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Foto do escritorFelipe Lins

Solatorobo é o caso em que nem sempre a experiência original é a melhor ideia — Análise | Crítica

Atualizado: 7 de ago.

Normalmente eu sou uma pessoa que valorizo a experiência original, especialmente se tratando de hardware. Jogar jogos pensados pra consoles específicos implica jogar na resolução, no tipo de tela, na placa de áudio e no controle adequado para o qual o jogo foi desenhado, executado e aprimorado.


Ainda tendo meu Nintendo DS em mãos, resolvi jogar Solotarobo, um dos jogos mais bem avaliados e elogiados pelos jogadores no console. Como tenho múltiplos consoles portáteis (DS, 3DS, Vita, Switch e Steam Deck), é comum que eu resolva jogar um jogo por plataforma, adicionando também nessa mesa a jogatina no PC desktop.


Por conta de diversos fatores, incluindo os múltiplos jogos que jogo, Solatorobo me consumiu alguns bons anos pra terminar. Só no Backloggd eu tenho sessões logadas que datam desde 2021, mas estou certo que comecei antes e só agora em 2024 eu o terminei, ou seja, pelo menos 3 anos foram necessários para enfim eu finalizá-lo.


Mas devo dizer de antemão, nada disso é porque ele seja ruim, não mesmo, mas sim por algumas características dele que são desagradáveis e me fizeram muitas vezes cansar do ciclo e me afastar pra só depois voltar.


Via de regra os jogos, especialmente RPGs, que eu jogo em portátil são finalizados mais rapidamente ou de fato finalizados. Isso porque eu tenho uma tendência enorme de abandonar jogos que jogo somente em um console de mesa ou somente no PC por conta do local fixo de jogo.


Solatorobo é um jogo de Nintendo DS, o que teoricamente deveria ter feito com que eu o finalizasse mais rapidamente, mas por motivos que tratarei aqui isso não aconteceu. Esse RPG de ação da Cyberconnect conta com ideias bastante fora da curva o que me motiva muito, então me veio espontânea essa reflexão acerca da minha relação com ele, especialmente por causa dessa incongruência entre gostar do jogo, mas não da experiência.


A exploração das cidades em Solatorobo é feita de uma maneira bem similar a diversos outros JRPGs. Andamos por segmentos da cidade, entramos em alguns locais e falamos com diversos NPCs. Alguns deles serão somente conversa mole, outros serão importantes para o roteiro principal, ou mesmo para receber e resolver missões.


O ciclo, ou loop de gameplay, aqui aportuguesado, de Solatorobo é pautado em missões. Uma agenciadora se encontra em todas as cidades e nos confere trabalhos que podemos escolher de uma lista, tanto relacionadas ao caminhar da trama, como também tarefas secundárias. Daí então saímos em busca de realizá-la e ao concluir recebemos uma recompensa.


É uma estrutura que oferece nas missões principais o desenrolar da história e nas secundárias uma oportunidade de se fortalecer e obter melhorias para o protagonista, ao qual estamos no comando o tempo todo. Contudo, é necessário realizar obrigatoriamente algumas missões secundárias para poder juntar pontos para uma espécie de ranque e assim liberar a continuidade do roteiro principal. Isso atrasa um pouco o avanço e, levando em conta a experiência geral do jogo, acaba atrapalhando bastante o progresso.


Mas o primeiro aspecto que chama mais a atenção em Solatorobo é sua direção de arte, especialmente no tocante ao design de personagens, explorando criaturas humanoides antropomórficos peludos de traços caninos ou felinos, também conhecidos popularmente como furries, além de cores que dão também ao cenário das cidades tons vibrantes e vivazes.


O design de todos os personagens envolve essas características antropomórficas e incorpora elementos tecnológicos caprichando no estilo individual, algo tipicamente japonês, especialmente em animações. A atuação de voz confere personalidade aos protagonistas e antagonistas e existe tanto na forma de linhas de diálogos completas dos personagens durante as cutscenes como também na forma de frases curtas e palavras soltas que eles balbuciam durante as falas de texto.


Essas frases são compostas por palavras nitidamente francesas, bem como o nome dos personagens. Mesmo com o hardware de som fraquíssimo do DS é possível identificar frases como “Bonjour” “Salut” e “Et vois la”, além do balcão de missões exibir um letreiro com a palavra "Quête" (francês para o jargão conhecidíssimo "quest") o que levanta dúvidas sobre as influências francesas no título ou na franquia como um todo, já que Solatorobo faz parte de uma série de jogos que contém títulos como FUGA, Little Tail Story e Tail Concerto, chamada Little Tail Bronx.


Inclusive, Solatorobo é um importante marco na lore da série, já que detalha eventos massivos que transformaram o mundo que leva o nome da franquia, este que é compartilhado entre os jogos.


