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Monster Hunter: A quem interessa o além das fronteiras? — Artigo | Crítica

Reprodução: Capcom

21 anos, 100 milhões de unidades. Sucesso absoluto mundialmente e franquia mais vendida da Capcom. O fenômeno que Monster Hunter se provou é um caso curioso de um jogo que nasce como um produto nichado, recheado de peculiaridades que o tornava um de difícil entrada e com apelo muito específico, mas que com as gerações alcança um status muito, muito maior, conquistando cada vez mais fãs.

 

Com o lançamento de seu mais novo título, Monster Hunter Wilds, quero dar uma atenção especial a esse caso, por conta de um certo atrito vigente dentro da comunidade de fãs, e tentar propor e responder a questão: Para quem é desenvolvido Monster Hunter hoje e para quem será no futuro?

 

O nascimento nos consoles e adolescência nos portáteis
cena de monster hunter de ps2, com o caçador correndo em direção à câmera, fugindo de um dragão vermelho, conhecido por Rathalos
Reprodução: Capcom

Monster Hunter nasceu em um console, monoplataforma. A primeira entrada da franquia, no Playstation 2, trazia a essência do que viria a se tornar seu modelo: Hunting, Gathering e Crafting.

 

Criada com a proposta de usar as capacidades de conectividade do Playstation 2, a primeira empreitada de MH vendeu mais de 1 milhão de cópias e deu motivos para uma expansão, Monster Hunter G, e uma sequência, Monster Hunter Dos. Mas por motivos de encerramento do suporte da empresa que provia os serviços online no PS2, a Capcom resolveu levar a franquia para uma outra plataforma, o Playstation Portable.

 

O primeiro portátil da Sony foi um grande sucesso de vendas, especialmente no Japão. A qualidade dos títulos oferecidos por diversas empresas japonesas captou o interesse do público doméstico ao ponto de gerar imenso interesse de investimento, e foi ali que a Capcom arriscou portar o primeiro jogo e assim lograr êxito em formar e solidificar a maior base de jogadores da franquia, até então, encontrando seu nicho de mercado.


Captura de tela de Monster Hunter Dos, com o caçador em pé, encarando o monstro de frente, armado com uma great sword, apoiada nas costas sendo segurada com apenas a mão direita
Reprodução: Capcom

O Dos também foi portado com adições para o PSP, recebendo o título de Monster Hunter Freedom 2 no ocidente. O nome japonês era um pouco mais autoexplicativo, Monster Hunter Portable 2nd, e a expansão dessa entrada também encontrou espaço no ocidente. Nessa época, em virtude da base instalada dos portáteis ser bem diferente dos consoles, as vendas eram relativamente baixas em comparação ao mercado mais mainstream, mas animadoras o suficiente para a franquia seguir existindo, especialmente por ter conquistado seu lugar ao sol com uma comunidade de fãs empolgada e fiel.

 

Não à toa, a franquia Monster Hunter arrastou boas premiações em casa e figurou entre os títulos mais vendidos no Japão. O primeiro jogo levou o prêmio de melhor do ano no Japan Game Awards (antigo CESA Game Awards) de 2003/2004, enquanto Freedom 2, Freedom Unite, Tri, Portable 3rd, dentre outros títulos, ou ganharam prêmio de melhor jogo ou no mínimo menção honrosa por excelência.

 

O Japão realmente ama Monster Hunter, ou, como é chamado carinhosamente por lá, Monhan, e não é surpresa que o lançamento japonês sempre precedeu o internacional, devido ao foco primário no público doméstico. Isso mudou com o tempo e hoje recebemos junto dos japoneses os novos títulos.

 

Aproveitando o imenso sucesso do console caseiro da Nintendo, o Wii, a Capcom ensaiou um retorno a esse segmento, lançando Monster Hunter G, reedição expandida do primeiro jogo, bem como o novíssimo Monster Hunter Tri para a plataforma da Big N.

 

Curiosamente o plano inicial era lançar no Playstation 3, mas acredito que os números de vendas do console da Nintendo se tornaram bem mais atraentes para a Capcom do que os da Sony. O resultado da empreitada não surpreendeu muito em matéria de números, e a franquia seguiu sem muito alarde no ocidente.


