Importante: O texto pode conter pequenos spoilers sobre alguns personagens do jogo.
Quando The Legend of Zelda – Skyward Sword foi lançado para o Nintendo Wii, em 2011, os fãs estavam ansiosos pela nova aventura de Link em Hyrule. Isso porque estávamos vindo de Twilight Princess, um jogo que entregou gráficos realistas para satisfazer o desejo dos fãs. Estávamos ansiosos para conhecer a primeira jornada de nosso herói, uma vez que já sabíamos que a história seria uma prequel de tudo o que já havia acontecido na série até então.
Em sua apresentação em formato de gameplay durante a E3, a Nintendo enfrentou um dos maiores constrangimentos de sua história na hora da exibição do gameplay. Isso ocorreu porque o Wii Remote não estava funcionando corretamente, e eles haviam anunciado como uma das maiores promessas do Wii, por utilizar o 1:1 com o Wii Remote Plus e oferecer uma experiência de imersão como nunca antes na história dos controles por movimentos.
Mas o teste não foi mal-sucedido porque eles não conseguiram cumprir o que foi prometido, e sim porque toda a rede Wi-Fi envolvida nestes eventos estava desconfigurando o Remote. No final, Skyward Sword se tornou a utilização definitiva do controle de movimento do Wii, e esse é um dos maiores acertos feitos no jogo. No entanto, essa abordagem também se torna cansativa depois de algum tempo de gameplay, podendo prejudicar a experiência. Quando se é um senhorzinho de 40+ (não estou dizendo que sou eu e não citarei nomes), pode-se até terminar uma run com uma LER (lesão por esforço repetitivo).
Por mais que, quando foi lançado, não fosse exatamente o jogo que todos esperavam e tenha decepcionado muita gente com seus problemas (que não são poucos), não é um jogo ruim. Skyward Sword é um Zelda completo em sua essência, aclamado pela crítica e adorado por muitos fãs.
Então, vem comigo, e vamos explorar onde o jogo erra e onde ele acerta, apontando o que poderia melhorar e o que o faz ser superior a muitos outros jogos da franquia.
WII REMOTE PLUS
Vamos começar então pelos controles de movimento, que é o maior atrativo do jogo. E também foi o responsável por fazer Link perder sua maior característica: deixar de ser canhoto, se transformando em destro. O jogo obriga a utilização do Motion Plus, um aparelho que dá mais precisão ao Wii Remote, e por isso oferece a imersão no 1:1. Todos os seus movimentos são calculados com força, direção, posição, etc. Não é apenas sair sacudindo o controle, e funciona de forma exemplar. Se você está errando os golpes, pode ter certeza que é você que está fazendo os movimentos errados, porque a precisão e calibragem do controle são impecáveis!
Quando Skyward Sword foi anunciado em sua versão remasterizada para o Nintendo Switch, uma das maiores preocupações era como essa adaptação seria feita para os joy-cons, uma vez que, apesar de também funcionarem por movimento, oferecem uma tecnologia diferente do Wii Remote. Já havíamos experimentado um jogo que foi desenvolvido para o console, utilizando a precisão dos gestos, e que funcionava de forma exemplar (ARMS). Além disso, também tínhamos experimentado um port de baixa qualidade que parecia simplesmente não funcionar como deveria (REvelations).
No entanto, um suspiro de alívio repousava no fato de ser um material feito pela Nintendo. Mesmo que a remasterização tenha sido feita pela Tantalus (também responsável por Twilight Princess HD no Wii U), há uma supervisão criteriosa da Big N no processo de desenvolvimento. O resultado se mostrou positivo. Inclusive, havia a demanda de uma segunda adaptação do jogo, desta vez para controles tradicionais, utilizando apenas botões, uma vez que o Switch é um console híbrido. Isso é mais um ponto positivo do jogo, pois trouxe uma forma criativa de se utilizar a espada nos ângulos requeridos pelo jogo para derrotar inimigos específicos.
Os jogadores que não são adeptos a controles de movimento vão se divertir muito com a versão HD do jogo, sem prejuízos na experiência original. Afinal de contas, isso era apenas um detalhe da versão do Wii. Mesmo que necessário, era apenas um detalhe. Não são os movimentos que fazem a essência da experiência do jogo. É apenas um componente.
A CONSTRUÇÃO DO MUNDO
Talvez esse seja o maior problema do jogo. Misturando as limitações do hardware do Wii e do armazenamento do disco, a problemática do mundo de Skyward Sword é uma realidade. Diferente de tudo o que já tinha sido visto até então na série, Skyward Sword funciona em um sistema de 'hub world' e 'fases'. Skyloft é o hub para o qual você tem que voltar constantemente quando precisa acessar outras áreas. E estas áreas não estão diretamente conectadas umas às outras, funcionando como mundos separados, cada uma com seu próprio ecossistema. Isso nunca deixa claro como uma se junta à outra para compor um mundo de fato, como se fossem realidades paralelas coexistindo.
