The 25th Ward: The Silver Case e Killer7, até a chegada de No More Heroes 3, eram os últimos trabalhos de Goichi Suda dentro da série Kill The Past e finalmente nesse ano eu terminei tudo que estava ao meu alcance desta franquia. Assim como os outros jogos da série The 25th Ward é especial, e nesse caso, vai além. É bem importante que ambos os jogos fossem o final, levando em conta como são tentativas distintas de se perguntarem: Como matamos o passado da sociedade? O que é o individualismo, a privacidade e o real na era da internet? Existe uma solução pra situação política em que vivemos? Cada um de seus três escritores tentam responder estas perguntas de sua própria forma, uns se aprofundando mais em questões políticas, outros menos, mas com pontos igualmente válidos. Existe uma progressão lógica desde The Silver Case até The 25th Ward, e a adição de No More Heroes nesse universo acaba não afetando tantas coisas tematicamente - até cria espaço para outras discussões, mas isso não vem ao caso.
Mesmo com todo preparo possível antes de The 25th Ward, ainda não estava pronto o suficiente para o que a Grasshopper Manufacture havia feito, esse é um jogo que merece um tratamento especial - assim como todos outros que eles fizeram. O que vocês estão lendo será basicamente um sumário de tópicos em que eu, junto do membro Kaijuu, iremos tentar nos aprofundar em The 25th Ward, numa conversa que estará disponível no final do texto. Tanto o texto quanto o áudio serão um jeito válido de compartilharmos nossa experiência com o ápice da experimentação da Grasshopper Manufacture.
O surgimento da ideia
Fim dos anos 90, época consumida quase que inteiramente pela paranoia e ansiedade, muito disso como resultado da ascensão da internet e da globalização, trazendo inúmeras possibilidades e perigos que refletiram muito nas produções culturais que o fim do século trouxe, e no clássico: fim do mundo. The Silver Case surgiu durante os primeiros trabalhos de Goichi Suda, a princípio apenas como um conceito que ele gostaria de abordar em um jogo próprio, sem toda a complexidade que temos atualmente com a franquia completa, caso No More Heroes 3 seja de fato o fim da série. Toda ambientação da série era o cenário ideal para o que o diretor gostaria de abordar, tendo como grande inspiração o filme Angel Dust de Gakuryuu Ishiki na transmissão desses elementos. The Silver Case ainda entra num período muito específico, sendo lançado em 1999, época onde a arte num geral tentou expandir esses elementos até seu limite, com diversos clássicos deste período priorizando duas coisas em particular: questões existencialistas e a relação do ser humano com a tecnologia. Não existe uma explicação muito certa do motivo para a grande maioria das obras de 1999 envolverem tanto isso e ser especificamente nesse ano, fora o "Year2K", (conhecido também como bug do milênio) uma teoria em que os computadores, se a tecnologia não estivesse boa o suficiente, poderiam ler os códigos errados durante o primeiro momento do século 21 e causar um grande estrago, esse fenômeno pode ser visto principalmente no cinema, mas indo para uma outra esfera temática. Mas The Silver Case consegue até ir um pouco além, se assemelhando até com um Denpa (um subgênero de horror psicológico japonês muito especifico), pois boa parte do que Suda aborda em The 25th Ward envolve as paranoias da sociedade japonesa e sua situação política e econômica do Japão durante a década perdida.
Para tirar o máximo de proveito de The Silver Case e Killer7 é praticamente obrigatório um conhecimento da situação política do mundo até o "11 de setembro", mas mesmo sendo reflexo de um período específico, a primeira leva dos jogos da série se tratam de temas bem atuais até os dias de hoje. Mas agora vamos para o que são esses jogos, caso o leitor não faça a mínima ideia.
The Silver Case: The 25Th Ward
No texto sobre Travis Strikes Again, expliquei quem era o Suda, a Grasshopper, No More Heroes e acabei citando brevemente os adventures que ele produziu, agora é hora de dar um destaque a eles. The Silver Case foi produzido por um time muito pequeno, sequer tendo algo na tela fora o cenário e sprites, e que, na maior parte do tempo, seguia um modelo de Dungeon Crawler. Mas o que chama atenção mesmo é sua apresentação e história, sobre um Japão alternativo em que se inaugura o vigésimo quarto distrito, e se foca em uma organização da polícia responsável por lidar com os piores tipos de criminosos, com carta branca para abordagem violentas "caso necessário". No ano de 1999, um lendário serial killer, chamado Kamui Uehara, foge do hospital psiquiátrico que estava e inicia uma onda de assassinatos, acompanhamos esses eventos na perspectiva de Akira, um policial que tem todo o seu esquadrão morto por Kamui, por isso acaba sendo recrutado ao setor de crimes hediondos, sendo agora parceiro de Tetsugoro Kusabi, um policial experiente que enxerga o crime como uma praga que merece ser exterminada, e Sumio Kodai, um detetive no começo dos seus 20 anos de idade.
