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Foto do escritorFelipe Lins

Shashingo e o potencial do "edutenimento" — Análise | Artigo


É possível aprender com "edutenimento"?

Toda vez que a proposta de um produto é "aprender algo" através dele, é natural que se crie expectativas positivas e negativas baseado na própria premissa. Esse gênero educativo é algo que existe há décadas desde os primórdios dos videogames e já foi objeto de muito estudo e debate acerca de suas metodologias e o mais importante, sua eficácia em de fato ensinar o que se propõe. O campo do Serious Games costuma estar associado ao uso de jogos para aprendizado de habilidades múltiplas, em especial em ambiente escolar e empresarial, investindo bastante na criação desses jogos e sua promoção.


A essa categoria específica é dado o termo "edutainment", uma palavra composta por justaposição, também conhecida como portmanteau em inglês e francês, onde duas palavras são combinada em uma só. Neste caso, educação (education) e entretenimento (entertainment) se juntam pra denominar esse tipo de produto.


Edutenimento, com a liberdade do neologismo, encontra inúmeros exemplares, sendo uns mais ricos em gameplay do que outros. Mas, se tem algo que aprendi com Jane McGonigal em seu livro "A Realidade em Jogo" e Arin Hanson em sua série "Sequelitis", é que jogos possuem um potencial de ensino que não precisa necessariamente envolver a categoria de edutenimento para atingir seu fim, uma vez que parte desses softwares são mais focados em uma interação mais limitada e menos em um design mais complexo de jogo tradicional, buscando aumentar o engajamento do público na sua rejogabilidade e abrindo mão de uma extensa campanha que forneça o tipo de conteúdo mais amplo que normalmente os jogos possuem.


Independente dessas questões mais acadêmicas e pragmáticas acerca da natureza e qualidade dos jogos, dentro dessa categoria em especial uma boa quantidade de títulos se dedica a ensinar idiomas. As séries "My Coach" no Nintendo DS, por exemplo, e a série "Influent" no PC, se destacam por oferecerem atividades e modos de jogo que prometem auxiliar o jogador a aprender as diversas línguas que eles são oferecidos.


No universo web e mobile, temos inúmeros apps e sites como o famoso e controverso Duolingo, que se dedicam a oferecer experiências gamificadas para o aprendizado de línguas, em especial o Japonês, frequentemente criticado por nativos e professores de idioma.


A crítica se baseia muito no quão não-natural são as conversas e frases utilizadas nos exemplos, primariamente, e talvez sejam mais problemáticas em compreender que nenhum desses softwares possui o poder de ensinar um idioma por si só.


A língua japonesa, por acaso, é uma das que mais costuma ter jogos específicos para tal fim, talvez devido à demanda maior pelo aprendizado e fixação dos ideogramas, que exigem muita repetição, além da própria cultura de videogames que é forte no arquipélago nipônico e tem muita presença na ecologia midiática popular do país.


Existem tantos jogos estrangeiros para aprendizado de japonês como jogos infantis produzidos pelo mercado interno para auxiliar as crianças a aprender. Em sua maioria, são focados em fixar vocabulário e kanas, o silabário japonês, além dos ideogramas usados regularmente no dia-a-dia.


Como estudante de japonês, eu mesmo já me aventurei e experimentei inúmeros jogos com a proposta de edutenimento. Jogos como "Learn Japanese RPG", "Learn Japanese to Survive" e a própria série Influent, já mencionada, são todos focados em explorar essas habilidades específicas.


Praticamente nenhum jogo de edutenimento se arrisca a tentar ensinar gramática de forma mais profunda, talvez pelo imenso trabalho que seria necessário para fazê-lo e o potencial lucrativo duvidoso que tornam a tarefa cheia de incerteza e talvez por isso nenhum grande produtor se arriscou até hoje, até onde eu saiba.


Em verdade, é mais fácil encontrar aplicações e portais que usam minijogos em conjunto com suas aulas para conseguir ensinar de maneira mais segura e diversificada, além de atrelar o uso das plataformas de aprendizado ao pagamento recorrente de mensalidade/anuidade, assim garantindo a sustentabilidade do projeto.


Nesse contexto, qualquer novo jogo que saia no mercado se faz necessário que o consumidor seja bastante consciente do que pode esperar dele. Nenhum jogo existente, tampouco plataforma, até onde sei, é capaz de ensinar plenamente qualquer língua por meio de jogos de edutenimento.


Existem nuances e expressões que só são possíveis de aprender através do consumo de mídia nativa, não necessariamente voltada para o ensino. Então, pra todos os efeitos, todos os jogos desse segmento do mercado atuam como complementos ao estudo regular e formal, trabalhando habilidades específicas e jamais substituindo o consumo de outros materiais produzidos pelos falantes nativos.