Ainda dentro de cada uma dessas grandes áreas, a localização das dungeons parece preguiçosa, sendo todas elas subterrâneas, para que não precisem fazer sequer sentido na concepção do mundo que as cerca. Perceba, por exemplo, como Dragon Roost Island e a Tower of the Gods são concebidas em The Wind Waker, e como os ambientes externos e internos das dungeons se completam. Assim, fica evidente a falta de proporção das dungeons subterrâneas de Skyward Sword no ambiente que as cerca.
Manter esses três mundos do jogo conectados, mesmo que fossem por passagens subterrâneas, deixaria tudo mais completo e complexo, melhorando bastante a experiência de exploração, sem diminuir a importância e o prazer de voar.
Além disso, o jogo te obriga a percorrer caminhos muitas vezes longos para fazer uma "viagem rápida", característica que, mesmo com algumas limitações aqui e ali, sempre foi marcante em Zelda. "Rápida" não é a palavra certa para a viagem de Skyward Sword porque, para se locomover de uma estátua a outra dentro de uma área, você precisa voltar aos céus e então cair novamente na estátua desejada. Isso não é algo que afeta sua progressão caso você esteja apenas seguindo a história, porque se tem algo que esse jogo sabe fazer bem é te empurrar sempre para a frente. No entanto, aborrece quando você decide cumprir missões paralelas e/ou coletar itens ou Goddess Cubes que deixou para trás.
AMBIENTAÇÃO
O jogo tem uma direção de arte impecável, é colorido ao extremo, sem parecer tão cartunesco quanto The Wind Waker, uma vez que oferece uma abordagem diferente. Enquanto em TWW os traços são fortes, para representar um desenho, em Skyward Sword os traços são sutis, parecem uma pintura. Repare com muita atenção em todas as texturas, e você verá pontos de cor, como se fosse alguém batendo o pincel em uma tela. É algo magnífico de se ver. É um espetáculo visual sem precedentes.
Infelizmente, isso não se traduziu na versão HD. Ele não deixou de ser um jogo bonito e colorido, muito pelo contrário, está mais bonito do que nunca. No entanto, muito da direção artística do original se perdeu apenas no fato de se remasterizar o material original. O jogo precisaria ser refeito para que essa essência de parecer uma pintura pudesse ser representada da forma correta em HD, mas isso seria uma perda absurda de tempo e dinheiro, além de um desrespeito com o material original que ainda é atual e funciona perfeitamente hoje.
E se ele errou ao estruturar o mundo, ele acerta com a mesma proporção na concepção de cada localidade dessa Hyrule pré-Ganondorf. As ambientações são incríveis e melhoram exponencialmente à medida que você avança na aventura. Começando por Skyloft, uma cidade de dar inveja em qualquer outra já concebida da série. Uma rocha flutuante com dezenas de áreas secretas, criando um ambiente vertical muito prazeroso de ser explorado.
Em Faron Woods, somos apresentados a um ambiente vivo e cheio de cor, com uma árvore central que pode ser explorada por dentro, em uma homenagem linda e clara à Deku Tree. O lago dos Zora, inserido mais pra frente na aventura, é de encher os olhos. Um ecossistema repleto de vida e com alguns dos cenários mais lindos de todo o jogo.
Quando vamos para Eldin Volcano, conhecemos o posto de guarda de alguns inimigos, e a forma como eles dominaram o local e criaram empecilhos e armadilhas é deliciosa de se ver. Fogo e terra se misturam no ambiente inóspito da Death Mountain, um dos lugares mais clássicos da série.
Mas é em Lanayru Desert e Lanayru Mine que a magia realmente acontece. Ou melhor, que a ciência realmente acontece. Um imenso deserto que um dia foi mar, e graças à tecnologia das timeshift stones, você é capaz de navegar, em um barco, naquele oceano… de areia. É um dos momentos mais incríveis já proporcionados nestes quase 40 anos da franquia, quando a pedra cria uma redoma que te transporta pelo tempo, e você vê o mundo se transformando diante dos seus olhos à medida que se locomove.
Em Lanayru Mine é a mesma coisa. A utilização das pedras faz com que o marrom do deserto dê espaço ao colorido da civilização tecnológica que existiu ali há centenas de anos. Isso mostra que, mesmo que Skyward Sword seja o primeiro jogo na timeline, muita coisa já havia acontecido antes, e ainda dá para voltar mais e mais, e conhecer cada vez mais da história de Hyrule. Tears of the Kingdom mostra um pouco do que havia ainda antes disso.