The Silver Case inicia nessa premissa de capturar Kamui, mas que se expande bastante ao decorrer do jogo, principalmente por também vermos os eventos pela prespectiva de Tokio Morishima, protagonista da segunda campanha e um jornalista depressivo que mora com sua tartaruga. Tokio é contratado para investigar Kamui e o que foi o "Silver Case". O jogo se foca muito mais nos impactos do retorno Kamui, como isso afeta a sociedade, questões pessoais dos personagens, a ideia de matar o passado, contexto político do Japão e por aí vai. Com cada campanha possuindo sua própria direção de arte, escritor e capítulos com identidade visual única. Após The Silver Case, tivemos Flower, Sun and Rain uma continuação indireta e que somente por volta de 2003 e 2005 tivemos a conclusão destes jogos, com The 25th Ward e Killer7.
Em The 25th Ward acompanhamos três diferentes núcleos de personagens em meio uma guerra política "secreta", envolta de conspirações no vigésimo quinto distrito. Após uma estranha onda de suicídios, todos ocorridos no mesmo edifício, trazem o nome do Kamui novamente. É bem complicado explicar o que são esses jogos em relação a história, mas todos seguem a linha de Game Design Punk padrão da Grasshopper, se importando muito mais em trazer os temas que Suda, e ocasionalmente outros escritores, querem trazer a tona. Tudo é feito com um nível de trabalho tão bem feito que foi necessário essa ideia de texto junto a um podcast para falar sobre uma fração do que acho sobre esses jogos. Independente de como, espero que tenham um bom proveito com o conteúdo.
Idealizando a perfeição social
The 25th Ward, junto do primeiro Watch Dogs, são jogos com uma visão mais realista de como seria o mundo consequente do aumento constante do tráfego de informação, podendo ser até considerado cyberpunk, mesmo que ambos não se apropriem dessa estética de forma mais direta. E isso é importante em 25th Ward, não só pelo que ele propõe, em avaliar o vigésimo quinto distrito e a idealização de uma sociedade perfeita, usando como base toda mitologia que a Grasshopper criou ao longo dos jogos como forma representar conceitos abstratos da realidade (como a criminalidade ou o monitoramento) da forma menos sutil possível. É uma junção do imaginário e ansiedades da era da informação de misturados com convenções clássicas de videogame, que resultam em instituições como a “Divisão Regional de Ajustes (RAB)”, compostas pelo sistema de entregas e “assassinos de carteira assinada” que tem como função a manutenção da ordem. E isso é só uma forma de representar como nós, enquanto sociedade, acabamos fazendo quando qualquer grupo ou pessoa quebra alguma norma pessoal nossa, e o jeito mais claro de exemplificar isso são conservadores tendo reações violentas ou de julgamento a grupos LGBTQIA+. RAB nada mais é do que a manifestação da vontade de certa parcela dos habitantes do distrito que segue um ideal de perfeição e conservação dessa ordem, simplesmente matando os que fogem dela. O conceito do cyberpunk de The 25th Ward não vem através de tecnologias exageradas, mas sim de pós humanistas e projetação desse boom informacional, como isso é refletido nas ações do governo e sociedade. Tudo isso por um ideal que como o próprio jogo diz, é uma piada de mal gosto.
Kill The Past tem um conceito que se demonstra bastante presente em boa parte de seus jogos, uma busca por um paraíso, um mundo perfeito. The 25th Ward pega essa ideia e projeta nessa cidade totalmente planejada, população "fabricada", arquitetura sem falhas e sofisticada, junto dessa uma ideia de quem, para esse lugar perfeito existir, a população não pode fazer as suas próprias escolhas. Elas deveriam apenas ser bons soldados e seguirem as ordens do governo. Mesmo não sendo algo exagerado, como um telão gigante ala V de Vingança, com o ditador dizendo o que ele quer, é só algo que todos os moradores subconscientemente aceitaram e seguem no seu dia a dia sem problema nenhum. O futuro distópico de Suda é, na verdade, sobre como a idealização de perfeição não é nada mais que sobre como o controle de massas ou uma tentativa de tentar limpar todo o lado “sujo” da sociedade acaba sendo só meio burro. Quanto mais o jogador explora The 25th Ward, aquela falta de modelos 3D acabam criando um efeito diferente, já que todo o isolamento social e vazio aqueles espaços tem uma função temática. Aquele lugar é cheio, habitável, mas a perfeição dele meio que impede qualquer um de sair do seu quarto para manter todo esse visual. E saindo do campo de ideias um pouco, por mais que exista vários “cyberpunks” com cenários bem mais interessantes, The 25th Ward ainda consegue se manter como algo bem único e extremamente funcional, muito devido a Grasshopper. É provavelmente meu trabalho favorito no gênero junto de Soul Hackers e Watch Dogs.
