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The Last of Us é uma série televisiva que não deveria existir – Artigo

Atualizado: 1 de out. de 2023

Entenda a seguir como Neil Druckmann tem invalidado os fundamentos artísticos dos seus próprios jogos com a adaptação da HBO Max.


Discutir se “vídeo game é arte ou não” já se tornou uma pauta extremamente batida nos últimos tempos. Se você acompanha meus textos, sabe que a minha postura sempre foi cristalina: para mim, toda forma de expressão é arte. Digo isso pois, apesar do título sugerir que o texto a seguir se inclinará para uma discussão do gênero, garanto que esse não é o caso.


Também faço questão de deixar clara outra das minhas posturas para os leitores: eu não ligo nem um pouco para The Last of Us. A “Parte I” é uma experiência média e bem executada, mas que se equipara somente a um simples fragmento de um dos melhores momentos de The Walking Dead, seja da série de jogos ou televisiva. Nada de especial. Após jogar Ico, e com o passar dos anos, o pouco brilho que TLOU tinha para mim vai se perdendo cada vez mais. Não tenho vontade nenhuma de tocar no segundo título e todo o alvoroço que o fenômeno em volta de The Last of Us causou realmente me incomoda, principalmente os discursos como “TLOU é o único jogo que existe em que você sente emoções e que te desafia nisso, ou aquilo...”. Porém, o mais importante e que será discutido nas entrelinhas deste texto crítico é o estado em que a indústria de jogos AAA se encontra atualmente, a postura da Naughty Dog em relação aos seus jogos, o próprio TGA (The Game Awards), e agora, a série de The Last of Us.


Normalmente evito fazer textos negativos. É muito mais divertido falar sobre coisas que acho interessante, enquanto dou o meu julgamento, mas o que vocês estão prestes a ler se trata da questão negativa em relação a postura da Naughty Dog com a sua criação, juntamente com a série que está por vir. Ressalto que muitas das coisas a serem ditas podem se provar ao contrário caso o trabalho realizado na série seja realmente bom, mas por enquanto, ficam as minhas indignações. O porquê delas? Você confere a seguir.


A conversa sobre jogos que não deveriam ser considerados ou feitos como jogos

Desde que os estúdios de jogos começaram a ficar mais ambiciosos e vídeo games deixaram de ser um nicho pequeno experimentando o potencial da mídia, todo um discurso em volta desse fenômeno surgiu, e que pode ser resumido em: se jogos são uma experiência puramente pensada em volta de descargas rápidas de serotonina no organismo através de vários desafios e diversão sem muita complexidade, por que introduzir nas obras fruto dessa mídia grandes conceitos e narrativas? Por qual razão fazer o que os livros e filmes já fazem, através de algo que inicialmente foi pensado como brinquedo para uma criança?


Se você tem o hábito de consumir vídeo games sabe que esse é um discurso amplamente propagado, seja através de pessoas falando que “os jogos do Hideo Kojima seriam melhores como filme”, que “The Order 1886 não deveria ter sido lançado como jogo”, que “Shenmue deveria ser uma animação” ou até mesmo que “jogos com muito texto deveriam ser livros”. Trata-se de algo recorrente, e até mesmo os jogos da Naughty Dog sofrem demais com esses discursos.


Todos já ouvimos muito o termo “filminho” sendo utilizado por aí pejorativamente, e o resultado acaba se dando em um debate entre gerações, não no sentido de que jogos antigamente não tinham ambições artísticas ou tentavam implementar elementos de outras mídias à sua própria maneira, até porque quadrinhos sempre tiveram elementos cinematográficos, filmes sempre buscaram inspirações nos livros, e por aí vai. É um fenômeno totalmente natural.


O que acontece, na real, é que os jogos são um fenômeno recente, sequer algo centenário. Ainda existe uma grande parcela de pessoas que exclusivamente veem jogos como algo recreativo e sem profundidade (vide as discussões recentes e recorrentes sobre o enquadramento devido ou não de jogos na pasta do Ministério da Cultura). Junto da falta de estudos acadêmicos na época sobre esse fenômeno, acabou se criando uma bolha que desvalida qualquer tentativa de entendimento, como tentar compreender o que significou o primeiro jogo do Mario em relação a ambição artística. É muito difícil para a geração que joga vídeo games desde antes do SNES, época em que realmente começou a explodir movimentos mais artísticos na área, pegar, por exemplo, qualquer campanha da trilogia de Mafia e tentar compreender as longas cenas de estudo dos personagens e viagens de carro, ao invés de sair causando o caos por aí.