Captura de tela de Monster Hunter Tri com o caçador embaixo d'água, com uma great sword nas costas, encarando um monstro similar a um lagarto grande aquático
Reprodução: Capcom

Eu confesso que o Tri foi meu primeiro contato com a franquia e a minha impressão não foi das melhores. Movimentação bastante rígida e sem salto tornava o jogo bastante duro e “pé no chão” excessivamente. As animações de ataque eram burocráticas e exigiam comprometimento, ou seja, não podiam ser facilmente canceladas e na ocasião de um erro, custava ao jogador uma senhora punição vinda do monstro sendo caçado. Mas o que mais me deixou insatisfeito foi o ritmo superlento das primeiras missões, recheado de loadings entre as seções do mapa e com inimigos pequenos e sem graça.

 

Eu não cheguei sequer a conhecer o núcleo duro do gameplay da franquia, nem sequer a enfrentar o primeiro dos monstros de grande porte, o Great Jaggi. Fiquei zanzando pelo mapa sem entender que precisava aceitar e concluir missões na vila para progredir, e isso me fez abandonar rapidamente o jogo. E eu sei também o motivo mais premente de todos.

 

A oferta de jogos piratas na época do Wii não me criava uma pressão de exploração maior de títulos cujas primeiras horas e impressões não engatavam, e MHTri sofreu completamente com isso. Por ter esse começo mais lento, com foco em matar pequenos bichos para retirar pele e carne, além de coletar plantas, ossos e minérios para juntar recursos preciosos, mais de uma hora rodando pelo mapa segmentado e com loadings demorados me tiraram a boa vontade e a paciência. E, bem, MH não era exatamente elogiado por ser caloroso com novatos, muito pelo contrário.

 

Um tempo depois, conversando com um amigo estimado, eu comentei que não entendia o apelo de Monster Hunter e porque ele era tão amado nas terras nipônicas. Mencionei que tinha achado o jogo muito enfadonho e estranho. A minha percepção inicial era de ser um jogo pseudo online um tanto confuso e desnecessariamente complexo e simplório, similar a um MMO com tarefas de coleta e caçada de monstrinhos sem dificuldade alguma. Ele franziu o cenho e me perguntou como eu havia chegado a essa conclusão equivocada, uma vez que, me conhecendo bem, ele sabia do meu imenso apreço por combates contra chefes, umas das coisas que eu mais valorizava em jogos como Zelda.


Captura de tela de Monster Hunter 3U, para 3DS, com o caçador encarando o monstro empunhando uma bowgun ou fuzilarco, acompanhado de outro jogador e seus companheiros felinos
Reprodução: Capcom

Narrei a experiência para ele e ele compreendeu 100% do ocorrido e confessou a mim que o Tri era conhecido por ser uma péssima entrada para novos jogadores. Tanto por mecânicas basilares mal apresentadas, como pela inabilidade em orientar o jogador a entender como progredir em sua campanha e como, bem, jogar o jogo. Foi aí que ele me recomendou experimentar a demo do vindouro port da franquia para o 3DS, o Monster Hunter 3 Ultimate. Resolvi baixar e testar.

 

A real é que, de fato MH Tri não havia sido tão bem recebido até por fãs, por faltar armas e conter seções de combate aquático que não agradaram muito, mas uma posterior adaptação do jogo para o portátil, Monster Hunter Portable 3rd, havia refeito o conteúdo do jogo para melhor trabalhá-lo, além de ajustar e ampliar suas mecânicas.


Reprodução: Capcom
Reprodução: Capcom

Essa versão do 3DS se baseava no Portable 3rd de PSP e não no original de Wii, mas trazia de volta o combate aquático, removido do PSP, enquanto mantinha todas as armas e fazia uma expansão do jogo base, trazendo o terceiro rank de missões conhecidas como G Rank. A demo para o 3DS trazia três opções de missões, onde cada uma se enfrentava um monstro diferente pertencente a níveis distintos do jogo, aumentando em dificuldade progressivamente, com adição de mais elementos e recursos.