O "Eu" na Internet
Enquanto The Silver Case projetava o futuro da era digital, sendo tratado com certo misticismo e incerteza, cheio de esoterismo e reações mais alienígenas. Em The 25th Ward isso se perde, as pessoas já passaram por essa fase e isso já se tornou algo cotidiano, mesmo sendo bem mais complexo do que era anos atrás, o que acaba dando um gancho para que Suda e outros escritores falassem sobre algo que ainda cresce na nossa sociedade, sobre como a internet acaba abrindo oportunidade de sermos quem queremos ser. E o jogo faz isso através da caracterização de personagens que conhecemos apenas por sua imagem virtual, como é o caso do Good Looking Guy (GLG), que no seu dia a dia era, aparentemente, um homem de negócios mas quando entrava no computador era sócio de um site de encontros, tendo conhecimento e amizade com todas, ajudando novos clientes e sendo alguém bem popular no meio. Sabemos que ele tratava mulheres como ninguém, seu jeito de conversar, e mesmo quando descobrimos um pouco do seu passado, o mais importante era como ele era como indivíduo naquele ambiente virtual. Em Correctness (uma das 3 campanhas principais), acabamos descobrindo mais sobre dupla de "protagonistas" (Shiroyabu e Kurayanagi) por conta da sua relação com a internet, o ponto do jogo acaba sendo que no meio desse cenário em que o inconsciente coletivo precisa seguir uma ordem específica, quando damos algum tipo de "privacidade" para as pessoas, elas se revelam. Mesmo seguindo inúmeros papéis, quando estamos sozinhos escrevendo, ainda vai ter muito da gente naquilo. Até a forma em como o mundo é caracterizado ajuda nisso, como WhatsApp e DeepWeb sendo usados, muitas vezes, para deixar mais único quem é quem. Mas essa individualização só brilha de verdade em Placebo, a campanha do Tokio Morishima.
Em Silver Case, Tokio era o personagem mais capacitado dentre os protagonistas, um jornalista autônomo em que nossa única interação se baseava em ficar na frente do computador, lendo e-mails e investigando o caso, mas que não tinha um interesse real naquilo, estava isolado nos seus próprios problemas sem conseguir se comunicar ou se envolver com outras pessoas. Já em 25th Ward, temos uma inversão de papéis bem inteligente, apesar de seguir a mesma linha. Agora, Tokio Morishima, precisa ser alguém comunicativo e que simpatiza com os problema alheios, sendo exposto cada vez mais as profundezas da internet, confrontando algum seus próprios problemas no processo. Sem suas memórias, vemos ele buscando entender e ajudar os outros, enquanto investiga sobre o 25° distrito, através das conversas com as garotas online.
Assim como em The Silver Case, Tokio tem seu próprio cast de personagens, sendo a personagem Meru um dos pontos principais por boa parte da campanha. Conhecida como "Deusa do Ritmo", capaz de conversar com qualquer um e sobre qualquer assunto, Tokio então precisa convence-la a passar informações relacionadas ao caso. Meru é uma personagem complexa, cansada de conversar com pervertidos o tempo todo, uma admiração pelas outras grandes garotas do site, um certo sadismo por destruir a esperança e dinheiro de quem conversa, dentre outras coisas. O laço que se cria entre os dois se deve mais ao Tokio e o próprio jogador saberem fazer a conversa com ela fluir, garantindo acesso para lugares ainda mais fundos na internet, levando Tokio ao bar no qual ele frequentava em 1999, tentando resolver uma charada que ele próprio deixou. É bem simples, conversamos com a dona atual do bar, tentamos alguns números e lemos um diário anônimo toda vez que temos algum progresso na charada. Nisso descobrimos que se trata de Meru, contando qual sua relação com Good Looking Man, seu passado, como funcionava o site, seus sentimentos e toda uma projeção na internet no estilo Serial Experiments Lain.