Toda a formulação destes diferentes espaços que nunca se conectam merece ser aplaudida pela beleza e pela forma como ele te prende e muitas vezes até te sufoca com lugares que beiram o claustrofóbico, mas que possuem um propósito para isso e, desta forma, se conectam mais com a história que é contada.
O mundo como um todo pode não ser estruturado da melhor forma, mas ele é lindo de se ver, em cada pequeno detalhe.
O VAZIO DO CÉU
Voar pelos céus com seu Loftwing. Talvez não exista uma sensação parecida na série Zelda. É prazeroso, divertido, emocionante, desafiador. Mas... voar para onde?
O céu de Skyward Sword talvez seja a maior decepção que esse jogo pode oferecer. Totalmente vazio e sem propósito. Antes do lançamento, chegaram a compará-lo com o mar de The Wind Waker, mas ele não consegue fazer 1% do que aquele oceano faz.
Pouquíssimas ilhas repletas do mais completo nada. Existem duas maiores, mas que não são capazes de sustentar aquela imensidão, não oferecendo um senso de funcionalidade e extinguindo qualquer finalidade de diversão que poderia te fazer chegar até lá.
Mesmo quando a área dentro da grande formação de nuvens é liberada, mais uma vez é apenas uma ilha com algo para se fazer (não muito, porém) e mais ilhas cheias de nada. Literalmente nada em algumas delas. E é um céu gigantesco, cheio de potencial, mas totalmente vazio e sem propósito. Serve apenas para ligar as grandes áreas do jogo, eliminando totalmente o potencial de exploração que ele pudesse possuir.
PERSONAGENS E SUAS HISTÓRIAS
O que o jogo sabe fazer certo, ele faz muito certo. Skyward Sword possui uma história profunda e complexa, que não apenas conta a origem da Master Sword, mas também detalha a primeira grande batalha da Deusa Hylia e mostra como a linhagem da princesa Zelda é importante para o renascimento constante dessa entidade, destinada a proteger Hyrule por toda a eternidade.
Todos os personagens possuem histórias profundas que se tornam cada vez mais complexas durante o decorrer do jogo, transformando-os assim em seres tridimensionais, capazes de agir por emoção, derrubar barreiras pessoais, demonstrar fragilidade e vulnerabilidade ao mesmo tempo em que são fortes e cheios de propósito.
Quem conhece a Fi apenas pelos memes pode acreditar que ela é apenas um robô que fala coisas óbvias em momentos inoportunos. No entanto, quem jogou sabe quantas camadas a personagem possui. Sendo talvez uma das mais complexas já criadas em toda a série. A relação que ela cria com Link à medida que vocês progridem juntos na aventura é forte e verdadeira, proporcionando uma cena de muito peso emocional na reta final do jogo.
Um vínculo muito forte é criado entre a personagem e o herói, pois ele se transforma no Mestre daquela forma de vida, e ela, assim que é absorvida pela espada em sua forma final, passa a ser a Espada do Mestre, a Master Sword. E então, não importa quantos companheiros Link encontre em seus caminhos nas aventuras seguintes, Fi estará sempre ao seu lado. E se você não se emocionou ao ouvir o barulho da personagem em uma cena bem específica de Breath of the Wild, não há mais esperança para você em Zelda.
Mas não é apenas com Fi que nosso herói cria esse vínculo. Link e Zelda possuem uma relação forte de amizade e companheirismo, em que ela vive protegendo-o dos bullies do local, e este se sente no dever de salvá-la quando ela é colocada em perigo, arriscando sua própria vida para ter certeza de que sua amiga esteja a salvo. É evidente que eles se amam muito, independente da existência de um relacionamento romântico entre eles, e que estão ligados para sempre nessa relação de cumplicidade e de poder contar com o outro sempre que precisar. Uma das relações mais bem construídas dentro de um jogo que sabe muito bem como amarrar suas histórias.
EQUIPAMENTOS MUITO ÚTEIS
Antes de Breath of the Wild, e talvez até como um aprendizado para este, Skyward Sword encontrou o balanço ideal na utilização das armas e equipamentos que o herói carrega. Enquanto em Twilight Princess eles eram muitos e muitas vezes quase totalmente inutilizados no restante do jogo, depois de uma pequena utilização em sua dungeon de destino, em SS você tem pouquíssimos itens, mas para chegar do ponto A ao ponto B você vai precisar realizar muitas trocas no botão de acesso a eles.