 

Eu joguei essa demo e me apaixonei instantaneamente, comprando imediatamente o jogo e me lançando ao mundo das caçadas. Foi nesse momento que eu aprendi que Monster Hunter havia estabelecido algumas características de um subgênero chamado por diversas pessoas como monster hunting game. Falaremos em breve sobre ele.

 

De volta à História, após o sucesso absoluto do MH3U em sua nova casa, o portátil da Nintendo, a franquia seguiu por esse caminho seguro, recebendo um port em HD para o WiiU do MH3U, mas mantendo o quarto jogo da franquia, Monster Hunter 4, exclusivo da plataforma portátil.

 

Com o lançamento do Monster Hunter Generations, sucessor do 4, também exclusivo inicialmente do 3DS e posteriormente portado para o Switch com sua expansão, a franquia estava novamente em um momento decisivo, se preparando para a sequência principal do quarto jogo, ou quarta geração, como a Capcom prefere tratar.

 

A quantidade de jogadores se expandia e encorajava uma tomada de decisão mais ousada por parte dos produtores, como, por acaso, tentar novamente se lançar ao mercado dos consoles caseiros.


O retorno às salas, a chegada ao mercado do PC e a cisão da comunidade
Reprodução: Capcom
Reprodução: Capcom

Eis que a Capcom durante a E3 2017 anuncia Monster Hunter World, e com isso atinge uma visibilidade especial que até então não havia conquistado. O marketing da entrada para Playstation 4 se aproveitou de um momento fortuito onde o console da Sony já havia adquirido um consolidado momentum comercial, e uma base instalada considerável a permitiu migrar de vez o que ela considera como “franquia principal” para os consoles de mesa, retornando ao ambiente das salas de estar e telas grandes das TVs de LCD, em alta durante o período.

 

O resultado foi um ponto de definição para a Capcom. Mais de cinco milhões de cópias em três dias, a tornando a entrada mais vendida de toda a franquia, e o sucesso não parou por aí. World foi o responsável pela Capcom fechar seu ano mais lucrativo de toda a sua história empresarial, fechando pouco mais de oito milhões de cópias em seu primeiro ano e quebrando recordes e mais recordes até atingir a impressionante marca atual, em 2025, de suntuosos 30 milhões de cópias, incluindo as vendas da sua expansão Iceborne.

Reprodução: Capcom
Reprodução: Capcom

Uma das forças motrizes, segundo a própria Capcom, desse sucesso monumental foi desempenho comercial formidável nas plataformas pcistas do Steam e WeGame (China), consolidando o PC como uma plataforma de alto interesse para a empresa, não apenas para Monster Hunter, mas para todos os seus jogos.

 

Esse evento foi não só importante comercialmente para a Capcom, mas também foi significativo para a franquia Monster Hunter. Se antes ela era um jogo mais nichado, foi nesse momento que ela alcançou novos ares e atingiu um patamar que podemos considerar facilmente como tendo cruzado a fronteira do mainstream.


Monster Hunter agora é pop, e claro, como toda franquia popular, começam a surgir picuinhas e divergências na comunidade. Seu jogo seguinte, Monster Hunter Rise, não foi planejado com os consoles de mesa em mente e teve uma recepção dividida que eu, como agora fã de “média data”, achei intrigante. Mas para encontrar o motivo dessa divisão, eu precisei compreender algumas questões relacionadas à organização da Capcom em relação a sua filha mais popular.

 

Em um vídeo sobre “o que é uma geração” (de Monster Hunter), o produtor especialista em Monhan Gaijin Hunter explica como funciona a lógica do setor responsável pela franquia dentro da empresa. Uma divisão interna do time de desenvolvimento considera duas equipes e duas direções de design, designadas como títulos “principais” (main entries) e títulos “spin-off”, num uso livre e alternativo do termo por parte da Capcom.


Reprodução: Capcom
Reprodução: Capcom

Essa divisão foi responsável por sempre dar prosseguimento ao lançamento de novos títulos e expansões, com as chamadas gerações de cada Monster Hunter, criando um fluxo cadenciado onde nunca foi necessário esperar muitos anos por um novo jogo. Talvez não seja de seu conhecimento, mas estamos hoje na sexta geração da franquia com Monster Hunter Wilds. É possível analisar os logos de cada título e perceber a quantidade de cabeças de wyverns – um termo que significa dragonete, guivra ou serpe, em português – presente em cada um deles, denotando a geração.