A nossa história começa seguindo as aventuras do nosso protagonista, Red the Hunter, um antropomorfo canino que pilota um robô utilitário dotado de longos braços e a habilidade de levantar coisas pesadas. Nestas primeiras tarefas de introdução do jogo acompanhamos Red realizando missões mundanas de transporte de carga dentre outros tipos de trabalhos...


Ao longo do tempo as missões começam a introduzir a aventura nos moldes clássicos da Jornada do Herói, e vemos um trabalhador comum de basicamente transporte e relocação de objetos pesados se envolver em eventos importantes até culminar em momentos épicos que tratam do papel da humanidade em relação ao cuidado com planeta.


É curioso que essa habilidade ludonarrativa é o ponto central não só da narrativa, mas do gameplay e do combate também. Aqui em Solatorobo os encontros com inimigos não são resolvidos na base do tapa ou de socos, mas sim erguendo-os e lançando-os ao ar para em seguida aplicar golpes de arremesso, no melhor estilo de personagens de luta focados em agarrar (pensou Zangief? Pensei Zangief).


É incrível como tudo nesse combate pouco ortodoxo é desenhado para girar em torno dessa mecânica, inclusive com alguns inimigos oferecendo variações como a de lançar projéteis que podem ser interceptados no ar ou coletados no chão para serem arremessados de volta neles, causando assim dano neles.



Mas nem só de lutas são compostas as missões de Solatorobo. Uma série de puzzles e a própria exploração vão usar a habilidade chave do robô de Red de mover coisas grandes e pesadas e assim remover obstáculos, criar estepes para chegar em pontos mais altos e aqui e acolá quebrar essa dinâmica ao exigir que o piloto saia do robô para passar de certos trechos a pé.



Intercalando ainda com as missões de realização de tarefas secundárias ou andamento da história há um minigame de corrida de naves bastante interessante. Na própria tela inicial é possível iniciar direto num modo de jogo somente de corrida, o que torna esse aspecto bastante robusto por si só.



Não vou detalhar muito, mas o sistema para subir níveis e habilidades no jogo envolve ganhar experiência nos combates e juntar dinheiro para comprar peças que permitem ao jogador customizar e melhorar aspectos individuais técnicos do robô, como força, defesa, velocidade de movimento ou força hidráulica para reduzir o esforço de erguer coisas.



Todas as ideias que compõem o design são extremamente criativas e fora da caixa, típico de jogos de JRPG que exploram bastante variações de gameplay por meio de sistemas diferenciados e aspectos únicos. Isso faz com que Solatorobo esteja sempre explorando as ideias já apresentadas como mixando e trazendo novas mecânicas para interagir com as já conhecidas ou para quebrar a monotonia com ações diferenciadas.



A apresentação do jogo também é um aspecto extremamente agradável, tanto no design de menus e interfaces, como nos diálogos e cutscenes animados por ninguém menos que o próprio estúdio Madhouse. É uma superprodução em todos os sentidos para um console que sinceramente...não a merece. É aqui que o brilho de Solatorobo começa a esvanecer.



Absolutamente todos os aspectos que detalhei anteriormente são prejudicados pelo hardware original do Nintendo DS. A qualidade das animações, altamente comprimida para a pequena tela do portátil, a qualidade dos efeitos sonoros e trilha, com mixagens que conseguem brilhar mesmo com o aspecto abafado, e o controle da movimentação que é desconfortável pra caramba, sem mencionar outros aspectos técnicos como a resolução e até a taxa de quadros que machucam a fluidez de algumas cenas.


O ciclo se torna exaustivo por alguns motivos, mas especificamente pelo controle, feito pelo digital do DS. Como ele não possuía analógico, a movimentação segue padrões da época do Super Nintendo e Megadrive, além do começo do PlayStation antes do surgimento do DualShock.



Ela é rígida e exige do dedão a pressão de duas direções diferentes no controle em cruz do DS para andar na diagonal. Soma com a câmera fixa típica de RPGs da era 16bits, mas em cenários menos bidimensionais e resulta em uma sensação como a de jogar um jogo 3D com controles apropriados para duas dimensões, oferecendo uma movimentação irregular e pouco orgânica.


A movimentação por cenários longos, além do combate, a trilha sonora que às vezes opta por canções mais mornas e tranquilas para seções que mereciam um acompanhamento mais enérgico e urgente, junto do volume de texto dos diálogos que não tem um ritmo tão bom de animação de escrita (as letras vão aparecendo vagarosamente como se estivessem sendo digitadas) compõem um ritmo de jogo um tanto monótono e fisicamente exaustivo.


O sistema de missões ajuda a criar pausas que são uma faca de dois gumes. Tanto servem para descansar como servem para que você pare de jogar, o que acaba atrasando o andamento da história, que eu jurava ter levado muito mais tempo líquido do que de fato levou.