Essas discrepâncias com a maioria dos antigos jogadores refletem em pessoas que não conseguem ver as ambições de um projeto que não seja puramente por meio de gameplay (jogabilidade). Para esses, se você não está se deliciando por apertar botões toda hora, o jogo provavelmente não está “honrando” seu objetivo de criação. E mais, por conta de livros, séries e filmes terem uma validação acadêmica maior, qualquer coisa que um jogo como Persona tentar, pela sua natureza de muito texto, terá como resposta que sua existência seria melhor se o jogo não fosse jogo, mas sim qualquer outro tipo de mídia. Iria colocar animações na lista também, mas como o próprio Del Toro disse recentemente “nos Estados Unidos [o problema] é que se pensa que a animação está destinada apenas para as crianças, quando na realidade é uma arte adulta”[GM1] ).


Hideo Kojima até hoje é usado como exemplo de estudante de cinema que foi para os vídeo games para realizar as suas metas cinematográficas.


Filmes podem ser usados do jeito que o diretor quiser para se expressar, independente de como o mercado à sua volta vai reagir. Tudo o que se movimenta na tela é utilizado para expressar algo, seja por meio do áudio ou do visual. Por que com os jogos deveria ser diferente? A mesma regra deveria se aplicar à todas as mídias, não é mesmo?


Não existe coerência nenhuma em querer que os responsáveis por trás dos jogos não usem as técnicas que se encontram ao seu dispor, ainda mais quando elas podem ser usadas para aprimorar ainda mais a experiência de imersão. Sifu, Ghost of Tsushima e Asura’s Wrath são ótimos exemplos de filmes que podem ser “jogados” (ou anime longa-metragem, na última citação), ao invés do supremo – contém ironia – The Last of Us. Tudo em volta desses jogos gira em torno de replicar a experiência, toda ação que o jogador toma tem um peso e é reproduzida de maneira cinematográfica, de acordo com a abordagem que o respectivo estúdio decidiu adotar. Trata-se de uma forma de experienciar o que essas mídias oferecem através de uma interação que bebe da Sétima Arte, e a natureza do vídeo game, como mídia interativa, acaba dando mais força para essa representação quando apresenta um trabalho bem feito. Não é unicamente Asura quem está lutando com toda a sua raiva, sem nunca desistir por um minuto. Todo soco que ele desfere é o mesmo que o jogador também está desferindo. O peso das ações em cena é igualmente real para os dois. Existem algumas teorias que dividem o que acontece em tela com o envolvimento do jogador, mas isso não vem ao caso, por hora. O importante é: esse debate em que "jogos que adoram uma postura mais textual ou cinematográfica deveriam pertencer às mídias vizinhas (livros e filmes)" é besteira, e considerando o tempo que gastei vendo as adaptações, novelizações e transcrições dessas obras nos lugares onde “realmente” deveriam ter sido feitas, isso fica ainda mais evidente.


O debate fica ainda mais atual quando consideramos a volta do boom dos filmes de jogos, como por exemplo, World of Warcraft, Super Mario Bros. e a estreia dos animes de NieR: Automata e Shenmue. Nos anos 80 e nas novas tentativas de adaptações no começo dos anos 2000 existia um estigma de que essas obras eram ruins por não serem fiéis ao produto adaptado. Poucos filmes eram considerados bons, como o primeiro Mortal Kombat (1995), que até hoje a franquia de jogos usa como base para muitas de suas decisões. Em contrapartida, os filmes de Resident Evil são tidos como exemplos ruins de forma errada (não estou defendendo), e até hoje, independente do trabalho feito, isso se mantém para o grande público. Atualmente, existe um pedido muito grande para que jogos virem filmes, o que não é um problema. Repetindo o exemplo, Mafia em formato de filme seria uma oportunidade gigantesca de um estudo de personagem que não se baseasse na construção de mundo e missões imersivas que encontramos no jogo, algo interessante de se ver, o que não pode ser feito se o objetivo for uma transcrição exata do jogo nas adaptações. O segundo filme do Sonic – mesmo sendo realmente bem melhor – foi bem mais recebido que original por abraçar uma abordagem mais fiel, enquanto uma parcela o aplaude pela captura do espírito de Battle Shōnen que os jogos mais focados na história do Sonic têm. E quando você vê um dos casos de rejeição do público pelo material diverso do tradicional esperado da gameplay, acaba sendo engraçado.