 

Cada geração é centrada em um jogo principal que segue os pilares de design fundamentados desde a primeira geração, mas os chamados “spin-offs” se permitem de forma conceitual a explorar caminhos mais ousados que podem ou não ser incorporados à linha principal.

 

Acontece que MH Rise, inicialmente planejado para o console portátil híbrido da Nintendo, o Switch, pertence ao time de spin-off e, desta forma, não se configura um jogo principal da franquia. Rise não atingiu os patamares de venda de World, na verdade vendeu cerca de metade do seu irmão mais velho, mesmo tendo sido portado para PC e consoles de mesa das concorrentes após seu lançamento inicial. Fiquei surpreso em saber que parte do público o rejeitou, enquanto uma parcela conheceu a franquia por intermédio dele.

 

A recepção comercial mais amena, mas ainda impressionante para o histórico da franquia, suscitou inúmeros vídeos que você pode encontrar na internet com o tema: “Por que Monster Hunter Rise dividiu os fãs?”, dentre outros análogos.

 

As respostas dessa pergunta são o Norte dessa análise-crítica, e um dos motivos que me leva a questionar para quem é Monster Hunter na atualidade.

 

HUNTING GAME E UM NOVO MODELO DE CAÇADA
Reprodução: Expansive Worlds e Nintendo
Reprodução: Expansive Worlds e Nintendo

Uma busca empírica pelo termo Hunting Game em matéria de game design de jogos eletrônicos retorna uma construção histórica curiosa. Jogos como Deer Hunter, Hunting Simulator e diversos títulos da franquia Big Game Hunter, dentre outras séries da varejista do mercado de caça, pesca e camping estadunidense Cabela’s Inc. Jogos de pesca também compõem o gênero, apesar de serem ainda mais específicos que o termo mais abrangente.

 

Acontece que jogos de caça não surgiram recentemente, uma vez que desde os primeiros videogames temos experiências nessa proposta, algumas inclusive bem marcantes, como o icônico e carismático Duck Hunt para NES, cujos personagens se tornaram convidados no jogo Super Smash Bros da própria Nintendo.

 

Entretanto, desde que Monster Hunter estreou e ganhou mais popularidade, uma espécie de subgênero, que eu prefiro tratar como modelo de design, reuniu uma série de características que vem sendo replicadas em outras experimentações e mixagens dando origem a um termo distinto.

 

Freedom Wars, Toukiden, God Eater, Soul Sacrifice e Ragnarok Odyssey são alguns exemplos de Propriedades Intelectuais (IP) que seguiram a fórmula de Monster Hunter, sedimentando o que hoje é chamado de Monster Hunting Game. Talvez o mais recente exemplar no ambiente AAA seja o Wild Hearts, da Electronic Arts.

 

Reprodução: Phoenix Labs
Reprodução: Phoenix Labs

Inclusive antes da chegada da franquia da Capcom no PC, um time independente canadense do estúdio Phoenix Labs reuniu investimento para criar o jogo free-to-play Dauntless. A proposta era especificamente oferecer uma experiência nos moldes de Monster Hunter já que a plataforma não recebia títulos da série. Infelizmente, após a vinda da mãe do gênero ao mercado pcista, o interesse na alternativa minguou até levar o título ao fechamento de seus servidores, agora em maio 2025. Descanse em paz, Dauntless.

 

Mas afinal o que caracteriza esse modelo de design em especial? A resposta dessa pergunta é tão ampla e difusa quanto qualquer outro subgênero tornando a tarefa de definir esse modelo sempre um exercício temporário e dissonante – flashes e pesadelos com as infindáveis discussões sobre adventure, RPG, roguelike, metroidvania...

 

Podemos retornar ao mais básico como ponto de partida: Hunting, Gathering e Crafting. Obviamente caçar, coletar e construir não são o suficiente para dirimir a dúvida, uma vez que inúmeros jogos do gênero survival também contém esses elementos, por exemplo. Mas partir desses elementos e incorporar a estrutura da franquia Monster Hunter nos traz mais para perto do nosso objetivo.