O importante nisso é que, Meru na verdade é trans e a questão de assumir papeis acabou a ajudando no processo de se descobrir, já que o GLG meio que criou um sistema em que duas pessoas se imitam através de avatares. Meru estava cansada de imitar, sentia admiração e, ao mesmo tempo, inveja das outras garotas, sendo o GLG a única pessoa que a tratou como ela realmente queria. Algo bacana, que mesmo no final, quando Tokio encontra Meru pela primeira vez em sua forma física, a trata como mulher e agradece pela ajuda. É tudo escrito com uma honestidade e compreensão, surpreendente como a Grasshopper em 2003 conseguiu retratar o processo de se descobrir trans de forma respeitosa e empática. The 25th Ward não foca somente no lado negativo da contemporaneidade, mas sim em quem realmente somos, tirando esse ideal de perfeição, mas vamos falar mais sobre no próximo tópico.
O idiota que estava no lugar errado
Uma novidades que The 25th Ward trouxe para série, foi a adição de uma terceira campanha: Matchmaker. Que segue a Divisão Regional de Ajustes e a história de Tsuki. Não que seja ruim, mas Matchmaker pega o lado mais simples de Kill The Past e decide contar uma história de yakuza, que lembra algo que a Ryu Ga Gotoku desenvolveria no futuro. Não temos uma presença tão grande do mundo distópico, apesar dos personagens serem partes principais da conspiração, não vemos tanto o lado surrealista e pós-modernista do jogo, mas ela funciona nos seus próprios moldes. Tsuki é um veterano da organização e está cuidando de um novato, Osato, e tentando guia-lo ao caminho correto, uma dinâmica parecida com Tetsu e Sumio em The Silver Case. Os erros de Osato inicialmente são bobos: comer do jeito errado, não ter muita paciência e até entender errado algumas expressões (que acabam resultando em morte as vezes). Todos que trabalham na divisão tem um papel bem claro em relação a Tsuki ou conversam diretamente com o tema, que durante os primeiros capítulos é construído de forma sutil, para fazer quem está jogando refletir um pouco sobre cada personagem.
O que não dá tanto destaque a campanha, já que as vezes fica bem evidente que Masahiro Yuki não estava no mesmo patamar que Suda e Ooka em relação a escrita, é em como o trabalho temático em Placebo e Correctness vai para lugares mais interessantes e arriscados, enquanto a campanha de Yuki não entrega muito. Isso pode até ser um respiro pela escala que as outras campanhas alcançam, já que algo tão grande e forte por tanto tempo pode fazer o resto perder o impacto, e considerando como os dois outros escritores já trabalharam na série, justifica a sensação de Matchmaker ter a escrita mais fraca, mas continua sendo uma experiência muito proveitosa.
Tsuki, quando tinha a idade de Osato, era um membro do maior clã da yakuza, e acompanhamos a queda deles através dele. Okiai, era bem fiel ao líder do clã e estava tentando ser as últimas pernas e impedir a queda, com Ishiki, superior de Tsuki, cuidando dele, um dos maiores nomes de confiança do clã. Um dia, um dos superiores da divisão, Shigino, o chama para entregar uma mala em um dos galpões do sindicato, e Tsuki acaba caindo em uma armadilha, sendo preso e depois levado para Divisão de Reajustes. O importante disso é: Tsuki sente que ele não está resolvido com seu passado. Existe um certo rancor e magoa por não ter respostas exatas sobre tudo aquilo que aconteceu, e para que logo alguém como Ishiki teria vendido a sua lealdade. Sempre que Tsuki vê Osato, é uma lembrança dele no passado e isso acaba gerando uma cobrança pelo medo de cometer o mesmo que os seus superiores, considerando a linha de trabalho atual dele. É mais como um senso de irmão mais velho tentando guia-lo, apesar de Osato várias vezes demonstrar habilidade para o assassinato. O problema de Tsuki vem mais de não saber o que fazer e evitar pensar tanto nisso. E só depois de um bom tempo que Tsuki finalmente tem chance de se resolver, quando a investigação dos apartamentos os leva a Okiai, que, por algum motivo, ainda estava existindo mesmo com o fim oficial do clã. E digamos que Tsuki não tem a resposta que queria, já que o problema não é necessariamente o que Ishiki junto do resto fizeram, mas sim ele mesmo.