O jogo original de Shenmue teve uma adaptação em filme lançada no cinema próximo a data de estreia do segundo título, uma recapitulação do primeiro jogo em uma hora. Podemos resumir a experiência em uma “gameplay” com câmera configurada para parecer mais cinematográfica, com momentos de exploração, interação, cenas de ação e desenvolvimento da história, com exceção de um detalhe: retira-se a mão do jogador. Isso é horrível, um experimento curioso, mas doloroso de se ver, e mostra bem como esse “papo” não funciona. Porém, uma adaptação em anime foi lançada, e mesmo ela decretando o fim dos jogos por conta da sua baixa audiência, é um exemplo bem legal do que se dá para fazer em uma adaptação. No anime, ampliam-se aspectos do jogo original, dando mais tempo de tela para personagens ignorados, evitando tentar fazer o impossível – recriação de cenas que só funcionam nos jogos – como a sequência do treino de folhas, ao mesmo tempo em que oferece ótimas cenas como a curta revanche entre Ryo e Lan Di, que amplia toda a temática do momento final.


Não é que seja impossível uma convivência dos dois estilos, é só que querer que cada forma de arte não use o que tem ao seu dispor para dar valor ao que está sendo apresentado é uma posição limitadora, e burra. Hotline Miami não seria esse clássico se abandonasse a mistura de estilos psicodélicos para ser unicamente um jogo sobre matar mafiosos russos com um taco de beisebol, sem identidade. É nessa dicotomia entre "jogos que o público preferia que fosse filme" que nasce o problema com a Naughty Dog e a forma que ela tem tratado The Last of Us, especificamente com a série que teve o seu primeiro episódio lançado na HBO Max.


Dando uma Rápida olhada nas falas de Craig Maizen e Neil Druckmann

Segundo Craig Maizen, The Last of Us é a melhor história já feita para um vídeo game por conta de diversas baboseiras como “não ter ninguém soltando lasers e matando inimigos toda hora”, “os filmes de jogos não funcionam por conta do material fonte ser ruim” ou os produtores não entenderem que mortes em gameplay significam menos do que em filme. Tudo isso é polêmico, principalmente a primeira fala, com quem muitos concordam.


Pegando para ler as entrevistas dadas (links no final do texto para os interessados), acaba sendo interessante analisar o raciocínio por trás dos envolvidos na série. Tanto Pedro Pascal, que interpreta Joel, quanto Bella Ramsey, no papel da Ellie, não jogaram o jogo e apenas assistiram trechos. Não se sabe se foi para que a experiência não interferisse na própria versão do show ou por simplesmente não terem contato real com a mídia (Pascal disse que desistiu após 10 minutos, deixando seu sobrinho jogar no lugar).[GM1] Sem problemas com essa questão, sendo que até o próprio Robert Patinson rejeitou conselhos de Christopher Nolan para a audição que lhe rendeu o papel como Batman. Casos em que o contrário acontece também existem, como Goro Kishitane no papel de Goro Majima na adaptação de Yakuza. A semelhança com o problema no olho do personagem que utiliza tapa olho e a interpretação excelente fez com que quase tudo de sua performance fosse levada para os jogos, justamente por terem sido a fonte de inspiração inicial.


Sobre mortes serem menos impactantes nos jogos devido a possibilidade do seu personagem morrer e retornar em um ponto de partida, a fala de Craig Maizen é infeliz pois diversas obras como NieR Replicant, Hotline Miami, Sifu e Pathologic 2 são ótimos exemplos da busca por novas traduções ao significado de morrer, tanto para o seu personagem como para os inimigos enfrentados durante todo o jogo.