“Uma estrutura de missões consecutivas com foco em caçar monstros que exigem preparo e habilidade do jogador, resultando em recompensas compostas por materiais usavéis para construir armas e armaduras e assim progredir na campanha”

Acredito que esses traços compreendem o núcleo duro da estrutura de Monhan.

 

Porém, eu estou analisando tão somente os elementos macro de gameplay que compõem o núcleo do design da franquia. Diferentes perspectivas de abordagens mais amplas de design consideram não somente estrutura de jogo e loop de gameplay como definidores de um modelo, mas minúcias que não necessariamente se tornam um consenso. Tomemos como exemplo o caso de “soulslikes”, onde vários designers argumentam que a narrativa fragmentada é um pilar fundamental do subgênero, fornecendo uma interação comunitária de montagem do pano de fundo histórico de um mundo fictício, enquanto outros não o consideram como tal.

 

São exatamente essas diferentes perspectivas que originam as diferentes visões de futuro da franquia e nos levam a questões pertinentes sobre os próximos passos.

 

UMA COMUNIDADE FRAGMENTADA
Reprodução: Ratatoskr
Reprodução: Ratatoskr

Recentemente eu assisti a um vídeo do Ratatoskr que versa sobre o exato tema mencionado anteriormente de “por que a comunidade de Monster Hunter está tão dividida”.

 

O ensaísta e crítico discorre sobre as origens da franquia e detalha o processo de criação com trechos de citações dos desenvolvedores. Podemos compreender quais são as bases que fundamentam não só o gameplay, mas também o design de cada monstro e do ambiente que jogamos.

 

Fundamentalmente, Monster Hunter sempre foi uma franquia fantástica com inspirações medievais que optou por deixar de lado elementos tradicionais do gênero como magia e dragões genéricos para criar um cenário mais mundano, ligeiramente sombrio e com aspecto mais lavado e menos vibrante de cores, recheado de criaturas originais.


Reprodução: Capcom
Reprodução: Capcom

Os monstros então seguem uma ficção evolutiva própria inspirada na fusão de animais reais com dragonetes e bestas folclóricas, com uma boa dose de especulação pautada numa coerência biológica realista. O cenário passa uma forte sensação tribalista, com mistura de elementos presentes em diversas culturas europeias e asiáticas, de climas tropicais a terras gélidas.

 

Cada novo jogo principal busca respeitar e preservar essa lore e suas temáticas, conservando uma linha coerente entre todos os títulos da IP. Muitos fãs de longa data se apegam a esses detalhes que trabalham conceitos ecológicos e mundanos mantém uma coesão entre monstro e ambiente, criando uma simbiose ludonarrativa do enredo, design conceitual e implementação de mecânicas e comportamento de cada um.


No aspecto de gameplay, fãs desse modelo mais realista e contido de design valorizam a movimentação mais dura, a ausência de saltos e malabarismos que marcam os jogos modernos e toda a sorte de golpes e movimentos exagerados que não costumavam fazer parte dos títulos principais pois fogem a esse realismo conceitual.

 

Essa facção, por assim dizer, da comunidade, preza pela manutenção desses elementos como algo essencial para a franquia, e rejeitam designs mais fantásticos ou incoerentes de monstros.

 

A questão é que, tradicionalmente, os chamados títulos spin-offs gozam de uma liberdade maior dentro da Capcom para experimentar com mais criatividade designs e mecânicas tanto dos caçadores, quanto dos monstros. Esses títulos são comumente apreciados pela diversão e inventividade que possuem, e não pela especulação ecológica ficcional evolutiva dos monstros e seus habitats. Além disso, eles têm menos foco em narrativa e cinemática, e mais em prover um fluxo contínuo de caçadas com o menor tempo de espera possível entre elas.

Reprodução: Capcom
Reprodução: Capcom

Tomemos como exemplo o título comemorativo que conhecemos como Monster Hunter Generations (3DS), e Generations Ultimate (Switch). Os diversos estilos de combate que se aplicam a cada arma, bem como as artes de caça, são extremamente irrealistas e ostentosos, mas muito divertidos e responsáveis por uma personalização incrível que promove a expressão de cada jogador.

