembro, assim como os passos que Ralsei conseguiu fazer no seu processo de amadurecimento me deixam morrendo de orgulho dele.
Tivemos um momentinho para acompanharmos a Noelle conversando com Susie e notando que as duas tem tanta coisa em comum e é tão adorável! Também vemos que Berdly não começou a tomar cipro. Tudo bem, Toby eu sou paciente. Estou evitando spoilers, então não vou elaborar mais sobre essa cena, mas é preciso dizer que esse trecho faz um ótimo trabalho em progredir várias tramas e subtramas que o capítulo anterior negligenciou, e de forma quase simultânea! Muito lindo de ver.
Sabe o que também é lindo? A Susie recebe um destaque maior devido à grande quantidade de tempo que ela passa compartilhando a cena apenas com Kris, que raramente fala. Esse sendo o maior capítulo lançado, permite que ela cresça bastante como personagem, como guerreira e como amiga do trio principal. A fala final dela antes dos créditos é de arrepiar um pouco. A reta final inteira é de arrepiar, na verdade. De deixar o coraçãozinho querendo sair pela garganta. É como aqueles encerramentos de temporada que conseguem aumentar a escala de tensão até o ponto de quase estouro e ainda assim atingir uma conclusão satisfatória, ao mesmo tempo que deixam as pontas soltas mais cruéis do mundo. Eu estou super contente em esperar se esse é o nível de qualidade e tensão que iremos ter adiante.
Então cá estamos. Pós joguinho. Admito que meu nível de empolgação conforme o lançamento se aproximava foi bem irregular. Um estado mental em caos às vezes deixa o ato de engajar com algo mais difícil. Ter jogado ele e tomado o tempo para escrever essa… resenha? Ensaio? Coisa? Coisa. Foi bom. Tinha um tempo que isso não acontecia. Eu não quero checar se a contagem de palavras desse texto excede a do roteiro do meu curta-metragem porque ele DEFINITIVAMENTE excede e eu não sei o que achar disso. Tudo bem.
Eu espero que eu tenha demonstrado apropriadamente porque Deltarune é tão importante para mim, e acima de tudo, espero que tenha dado a você, caro leitor, motivos para jogar Deltarune! Eu estou falando sério, inclusive. Sabe quando um tempinho atrás todo mundo estava falando do final da temporada mais recente de Severance? Deltarune meio que atinge o mesmo nível de empolgação para mim. Super vale a pena começar ele agora. Como eu disse! Os primeiros dois capítulos são gratuitos na demo e dá para transferir o progresso! Eu acho que você deveria me ouvir.
Se ainda assim não quiser, bom, já ouviu falar de Touhou Perfect Cherry Blossom? Pelo amor de Deus tire o teclado das minhas mãos.
Redigido por Júlia F. Cãndida e editado por Maya Souza
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