Apesar do alvoroço, grande parte do que foi dito é, na verdade, inofensivo. O próprio Neil Druckmann falou que seu próximo jogo vai ser inspirado ainda mais no formato de uma série de televisão, o que inclusive gerou (mais) polêmicas. [GM2] O maior incômodo vem justamente da primeira fala de Maizen, não só por discordar completamente sobre a opinião dele de The Last of Us, mas sim pelo que foi dito logo em seguida. Algo que merece ser analisado.


“Eles eram apenas pessoas. E isso, por si só, é notavelmente raro em jogos. O fato de eles manterem os pés no chão e realmente fazerem você sentir – eu nunca tinha experimentado nada parecido e jogo videogame desde 1977.”


Triste, não? The Last of Us foi lançado em 2013 no Playstation 3 e isso é um fator muito importante de ser analisado. Como dito anteriormente, o fenômeno dos vídeo games serem levados mais a sério começou de forma tímida com The Portopia Serial Murder Case (1983), lançado originalmente para o Famicom (NES) e logo em seguida para o SNES. Após ele, veio a onda de RPG’s da Square, jogos simples, mas que estavam engatinhando. A Atlus com seus primeiros lançamentos já abordava política e filosofia, e os da Human Interact o gênero Adventure.


Tudo seguia com muita calma até explodir no PS1 a primeira grande tentativa de tratar vídeo games como arte, através do lançamento de Metal Gear Solid por Hideo Kojima. No Playstation 2, após as experimentações anteriores, finalmente todos tinham experiência para irem à loucura com as suas próprias ambições artísticas. Os jogos de Fumito Ueda, boa parte dos Silent Hill, God of War, e sem contar os RPG’s e FPS’s da época, todos solidificaram ainda mais conceitos que afastavam os vídeo games do fator arcade e os colocaram num ponto mais reflexivo, o que levou, inclusive, ao fim do Dreamcast .


Nessa época, o debate entre os gamers não era se mais jogos deveriam ou não ter cenas grandes (não era tão importante), mas sim como provar para as pessoas de fora que jogos como Manhunt são experiências importantes, e não apenas um brinquedo feito para simular assassinatos. Na geração do Playstation 3 e Xbox 360, mal existiam jogos voltados para o arcade. Call of Duty ficou mais conhecido pela sua campanha e história, Telltale e Life is Strange surgiram, Mass Effect, The Elder Scroll, os jogos da Ubisoft, todos deram as caras trazendo grandes histórias e a proposta de imersão em cada uma delas.


Tanto para quem acompanhou esse processo e para quem está estudando sobre, a evolução e transferência de foco sempre serão citadas como fundamentais para a indústria. Em linhas simples, é o processo de como os jogos pós-Playstation 1 se tornaram mais “pé no chão”, ao invés de alguém soltando lasers pelo olho e voando por aí (nada contra o Superman). Red Dead surgiu nesse cenário, e o primeiro Redemption, em comparação ao original, é prova clara disso.


É por esse motivo que quando Craig Maizen diz que joga vídeo game desde os anos 70 e que não viu nenhum jogo “pé no chão” como The Last of Us me deixa confuso, sendo que a existência de alguns era unicamente comentada pela sua verossimilhança e demonstra que Craig não joga vídeo games (ou pelo menos não presta atenção neles). A loucura vai ainda além quando o próprio Neil Druckmann aparece dizendo que, antes do lançamento do jogo em 2013, estava inseguro de sequer deixarem ele trabalhar com ideias próprias após o jogo. Uma grande de uma alienação. The Last of Us nunca foi o marco de nada, a não ser pelo seu sucesso com o público de fora que não havia experimentado algo parecido.


A série S.T.A.L.K.E.R é um dos vários exemplos de ambições artísticas e mais pessoais. Algo que acontecia muito antes de The Last of Us ter sequer ter começado o seu desenvolvimento.


Me incomoda no jogo da Naughty Dog o quão pretensioso tudo em volta dele é. Ter uma pretensão não é algo ruim, afinal, todos somos pretensiosos com os nossos projetos. O erro está na arrogância, na falta de limite que existe em volta dos discursos sobre The Last of Us, ainda mais depois do sucesso econômico que foi o primeiro. Não chega a ser igual as declarações de Davig Cage (Heavy Rain, Detroit Become Human), ao dizer que é impossível sentir emoções como nos jogos dele, mas ainda sim é algo ruim. Neil Druckmann trata The Last of Us do mesmo jeito que alguém discursa sobre jogos feitos propositalmente para serem chatos, quando diz, por exemplo, que na Naughty Dog não usam a palavra “diversão” para se referirem aos seus trabalhos.