 

É seguro dizer que os fãs que se apegam a MH pelo gameplay não supervalorizam a coerência conceitual dos designs e mecânicas, e tampouco se importam com a condução narrativa ou a presença de cutscenes e outros elementos cinemáticos ou mecânicos que tiram tempo de caçada. Eu me incluo nesse grupo.

 

Veja bem, eu não sou contra a presença de narrativa e lore no jogo, muito pelo contrário, acredito que a coerência conceitual dos designs e o realismo enriquece muito a franquia em matéria de identidade e personalidade.

 

Mas eu sou completamente averso ao tempo fora de caçada perdido em diálogos, cutscenes e toda a parte cinemática que criam espetáculo e conduzem um roteiro com apelo emocional. Todavia eu sou uma pessoa simples: me permita pular esses incômodos e eu ficarei feliz.


Toda e qualquer explanação de conceitos da trama e do mundo podem muito bem estar presentes em entradas de códices ou cutscenes opcionais, e setpieces narrativas com micromecânicas como QTE podem igualmente ser descartadas e cortadas se o jogador assim o desejar. Tudo que me tira da caçada em si não me interessa real, e entendo jogadores que estejam frustrados com a popularidade do World. Mas se você acha que isso é tudo, bem, tem mais.

 

UM CONFLITO DE INTERESSES ENTRE BUROCRACIA E QUALIDADE DE VIDA
Reprodução: Capcom
Reprodução: Capcom

Eu quero deixar bem claro que esses conceitos que apresentei são visões gerais dos estilos de design que permeiam as diversas entradas de Monster Hunter. É muito fácil traçar um comparativo com outras franquias como, por exemplo, The Legend of Zelda.

 

O mundo aberto e livre de Breath of the Wild e Tears of the Kingdom tem o seu imenso valor, mas são brutalmente diferentes da estrutura de jogo linear que governou a série desde A Link to the Past até Skyward Sword.

 

Quando A Link Between Worlds e Breath of the Wild surgiram, a comunidade de fãs se dividiu igualmente. Aqueles que apreciavam o aspecto de adventure com puzzles e travas de progresso a serem desvendados como eu não tiveram o mesmo grau de satisfação com a liberdade um tanto excessiva de BOTW.

 

Não é complicado compreender como fãs de épocas diferentes dessas grandes franquias se apaixonaram por elementos distintos de cada entrada e hoje possuem interesses conflitantes. É possível conciliar boa parte das questões, mas algumas delas são intrinsicamente opostas a outras.

 

Um terceiro grupo fã de Monster Hunter surge nessa análise, o fã do fluxo de jogo original. Vamos entender de maneira simplificada. Ao longo dos anos, MH veio conquistando cada vez mais público e a cada nova entrada uma preocupação se mostrava presente: o jogo precisa ensinar melhor os novatos, e o jogo precisa suavizar seus espinhos que afastam outros tantos.

 

Diversas alterações de mecânicas e características foram modificando o jogo em um sentido que por muitos é referenciado como ganho progressivo de ferramentas de qualidade de vida.

Reprodução: Capcom
Reprodução: Capcom

O rastreio dos monstros, por exemplo, o entrar e sair de uma missão, a possibilidade de acessar o baú principal de cada jogador durante a caçada, a possibilidade de se alimentar e ganhar buffs durante a caçada, a própria velocidade de movimentação pelo cenário, todos esses elementos foram tornando Monhan, aos olhos de muitos jogadores antigos em uma experiência aguada e banal.


Reprodução: Kiranico
Reprodução: Kiranico

Eu que comecei a jogar pelo Tri/3U posso exemplificar. Antes de caçar um monstro, era necessário coletar e fabricar itens consumíveis para o combate, uma vez que pegá-los durante a caçada custaria tempo precioso. Também antes de partir na caçada, era necessário checar em algum repositório comunitário informações compartilhadas como fraqueza elemental, partes mais frágeis do monstro, e a possibilidade de cortar ou quebrar partes específicas. Após entrar em caçada, seria impossível comprar mais itens, trocar de arma, repor suprimentos e se alimentar para ganhar bonificações.