Pra ser bem sincero, eu sempre recomendo aos meus colegas de estudo de japonês somar jogos de edutenimento com jogos comuns, escritos em língua japonesa, mas de outras categorias. Os próprios jogos da Nintendo, como Mario e Pokémon, por exemplo, sem esquecer os excelentes jogos da Level-5 são excelentes para aprender e ampliar os conhecimentos na língua, em conjunto com os jogos de edutenimento e estudo gramatical formal.


E como entusiasta de eventos de jogos, foi em uma destas mostras eventuais, não lembro se no Wholesome Direct ou Guerrila Collective, mas certamente dentro do Summer Games Festival, que conheci o charmosinho trailer de Shashingo.


aprendendo e fixando vocabulário com fotos

Formado pela junção de palavras japonesas, Shashin, fotografia, e Go, língua/linguagem, o título significa "A linguagem da Fotografia" e me chamou imediata atenção por sua proposta de unir o conceito de fotografar já visto em jogos como Umurangi Generations e Pokémon Snap com um conceito presente em Influent de buscar objetos a partir de uma palavra, promovendo o aprendizado de japonês, mistura típica de jogos de edutenimento.


Desenvolvido majoritariamente por apenas uma pessoa, Ryan Pocock, do estúdio independente inglês Autumn Pioneer, e auxiliado por Kenya Abe com a tradução e composição sonora, Shashingo tem uma proposta simples e divertida: explore um ambiente virtual ficcional baseado nas ruas de Tokyo e fotografe objetos e locais ao seu redor.


As fotos são reveladas instantaneamente com uma legenda em japonês referente ao objeto fotografado. Um cartão é criado, com a palavra e a foto na frente, e um vocabulário associado na parte de trás. Simples, prático e você já adiciona aquela palavra/foto ao seu álbum. E aqui que começa a segunda parte da brincadeira.


Uma vez que você monte uma boa quantidade de vocabulário, você pode ativar o modo lúdico de busca. Nesse modo, o jogo irá te mostrar uma palavra com sua pronúncia para que você busque ela no cenário e a selecione com a câmera.


Você pode configurar parâmetros da brincadeira, como quantidade de erros aceitáveis e de palavras a serem caçadas. Após concluir a tarefa, o jogador é recompensado com uma quantidade de moedas, que pode usar para comprar nas máquinas de gachapon novos filtros especiais e bordas para aplicar às fotografias.


Existe mais uma porção de detalhes e ajustes que o jogador pode fazer para dificultar ou facilitar a experiência, além do álbum de fotos conter uma pequena seção onde se pode aprender um básico, bem básico, de gramática japonesa.


Shashingo transpira carisma e esbanja esmero visual. E se esforça em apresentar material útil para que você revise ou amplie seus conhecimentos. É um jogo totalmente recomendável para iniciantes que estejam no nível N5 do teste de proficiência de japonês ou até mais, para relembrar e fixar pronúncias de kanjis mais avançados usados nos compostos.


O ambiente é rico e detalhado e inclui um auxílio para ler publicidades e outras peças visuais espalhadas pelo cenário, sendo não só útil dentro do jogo, mas também fora, já que capturas de tela podem ser usadas pra montar baralhos de Anki ou outro app de flashcard.


Seus três anos de desenvolvimento entretanto trouxeram um peso para o desenvolvedor e algumas coisas poderiam ser melhoradas no produto. O tamanho do ambiente virtual é suficiente, mas diversos objetos não são fotografáveis, como chão, portas e janelas, maçanetas, jarros, partes menores de objetos grandes, como pneu dos carros, e também não se trabalha nem adjetivos como cores, por exemplo, nem o vocabulário associado a cada foto.


Talvez mais modos de jogo pudessem explorar a formação de frases usando esse conjunto de vocabulário composto pelos objetos das fotos combinado com as palavras associadas no verso de cada uma. Certamente iria exigir mais do desenvolvedor, o que nem sempre é viável. Só quem passa pelo estresse de um desenvolvimento independente sabe como é doloroso cortar ideias para viabilizar o lançamento de um projeto.


Mesmo que Shashingo possa vir a ser ampliado no futuro ou não, seu estado atual é uma experiência concisa e divertida. Seu conteúdo é suficiente pra entreter e convidar ao replay diversas vezes já que, por meio do auxílio visual, facilita bastante a memorização das palavras, e leva um certo tempo para masterizar as palavras, juntar moedas suficientes para comprar todos os filtros e bordas, além de conquistar todos os achievements que aqui são o perfeito incentivo para retornar ao jogo diversas vezes.



Texto editado e revisado por Gabriel Morais de Oliveira (@GabrielHyliano).




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