É óbvio que existem jogos em que o propósito não é a diversão, mas você acaba a encontrando no que acredita ser interessante, nas emoções que aquilo te provoca, até mesmo na rotina de trabalho em Papers, Please (vamos deixar a discussão sobre diversão para um próximo texto). Ocorre que a Sony, após o sucesso de The Last of Us, abraçou o modelo que Neil Druckmann escolheu utilizar nos seus jogos criando uma tendência hiper-realista, com câmera over-the-shoulder (sobre o ombro), longas caminhadas durante diálogos – como se Assassin’s Creed não fosse o suficiente para popularizar isso – e um foco no desenvolvimento de relação entre personagens. Tanto foi, que todo jogo da Sony atualmente parecer a mesma coisa se tornou uma piada recorrente na comunidade, e dificilmente teremos algo novo a não ser que uma nova fonte de dinheiro surja – tal qual a série Arkham do Batman foi referência por um bom tempo até The Witcher quebrar o molde.


Todos esses fatores deram um status gigantesco para a Naughty Dog, que em sua arrogância, produz uma série televisiva, preferindo invalidar os seus próprios jogos como arte, em troca de glorificar os benefícios que já existem e estão muito bem consolidados no cinema.


Conseguinte, durante as entrevistas, acabei percebendo uma tendência em repetir sempre o papo mais imaturo possível sobre adaptações de jogos, com Maizen e Druckmann dizendo que apenas games “infantis” tiveram sucesso em transmitirem sua essência através da televisão, tratando exemplos mais recentes como Assassin’s Creed como falha.


Pelo ponto de vista comercial, eles não estão de todo errados, se pararmos para analisar o boom de Cyberpunk: Edgerunners e o seu impacto positivo para a CD Projekt Red, ou até mesmo Arcane acompanhando a grandeza comercial de League of Legends. Mas fora dos holofotes o equívoco se estabelece, quando temos Takashi Miike realizando um excelente trabalho como diretor em duas adaptações de Like a Dragon, uma de Ace Attorney e o anime de Onimusha. Para aumentar a lista, temos os quadrinhos de Sonic, os mangás da Atlus e a web série de Street Fighter. A “maldição” que Maize e Druckmann tanto falam não existe desde o final dos anos 90.


A postura que a HBO e a Naughty Dog tem com a série na questão de marketing é sempre levantar uma questão falaciosa de limitação nos vídeo games, e como ninguém “nunca” acertou em melhorá-los com outro estilo, o que supostamente faria com que as pessoas considerassem mais jogos como arte. Reduzem a própria obra como um drama interativo, retirando os elementos que fazem a mídia vídeo game única. É como se a cena em que Kiryu, durante o final do filme Yakuza, ao abrir o menu e pegar um item de cura na verdade fosse um desserviço por lembrar o público de que o material fonte é um vídeo game, ao invés de uma “verdadeira arte”; Como se trazer elementos da gameplay que fazem a luta contra Nishiki ser tão emotiva e destruidora – de um modo divertido – anulasse qualquer tentativa de levar o momento a sério enquanto se joga (o filme é bem mais caótico e pouco emotivo, mas é importante considerar que todo o peso dramático foi deixado para o curta de 40 minutos); Ou que trazer todo o estilo único de Ace Attorney para a adaptação fosse um erro, e ao invés disso o foco deveria ser em trazer casos de assassinatos mais realistas para Phoenix Wright defender seus clientes dramaticamente.


O que a equipe de marketing de The Last of Us está fazendo não é levar o público geral para uma validação dos jogos como arte, mas sim diminuir ainda mais a mídia e mostrar que a experiência do jogo pode ser supostamente elevada sem a interação do jogador, o que não é. Isso é uma merda.