Tsuki se sente responsável por ter caído no golpe e não ter ajudado seu clã. É uma questão de responsabilidade que é espelhada em Osato, então uma boa parte dos laços dele gira em volta de como Tsuki quer ajuda-lo e se responsabilizar pelo passado, mas sem deixar isso claro para ninguém. O que ele de fato precisava, era "matar" essa idéia para conseguir seguir em frente, já que boa parte do problema não é culpa dele. Mas vemos que no fim, Tsuki apenas esta andando enquanto fuma de modo meio vazio, aceitando que o que aconteceu, aconteceu. Matchmaker desenvolve mais o processo do Tsuki de matar seu passado, ficando livre, mas não de forma grandiosa. Ele só superou seu passado através dos eventos recentes, terminou sozinho, mas realizado. É algo semelhante com o que os jogos da série Silent Hill tentam passar: a coisa mais importante que você pode fazer, é reconhecer seus problemas e tentar resolve-los. Mesmo que não consiga de primeira, ou faça de um jeito não muito saudável, sempre vão existir chances para supera-los, apesar do texto não transmitir isso com tanta maestria. Mas para que eu fui falar logo de Matchmaker primeiro? Bom, pela simplicidade da campanha e tema mais fechado, isso meio que vai servir como preparo para os próximos tópicos que irei discutir.
Loucura, depressão e RPG de turno
The 25th Ward tem como novo núcleo principal, da Unidade de Crimes Hediondos, a dupla Shiroyabu e Kuroyanagi, que estão investigando e tentando entender o caso dos "suicídios". O interessante dessa vez, é todo o psicológico de Shiroyabu e o mundo expandindo ao redor dele conforme a investigação muda de foco. Não que o jogo deixe isso claro logo de começo, o que temos inicialmente é Shiroyabu, um novato bem tranquilo e que respeita bastante sua superior e que se apaixona fácil pelas pessoas. Diferente do primeiro jogo, em que a polícia sabia do que estava acontecendo, pelo menos em uma escala boa, aqui eles são os que sabem menos. Suda usa isso muito bem, introduzindo o que sabe fazer com terror surrealista junto de cyberpunk, que acaba contrastando com a natureza dos personagens. É até bacana ver que Correctness é a campanha em que mais temos mudança de perspectiva, acompanhando Sakura no prólogo, um novo Kamui e Sumio Kodai ao mesmo tempo que a dupla. Mas apesar de bom, world building não é o que inicialmente me compra, eu poderia inclusive ficar bem feliz se Correctness me oferecesse só uma trama investigativa surreal no vigésimo quinto distrito, mas, como esperado Suda, ainda havia vários truques na manga.
Após Digital Man, onde somos apresentados a Kurumizawa pela visão de Sumio, Shiroyabu é enviado para ir atrás dele sozinho. Ser um policial com as mesmas funções que um assassino praticamente faz dele uma pessoa ruim? Shiroyabu acha que não, ele é alguém normal, e durante essa reflexão um assasino chega para ataca-lo e entramos em um combate aos moldes de um RPG de turno, bem simples. Quando o jogador finalmente vence, Shiroyabu, todo ensanguentado, continua seu caminho investigando Kurumizawa enquanto vemos uma conversa entre Kuroyanagi e o diretor da divisão, falando sobre Shiroyabu.
Shiroyabu é um personagem complicado de se acompanhar. Nem sei se entendi totalmente o propósito dele na história, mas é mais devido a complexidade dele. Ele tem uma personalidade suprimida, já que sempre tenta seguir ordens, mas quando esta sozinho é definitivamente... algo. O combate é a forma perfeita de representar a loucura de Shiroyabu, para cada assassino que ele mata, ataques são adicionados, que dão cada vez mais dano e fazem menos sentido, e quanto mais vitórias, seus pensamentos ficam piores. Kuroyanagi e seu chefe discutem que ele precisava "morrer" algumas vezes para amadurecer o suficiente para poder estar com Kurumizawa, e isso é possível, Shiroyabu e o jogador podem morrer inúmeras vezes sem nenhuma chance de sair desse ciclo. Toda "normalidade" de Shiroyabu meio que se perde, e apenas quando ele encontra pista sobre Kurumizawa temos um momento estável. Suda usa da sua ideia de Game Design Punk para fazer que a sessão interativas, como uma forma expressar ideias e, junto de Digital Man, foi onde o jogo realmente me conquistou. Shiroyabu ao encontrar Kurumizawa, perde todo o seu cabelo e se sente no mesmo "plano" que ele, mas nada fica exatamente muito claro ainda, só que ele enlouqueceu enquanto ficou 5 minutos sozinho. Mas é bom lembrar que isso não é o único momento de combate por turno no jogo.