Em campo, não sabíamos onde encontrar o monstro. Era necessário rodar o mapa para que conseguíssemos encontrá-lo e ao fazê-lo, era recomendável arremessar uma bola de tinta nele para que uma marcação no mapa nos mostrasse sua localização atual. O efeito de rastreio era temporário, então caso ele acabasse seria necessário reaplicar.


O combate era bem mais travado. Movimentos não permitiam cancelamento para rolagem, afiar armas ou consumir itens exigia mais tempo, tempo esse em que ficávamos completamente parados sem poder esquivar de eventuais ataques. O senso de “cu na mão”, com o perdão da expressão chula, era estupidamente maior.


Desde o Monster World a maior parte desses elementos foi suavizada ou eliminada. Rise e Wilds vão além nesse quesito, oferecendo uma montaria que permite afiar a arma enquanto se movimenta, além de locomoção em alta velocidade, e no caso do Wilds, movimento automático em direção a um destino selecionado.


Existe uma parcela da comunidade, os fãs da velha guarda, que estão insatisfeitos com a forma que a Capcom tornou o fluxo das caçadas em MH World em diante extremamente conveniente e facilitado. Eles gostavam muito de toda a burocracia e etapas que uma caçada exigia e alguns deles seguem jogando os títulos mais antigos, por não valorizarem esse tipo de filosofia de design que destruiu elementos que eles apreciavam tanto na franquia.


Mas quando World fez Monhan saltar de uma franquia nichada que vendia bem para um fenômeno colossal de vendas, o volume de novos jogadores soterrou completamente a velha guarda e mandou uma mensagem clara para eles: nova era, novas convenções, novo público majoritário: adapte-se ou morra.


UMA REALIDADE DITADA PELA MAIORIA
Reprodução: Capcom
Reprodução: Capcom

Dentro do ambiente capitalista de produção de jogos não existe discussão: aquilo que vende mais dita as regras. Ter se tornado tão imensamente popular fez com que a massa de novos jogadores se sentisse tão donos do pedaço quanto os antigos ocupantes e levanta uma questão sobre os rumos da franquia.


Os grupos que analisamos nesse texto são em parte antagônicos mas com uma certa boa vontade é possível coexistirem. Claro, casos mais contrastantes se tornam uma vitória da maioria e não é possível retornar às origens sem renunciar a uma parte considerável do público pagante que daqui para frente sustentará a franquia.


A Capcom é uma empresa de capital aberto e portanto, como gosto de frisar sempre, seus clientes não necessariamente o público, mas sim os acionistas. Para eles, o que fizer sentido para maximizar os lucros será apreciado, então voltamos a questão primordial: para quem é feito Monhan?


Acho um pouco piegas e pobre eu te dizer que, assim como todo jogo de empresa de capital aberto, MH é feito para os acionistas. Isso porém não tira veracidade e mérito dessa afirmação. Podemos concluir que, em última instância, essa é a resposta por trás de todas as camadas de discussão.


Mas eu quero ser um pouco mais criterioso. Conseguimos ver claramente que o público “old-school” se tornou uma minoria que nem sempre está satisfeita. Eu me considero old school e estou OK com as mudanças que a série vem sofrendo, não prefiro a burocracia de antigamente. Mas eu não falo por todos, e sim, tem gente disposta a abandonar a franquia ou viver em um estado de insatisfação perene enquanto segue acompanhando.


Já em relação ao público majoritário, é certo assumir que não existem uma grande divisão incapaz de ter uma interseção considerável. Se levarmos em conta os números de venda de World e Rise, percebemos que metade do público de World não animou a compra deste.


Os motivos? Talvez marketing, talvez gráficos, mapas mais elaborados ou o foco maior em história, ou talvez a filosofia de design que tratamos aqui. Talvez alguns simplesmente não tenham seguido na franquia após experimentar o próprio World e não gostar da proposta.


Tenho amigos que compraram o World em promoção, jogaram o Low Rank com os equipamentos especiais para facilitar a progressão que eles presentearam os novatos tardios, e quando chegaram ao High Rank e conheceram a brutalidade da dificuldade da série, descobriram que não era um passeio suave no parque, mas sim um jogo que exige bastante habilidade e preparo, algo que eles não estavam bem...preparados.