Aqui, os equipamentos não são apenas para matar chefes e resolver pequenos puzzles; eles são necessários para se locomover, alcançar plataformas, coletar coisas, escalar, entre outras ações. Você vai constantemente alternar entre eles e fazer uma utilização completa de cada um, à medida em que eles vão sendo adicionados ao seu inventário, e isso acontece do começo ao fim do jogo.
…E COLECIONÁVEIS MUITAS VEZES INÚTEIS
Skyward Sword incluiu um elemento novo na série, que prometia dar um ar de novidade à franquia: os colecionáveis que são acumulados para trocas de itens e melhorias. Pedras, penas, partes de inimigos. Itens fáceis, difíceis e raros de encontrar. É uma pena que os desenvolvedores não conseguiram encontrar utilidade suficiente para eles, e acabam se tornando supérfluos em algumas situações.
Exatamente pela falta de cidades exploráveis no jogo, sendo Skyloft a única, as utilizações se tornam limitadas e repetitivas. Um sistema que poderia ser mais complexo e robusto encontra uma barreira na própria construção do jogo, criando esse conflito de ideias.
BATALHAS CRIATIVAS
Os controles por movimento ofereceram o que talvez fosse a melhor experiência até então em batalhas na série Zelda. A forma como os inimigos reagem aos seus comandos e, principalmente, como eles se comportam quando você erra o ângulo de um ataque, tudo foi pensado para oferecer uma imersão como nunca antes.
Nem todos os inimigos encontrados pelo jogo possuem esse gimmick de acertar no ângulo certo ou em um ponto específico. E muitas vezes chega a ser um alívio poder simplesmente acertá-los onde quer que seja; isso causa uma sensação de respiro, de poder se desvincular das amarras da precisão. Mas os que precisam são perfeitamente orquestrados para testar o jogador ao limite.
Existem táticas na utilização dos itens que facilitam o processo em algumas batalhas mais chatas e corriqueiras, principalmente em Lanayru, onde a temática dos golpes dos adversários é de choque.
Aqui existe o prazer da descoberta e o timing do pensamento deve ser imediato, pois eles virão para cima antes que você possa raciocinar qual é o ponto fraco e como os golpes devem ser desferidos. E Skyward Sword ainda é o Zelda mais punitivo até aquele momento, em que cada golpe vai te custar, no mínimo, um coração completo, muitas vezes até dois.
...MAS OS CHEFES NEM TANTO
E como é muito difícil viver uma experiência em Zelda sem comparar com o que foi oferecido no jogo anterior, Twilight Princess é uma aula de level design de chefes. A maioria deles é gigantesca, ocupando cenários inteiros, apresentando o perigo iminente que todo o caos causado naquela terra pode oferecer. Infelizmente, o mesmo não se pode dizer da inteligência artificial destes mesmos chefes, porque alguns deles simplesmente ficam parados esperando serem golpeados, deixando a batalha quase tediosa, não oferecendo qualquer risco ao jogador.
Skyward Sword foi pelo caminho contrário. Todos os antagonistas do jogo são completos e absolutamente nocivos ao jogador, desde um pequeno morcego até os chefes encontrados nas dungeons. Muitos corações serão perdidos nas batalhas, principalmente aos jogadores de primeira viagem que ainda estão se acostumando com a experiência. Em contrapartida, a maioria das batalhas é pouco inventiva no design, mesmo que seja muito criativa na mecânica. O primeiro boss chega a ser vergonhoso. Uma bolota de fogo com pernas que... é só uma bolota de fogo com pernas.
SER UM DOS MELHORES JOGOS DA SÉRIE
Errar faz parte do processo. Todos os acertos de Skyward Sword são frutos de melhorias das análises de erros cometidos em Twilight Princess, e seus próprios erros serviram para uma melhor experiência de Breath of the Wild e Tears of the Kingdom. Mas no final das contas, nós passamos por cima de tudo isso porque sabemos que nem apenas de acertos vive um jogo, e que quando a Nintendo resolve acertar em algum aspecto, ela o faz da melhor forma.
Skyward Sword talvez seja o Zelda com mais altos e baixos na série, em que os altos são muito altos, e os baixos podem ser baixos demais e afastar alguns jogadores. Mas vale dar uma chance para o jogo até o fim. Ele é uma aventura incrível e divertida, capaz de emocionar, e que conta uma história muito importante para a concepção do universo que conhecemos tão bem e amamos tanto.
Texto editado e revisado por Gabriel Morais de Oliveira (@GabrielHyliano).
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Nossa, PRECISAMOS debater sobre o design desse jogo depois, Angelo. O papo seria massa.