É introduzido de jeito meio sutil em The Silver Case inicialmente, mas Tokio é um personagem que sofre com depressão e outros problemas psicológicos. Sua campanha era praticamente uma rotina cheia de hábitos ruins enquanto ele se isola cada vez mais. E sinceramente, junto de Yakuza 5, é um dos meus retratos favoritos envolvendo esse isso, principalmente por não precisar te expor a falas sobre e só te imergir nessa realidade. No final do Placebo original, Tokio meio que aceita que precisa se abrir, indo passar férias no Flower Sun And Rain, até tudo dar errado naquele jogo. O que nos leva para 25th Ward, onde Tokio, mesmo sem sua memória completa, ainda tem seus sintomas e segue um estilo de vida semelhante.
O interessante é quando Tokio vai usar o computador e acaba recebendo uma mensagem de Slash (um amigo virtual) avisando que a internet está sob ataque devido um vírus, e que ele pode liberar todo tipo de informação. Tokio, no meio dessa confusão, é levado a uma espécie de Black Lodge virtual (um dos locais mais importantes de Twin Peaks). Lá ele encontra um velho e uma mulher que propõe um desafio: Tokio poderá recuperar suas memórias e resolver a situação caso vença uma batalha, podendo escolher qualquer arma na seleção disponível. Só que, caso ele perca, sua existência será apagada. Não é deixado claro o por que disso acontecer, mas tentar seguir o roteiro aqui invés dos temas seria um desperdício. O importante é que, assim como Shiroyabu, Tokio entra em uma luta de RPG, só que agora como um Boss de Dragon Quest.
Tanto Tokio quanto Shiroyabu são personagens bem únicos que seguem lógicas próprias, mas que vão para lados bem diferentes. Então, nada mais justo, que enquanto um cai na loucura o outro vá enfrentar um desafio sem fim da forma mais literal possível. Slash vira o dragão, uma metáfora para a depressão e ansiedade de Tokio, um ser enorme que não leva dano independente do que ele faça. Uma música de SNES meio melancólica toca, como se Tokio estivesse destinado a sempre perder a luta, mas, como ele ainda não está morto, levanta e sente a sensação, como Shiroyabu, de se sentir mais vivo. O jogo brilha quando na segunda derrota de Tokio, um vaso aparece enviado por Meru, entregando um novo item, que leva Morishima a finalmente fazer algum dano e vencer. Tokio luta com isso a bastante tempo, e The Silver Case meio que tematicamente fecha com isso, mas The 25th Ward mostra como alguém pode superar essa luta com ajuda externa. E quando recupera suas memórias, Tokio não fica depressivo ou ressentindo, mas sim com um senso de propósito sabendo, o que precisava saber.
Sendo honesto aqui, Tokio é um dos personagens que mais me identifico, principalmente pela forma que ele lida com a depressão e outros problemas, então ver o momento em que ele enfrenta isso de vez, virando um RPG que traz um peso emocional muito forte, foi algo que me impactou bastante. Suda decidiu construir algo cômico e sádico, enquanto Ooka foi para um lado mais sensível, e o tema melancólico contribui pra isso. Não que a depressão de Tokio não possa voltar, mas ele finalmente conseguiu dar um passo para frente. Mas a conclusão do personagem será algo para mais tarde, já que temos que falar sobre Electride.
Electride, privacidade, ideias e Kurumizawa
Electride começa de jeito curioso, com um político falando sobre como o vigésimo quinto distrito precisa almejar a perfeição. Shiroyabu vendo, e seu chefe prevenindo que ele mate o político, o que nos leva para Kuroyanagi e Kamui indo atrás de pistas em usa sessão de gameplay em que temos de entrevistar todos os habitantes dos cem andares do prédio (recomendo procurar um guia nessa parte, sério). Alguns não estarão em casa, outros irão falar sobre coisas estranhas acontecendo, desde um ódio por moradores que saem bastante de casa a um culto bizarro. Após uma visão de Shiroyabu, na perspectiva de um entregador, membro da Divisão Regional de Ajustes, falando sua relação com o trabalho. Ele perdeu toda motivação em fazer o que faz, e queria se integrar novamente na sociedade.