Nesses 3-4 anos que levei pra terminar eu busquei realizar diversas missões secundárias para explorar bem o jogo, mas nas últimas 10h eu só queria acabar com tudo e encerrar de vez a história. E só são 20h de jogo, o que é pouco para um RPG. Metade do jogo eu já não aguentava mais fazer missões secundárias em virtude do ritmo lento e sonolento de sua resolução e andamento.


O que torna a sensação de duração do tempo do jogo maior do que deveria, pelo que reparei, é justamente essas frequentes pausas que é necessário fazer por causa do cansaço físico e mental que o jogo provoca. Soma ao fato que frequentemente eu ficava desestimulado de pegar no DS para jogá-lo, então tome uma jornada que demorou bem mais do que deveria, ou para recapitular e frisar bem 20h líquidas se tornaram por volta de 4 anos brutos.


Lógico que tem questões pessoais extras que contribuíram para essa demora. A abundância de títulos e jogos mais dinâmicos e interessantes nas outras plataformas, além de controles melhores menos cansativos me mantinham preso em outros jogos e a vontade de voltar para Solatorobo era bem baixa. Por vezes considerei abandoná-lo, mas eu queria muito ver o final da trama.


Até porque a história é bem bacana, de verdade. Divida em duas partes, ela lembra a estrutura de um anime. É até curioso como as próprias missões secundárias que engordam o jogo e a estrutura dele dão esse ar episódico. Os capítulos são sempre abertos com uma tela de apresentação e fechados com um icônico “Continua” (“To be continued” em inglês, “つづく” em japonês) pra reforçar ainda mais esse aspecto.


Os temas explorados são bastante variados. De temáticas mais macro como piratas aéreos e máquinas (aeronaves e robôs) a temas mais filosóficos, complexos e profundos como razão de existir, o conceito de ser uma falha, a evolução da humanidade e a consequência de seus atos, o apocalipse, transumanismo e ambientalismo, tocando em vidas artificiais e aspectos mais tradicionais como arrogância juvenil, família, amizade e a necessidade de cooperação para triunfar sobre as adversidades.


Solatorobo um título riquíssimo em diálogos que abordam de leve essas temáticas e uma trama que explora uma espécie de “desejo de reset” que diversos vilões demonstram em erradicar tudo e começar do zero para tentar resolver os problemas do mundo, mas que nunca será uma solução definitiva.


A jornada em Solatorobo (que é uma justaposição em japonês “Sora to Robo”, significando "Céu e Robô", esqueci de mencionar antes, perdoem) é divertida, única e certamente marcante. Contudo, o seu hardware original é um grande desestímulo a jogá-lo. Se fosse para recomendá-lo para alguém hoje em dia eu diria sem falta: jogue o cartucho no console sucessor, o Nintendo 3DS, ou emule, pois jogar na experiência original é infelizmente um demérito.


Usemos e abusemos da modernidade ao visitar ou revisitar esses títulos antigos. Vale a pena a qualidade de vida, tanto em matéria técnica do dispositivo como do próprio design. Fica a lição que, em muitas situações, jogar no hardware original não será mágico coisa alguma. Pode ser doloroso, problemático e até arruinar boa parte da experiência.





Texto editado e revisado por Maya Souza (@ShinMayanese).



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69 visualizações2 comentários

2 Comments


Rarkunho
Rarkunho
Aug 06

Essa é a única e primeira vez que vejo um brasileiro falando sobre o jogo, e o meu problema com o jogo é justamente o que foi dito na análise. O hardware do DS infelizmente leva o que é uma obra muito tecnicamente impressionante à diversas limitações impostas pelo portátil. Joguei o jogo no 3DS onde não tive o problema com o dpad do DS original, então minha experiência foi bem mais agradável, mas tirando isso, ainda acho que o jogo teria sido muito mais interessante em uma plataforma mais capaz de suportar os... 9 artbooks de +1000 páginas de conteúdo que tinham planejado pro jogo. Felizmente, Fuga Melodies of Steel continuou a série em plataformas recentes que são mais…

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Caramba, fico muito feliz com o reconhecimento, e obrigado pelo comentário. Fico também imensamente triste de saber que um universo tão bacana com jogos tão importantes qto Solatorobo e Tail Concerto fiquem sem ter acessibilidade nos consoles modernos. Eu tbm joguei parte do jogo no 3DS e melhorou um bocado a mobilidade, tornando a experiências menos dolorosa, perdendo apenas a autonomia insana do NDS. Mas a gente meio que tem de concordar que, num ambiente extremamente mercadológico e averso ao risco pelo desperdício de capital investido, faz sentido não fazerem remakes desses jogos. A Bamco toma decisões com base na sobrevivência empresarial, e são muitos empregos e famílias que dependem da sustentabilidade do negócio, então é foda que tenha de ser assim. Mesmo…

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