Inúmeros são os fatores que podem ter levado aos números impressionantes de World, e agora que passamos pelo Rise e vimos a queda de público, devemos esperar o desempenho do Wilds a longo prazo para poder conseguir ter uma visão mais clara do público atual da franquia. Talvez olhar para as vendas das expansões seja inclusive um indicador mais confiável para esse propósito, quem sabe.


O fato é que a Capcom seguir com dois times distintos de design manteria a série alternando entre as propostas, o que garantiria aos dois tipos de público a oportunidade de optar por jogar apenas aquela que lhe apetece ou se aventurar naquela que não lhe seduz tanto para ter algo novo e diferente.


Eu particularmente tenho minha preferência bem clara e definida, mas não é a presença dos elementos que me incomodam que irão me afastar das entradas que divergem do estilo que mais me agrada. E fico bem feliz que a Capcom tenha corrigido alguns problemas gravíssimos do World no Wilds, a citar, a impossibilidade de pular cutscenes.

Reprodução: Capcom
Reprodução: Capcom

Mesmo com uma quantidade insuportável de diálogos e cinemáticas entulhando meu fluxo com uma narrativa indesejada, a possibilidade pular a maioria deles, bem como acelerar o andamento bombeando o botão de confirmação, Wilds me oferece uma perspectiva fresca, recheada de peculiaridades próprias, que consegue trazer elementos tantos do World quanto do Rise, provando que há lugar para quase todos.


Quase porque, infelizmente, a maioria vence numa “democracia” ditada pelo lucro. Mas se tem algo que a história de Monster Hunter nos prova, é que a essência da série e do próprio modelo tem apreciadores no mundo todo dispostos a manter a série viva e, quem sabe, levá-la a novos patamares.


Mas a mais nova entrada na franquia já se provou, novamente, um título controverso. Wilds, como dito anteriormente, traz elementos tantos de World, quanto de Rise, mas não é nem um e nem o outro, e aquela linha que dividia os dois modelos fica cada vez mais borrada.


Na real, o design de Wilds combina em grande parte as qualidades de vida que Rise implementou, ao ponto de quase tornar o jogo descaracterizado em matéria de dificuldade para fãs mais hardcore. Já vemos uma porção de feedback negativo do jogo criticando sua facilidade perante outros títulos da franquia, e isso sem precisar recorrer às extrapolações do seu predecessor direto.


Ao mesmo tempo, Wilds tenta manter aquele pé no chão de gameplay que o World trazia, sem uma pá das burocracias que este possuía. Não precisamos mais rastrear, os monstros sempre aparecem no mapa, temos uma forma de nos locomover automática, o nível de interação com o cenário à pé foi praticamente reduzido a zero, os tempos de parry são bastante generosos, há uma variedade considerável de mecânicas específicas que Wilds abandona e substitui em prol de um fluxo mais contínuo do seu núcleo, a caçada tête-à-tête com o monstro.


Esses detalhes parecem pequenos, mas em conjunto tornam Wilds um dos títulos mais fáceis (e acessíveis) da franquia, o que, ao mesmo tempo, mixa elementos das experiências mais modernas enquanto tenta agradar gregos e troianos. O resultado é, novamente, divisivo, com fãs reclamando, mas milhões comprando. E num ambiente averso ao risco como é o AAA, fica a pergunta, mais uma vez: pra quem está sendo feito MH hoje?


A minha resposta segue olhando para o fenômeno perene que é a dissonância entre números de vendas e as reclamações da comunidade, um caso patente onde o voto com a carteira parece deixar claro que as vozes discordantes são minoritárias. E no fim das contas, Monster Hunter segue sendo Monster Hunter em sua essência, para todos os efeitos, mesmo sem sabermos como será a próxima geração ou mesmo se ainda haverá uma divisão clara entre os designs dos times distintos main e spin-off.


É difícil prever o futuro nesse sentido, contudo parece safo e tranquilizante saber que a fórmula basilar do modelo segue provada e aprovada, com números comerciais robustos, nos permitindo acreditar na longevidade da IP para a alegria dos fãs leais a ela, mesmo com insatisfações pontuais registradas, mostrando que a franquia segue forte em público independente de qualquer coisa. E acima de tudo, segue sendo uma das minha franquias mais estimadas. Vida longa à Monhan!

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