Isso expande de duas formas, com Shiroyabu refletindo sobre Kamui e Kurumizawa e quem de fato são os dois além da conversa entre dois líderes de organizações, sendo um deles o atual chefe da Divisão de Crimes Hediondos. Electride por si só é difícil de acompanhar já que, inicialmente, nada se relaciona entre si, além da ideia de inconsciente coletivo e como transmitimos nossas ideias. É parecido com discussões sobre memes que Kojima aborda em Metal Gear, mas Suda acaba entrando num conceito que ele chamado: pensamento criminal. Shiroyabu conclui que Kamui não é alguém físico ou real, e sim uma ideia que induz à violência. E Kurumizawa, pelo seu "cargo" como observador (que explicarei em breve), tinha como principal função apagar o Kamui da existência para que 25th Ward funcione, mas isso acaba levando a um problema maior. A existência de um se justifica na do outro, mas ao mesmo tempo acabam sendo uma ameaça mútua. Ao mesmo que tempo temos: discussões bobas sobre confiança entre amigos e falar o nome da menina que gosta. Electride é algo que normalmente soaria como uma confusão de histórias ou até mesmo mal escrito, mas temos que lembrar que é um texto do Suda Goichi.
Tudo isso funciona por causa do Kurumizawa, o "vilão" de The 25th Ward. Seu cargo como observador acaba dando a ele um outro nível de existência, conseguindo ver tudo e todos, mudar sua forma física e fazer praticamente tudo. E com Shiroyabu, Kurumizawa decide guia-lo apenas para, no final, jogar na cara dele que nada do que ele fez na investigação realmente importa, já que tudo foi planejado por ele e que o jogador estava o tempo todo controlando Kurumizawa e as várias campanhas são só histórias que ele está assistindo. Tudo isso feito de forma abstrata e experimental, que acaba ultrapassando o limite do que você espera. Electride usa de formas geométricas para contar algo relevante e essa confusão acaba tendo um significado forte. A discussão vira só um reflexo do debate entre Kamui e Kurumizawa, o carteiro e seus ideias são usados para servir como base, etc. Toda a camada da história sobre privacidade, pensamento coletivo e outras coisas que estavam sendo desenvolvidas de jeito sutil, acabam sendo expostas e desenvolvidas finalmente.
Considerando as adições do remaster, o que antes era pra ser o final, vira só mais uma piada de Kurumizawa na cara do jogador e do Shiroyabu, que novamente manipula tudo para que se torne um final falso. Electride, do mesmo modo que Digital Man, trata Kurumizawa como um ser caótico, uma manifestação da era digital, e o medo de entender a existência dele é algo sutil em Electride, ao ponto de não deixar claro se a conversa final entre Shiroyabu e Kuroyanagi, é de fato real. As adições dos novos capítulos acabam criando outros pontos interessantes, indo a fundo na mente de Shiroyabu e um destino mais concreto para Tokio.
Abraçando o futuro
Tokio, durante o fim da sua campanha, após recuperar sua memória descobre que o governo, ou uma organização envolvida, o transformou numa espécie de pendrive, com todo tipo de informação importante, e sua falta de memória foi um truque para impedir que os dados parassem nas mãos erradas, ao mesmo tempo que deteriora ainda mais a mente dele. Tokio podia fazer o que quisesse com o distrito, de maneira semelhante ao Kurumizawa, mas ele não estava nem aí para toda essa questão conspiratória. O que o chamou a atenção foi descobrir que tinha uma irmã mais nova, e que o governo tinha meios de achar ela (tirando todo um papo envolvendo Red) a usando como chantagem. Mas Tokio acaba sendo mais esperto e consegue fazer o 25º distrito explodir. Ele se cansa dessa busca por perfeição e tira o peso que a sociedade tem com o passado e liberta as pessoas dessa prisão, o que, inicialmente, parece que custa sua vida. Mas após isso, acompanhamos a sociedade alguns anos mais a frente pela vista de uma estudante chamada Yuki, seu celular e o retorno de Tokio, agora mais velho.
Em uma estação de metrô, toda tarde acontece uma morte, ninguém sabe se são suicídios ou assassinatos, e Yuki percebe que é um fantasma e busca ajuda de um médium -muito parecido com o Tokio mais novo. A diferença entre os dois é que um acaba sendo totalmente descuidado, sem saber lidar com a situação, quase causando a morte de Yuki. Enquanto Tokio aparece a salva e se demonstra um velho experimente, apesar de manter sua parte mais difícil de lidar. A história segue com Yuki contando que não tinha certeza mas que agora, graças aos eventos recentes, reconhece que sempre viu os mortos, igual Tokio, e que agora iria tentar ajudar o fantasma a descansar e sair dali. Isso não parece grande coisa no papel, mas acaba virando a mensagem mais positiva do jogo quando paro pra pensar.