O que o GOTY entregue pelo Christopher Nolan realmente quer dizer

No TGA sempre tivemos celebridades convidadas apresentando alguns produtos e participando das premiações, mas o que chamou a atenção de muitos em 2020 foi a participação de Christopher Nolan. O diretor é conhecido pelas suas explicações científicas para tudo, uma busca constante do realismo e filmagens complexas com vários diálogos expondo os conceitos e camadas dos seus filmes. No meio cinéfilo, um diretor polêmico, mas para o consumidor médio de filmes, Nolan é significado de tendência na certa. Para a mídia, é um representante de uma das formas “válidas” de arte e impõe um respeito maior por isso. Deixar o cineasta a cargo de entregar o prêmio de melhor jogo do ano, no maior evento de marketing e premiação é mostrar que a mídia vídeo game pode ser considerada digna de ser chamada de arte.


O TGA muitas vezes sofre críticas pelas suas escolhas, classificações que não fazem sentido, como Sifu em jogo de luta, exclui os verdadeiros jogos independentes da categoria, mesmo quando os desenvolvedores não se consideram independentes e por aí vai. Muitas delas são válidas e o Oscar também passa por essa situação, não é preciso uma validação de uma “pseudo” elite que só aceita os seus para aproveitar as coisas que experienciou. Considerando que ainda existe um respeito por essas premiações, ver Christopher Nolan entregando um prêmio no TGA ironicamente significa que para o público geral, somente agora um jogo pode ser considerado uma verdadeira arte. Coisa que é há muito tempo, mas não pelos motivos corretos.


Os detalhes de The Last of Us Parte II, seu hiper-realismo, drama, expressões faciais e brutalidade o classificam como “digno” de arte, bem como ser um AAA, não relacionável com “diversão” pelo estúdio, rodeado por crunch (práticas abusivas no desenvolvimento). Druckmann insiste que as pessoas comecem a considerar jogos como expressões artísticas, mas evita o que a existência de experiências únicas como Catherine, Fallout New Vegas, Red Dead Redemption, Moon Remix Adventure RPG ou Metro Exodus podem trazer. Druckmann clama por arte ao receber o prêmio de um cineasta, dizendo em como a série vai conseguir “elevar” tudo o que não conseguiram fazer por conta da sua obra ser um jogo.


Mais uma vez, reitero: existem coisas que os jogos realmente não conseguem fazer pela sua natureza interativa, mas tudo o que foi dito por Maizen e Druckmann, juntamente com Nolan entregando o prêmio de melhor jogo do ano indica que o único jeito dos vídeo games serem aceitos e se submetendo a tal mídia “superior”, rebaixando-os a classe de material fonte, sem pensar muito a fundo no que eles conseguem fazer sozinhos.


Jogos não são tão acessíveis quanto filmes e livros (quem dera essa fosse a desculpa de Druckmann) e uma boa parte da população nunca vai ter acesso a eles por conta de como o sistema de classes sempre ferra e exclui quem está mais abaixo, mas não é fazendo cineastas os aceitarem que a visão sobre os jogos e o caráter social atrelado a eles irão mudar. A democratização dos jogos governamentalmente é essencial para suprir a falta de acesso, mas para vermos a mídia vídeo game ser tratada como a arte e produto cultural que realmente é, tudo o que precisamos fazer é deixar que os jogos sejam jogos, apresentando-os ao mundo do jeito que são, e ponto.


Seja adaptando e produzindo coisas únicas, realizando pesquisas acadêmicas ou deixando a pessoa ao lado jogar, o importante mesmo é só compartilhar os jogos como algo normal, digno e respeitável pela sua existência. Vídeo game não precisa ter nenhum “misticismo” em sua volta. É uma experiência tão artisticamente válida quanto ver um filme do Tarkovsky. As intenções comerciais e pessoais existem em todas as mídias. Porém, enquanto alguém como Neil Druckmann compartilhar de todo o desserviço em volta da própria área em que trabalha, ainda teremos um longo caminho pela frente para que jogos sejam normalizados.


E sinceramente? Nem precisamos que os jogos sejam normalizados. Jogar jogos já é uma experiência válida e pessoal, só estamos inseridos em um contexto em que precisamos justificar tudo, ao invés de simplesmente aproveitarmos as opções de arte que temos por aí. Joguem um Fifa, Serious Sam, Fatal Frame, Dot Hack, tudo é igualmente válido e uma experiência justa. Só não sejam um Neil Druckmann ou Craig Maizen da vida quando forem falar sobre o mundo artístico dos vídeo games.


*Texto editado por Gabriel Morais de Oliveira (Hyliano)

 

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