Killer7 termina de forma meio sarcástica e parecida, com uma visão de muitos anos no futuro mostrando que o mesmo conflito ainda está existe. É muito difícil explicar, mas acaba sendo uma pergunta sobre como o mundo pode sair desse ciclo, mas já esperando uma resposta negativa. Por outro lado, com Tokio, temos a direção oposta, com ele lidando com a nova geração, sem nenhum tipo de mágoa e feliz pela sua decisão. Ao se liberar de todo o problema que aconteceu desde quando era criança, Tokio conseguiu seguir em frente, ajudar a nova geração e tentar compreende-la. É mais uma questão de que podemos mudar o mundo se superarmos nossos próprios problemas e pensarmos em como ajudaremos os outros no futuro. É rápido, é bonito e com certeza eu amaria se o jogo acabasse assim, mas a Grasshopper ainda tinha mais cartas para me mostrar logo.
White Out, Black Out e Adventure
White Out se inicia com uma história de romance, contando como um homem em dia de nevasca encontrou a mulher da sua vida, indo então para Shiroyabu no início da sua carreira, contando os motivos dele ter se tornado policial. Basicamente, ele amava muito sua mãe e descobriu que, caso morresse em combate, o governo iria cuidar de sua mãe. Shiroyabu nessa época estava investigando o terrorista Joker, que parece em partes com o Kamui, e a ideia do capítulo é que estamos acompanhando Shiroyabu antes dos eventos principais do jogo, o que é bem curioso. O mistério é mostrado através de várias memórias (até descobrimos que Shiroyabu se formou fazendo uma tese sobre o The Silver Case e que admira Kusabi, mesmo que ele tenha dado um tiro na sua orelha) e em certos momentos se parece quase que uma paródia do primeiro jogo, ao mesmo tempo que vai para outros lados bem difíceis de se decifrar, principalmente por bem mais visual e sutil. O final até ganha mais camadas de surrealismo quando finalmente conseguem encurralar Joker no meio de um estádio e, quando alguém acerta ele com um tiro, descobrem, ao puxar a máscara dele, ser o Shiroyabu... e acaba por aí.
White Out, como dito, é uma visão dos pensamentos de Shiroyabu. No meio de todo aquele dilema envolvendo o Kurumizawa e Kamui, as histórias se misturam e a busca pelo motivo dele fazer aquilo faz bastante sentido. Nós sabemos o quão instável ele é, não chegamos a descobrir o motivo dele acabar assim mas seu comportamento sempre sinalizava algo errado. Ao mesmo tempo que pode ser o Kurumizawa colocando outras histórias na cabeça dele, ou até ter se colocado no passado. E meio que esse é o fim ideal do jogo, considerando todo o lado experimental dele. Enquanto Tokio e Yuki apresentam uma conclusão no arco daqueles personagens, White Out vai para um lado quase inexplicável, mas ainda digno de encerrar essa história. Porém, quando finalizado, é liberado mais um final: Black Out.
Black Out se inicia após o fim da discussão, com o chefe da Unidade de Crimes Hediondos e dois dos seus funcionários se aproximam e apontam armas para ele enquanto discutem sobre filmes e confusões com datas de lançamento. Kamui aparece, Kuroyanagi também aparece, e eles tentam chegar em uma conclusão e dão a escolha ao jogador, controlando Uehara no momento, afinal de contas o jogo é um adventure. Isso libera 100 finais, onde todos são verdadeiros e todos são falsos, é apenas uma questão de escolha. Mas o jogador só poderá escolher um por vez, já que em qualquer opção o save será apagado e somente se manterem o final que escolhido, fazendo que você tenha de joga-lo 100 vezes para ver todos os finais (spoiler: ele não quer que você veja). A grande maioria e o final em si é uma piada, mais direcionada aos críticos do jogo original que reclamaram da falta de agência e por ter somente um final, então Suda respondeu do jeito mais Suda51 possível, e isso é lindo (e sádico), adoro esse cara.
Fora das piadas e da ideia de como jogos e histórias são um ciclo em que só buscamos mais e mais, existe também uma preparação de terreno para alguns elementos da "nova conclusão" de Kill The Past em No More Heroes 3, que são mais desenvolvidos no mangá Red, Blue and Green. O que não é algo que posso falar muito, já que o jogo só libera mês que vem, mas o mangá é bem bacana, apesar de não adicionar muito pros 100 finais, existe um certo "bônus" no fim. Mesmo os finais sendo na verdade algo mais introspectivo, não é exatamente a melhor coisa do mundo e entendo quem não gosta de Black Out, mas só pela coragem e piada, que me fez rir por muito tempo, valeu a pena.
Assim como os outros jogos da Grasshopper, merecem um carinho especial, então para quem leu até aqui pode ouvir o podcast que gravei sobre The 25th Ward:
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