top of page

Primeiro Contato! Entrevistamos Rique Sampaio na gamescom latam — Entrevista

Da esquerda para a direita: Victor Gois, Rique Sampaio e Max Fernandes.
Da esquerda para a direita: Victor Gois, Rique Sampaio e Max Fernandes.

Em julho de 2021, o podcast Primeiro Contato começou sua publicação. Um projeto autoral de Henrique Sampaio, um dos primeiros jornalistas de videogame do Brasil, os 12 episódios da primeira temporada foram indicados ao CCXP Awards 2022 na categoria de Melhor Podcast.


Agora, quatro anos depois, com uma segunda temporada em 2023 e um segundo projeto solo de Henrique, o Código do Caos, a temporada inicial do Primeiro Contato foi adaptada para um livro publicado pela Editora Europa.


Essa entrevista, realizada na gamescom latam 2025 durante a sessão de autógrafos de Henrique no estande da Europa, foi muito elucidativa quanto ao projeto e a natureza do livro. Confira abaixo!


Max: Para começo de conversa, agora que você “compilou” o Primeiro Contato em um livro, quais são as diferenças primordiais entre o livro e o podcast e, para quem ouviu na época que estava saindo, o que a gente deve esperar do livro?


Reprodução: Overloadr
Reprodução: Overloadr

Henrique: É engraçado que o podcast surgiu na verdade com a ideia de um livro. Lá em 2019 eu tinha essa vontade de pesquisar a história da Brasoft e expandir para outras coisas relacionadas e acabou virando podcast. Naquela época, fazia sentido para a gente quando eu trabalhava no Overloadr com os meninos. Em 2021 eu lancei o podcast com um ano e meio de pesquisa, fiz a segunda temporada, saí do Overloadr, tem toda uma história, um processo bem longo e agora, com o lançamento do livro, ele ganha um novo formato.


É o mesmo conteúdo, então uma pessoa que ouviu o podcast inteiro conhece as histórias, conhece os personagens e essa pesquisa que eu fiz. A diferença é que ele está em um outro formato. Ele tem a linguagem de um livro reportagem, o podcast por exemplo é muito baseado em relatos dessas pessoas que participaram dessas histórias, enquanto o livro tem como base também esses relatos, mas tudo é adaptado para um formato de reportagem, então ele tem essa linguagem mais jornalística e algumas coisas extras.


Ele tem um caderno de imagens, que agora a gente consegue ver, e no podcast não existe essa possibilidade. Eu até colocava algumas imagens no site e nas minhas redes, só que ficava um pouco desconectado da experiência do podcast. No livro eu gostei bastante de trabalhar com essas imagens, resgatá-las para ilustrar essa história, alguns personagens, os jogos que a gente ouve falar nesses relatos, nessa grande narrativa.


Além disso tem dois artigos que eu acho que são complementares. Um artigo que eu publiquei em 2019 ou 2020 antes do podcast que faz muito sentido na cronologia e um artigo que vai ser publicado numa revista norte-americana em julho chamada ROMchip, que é mais acadêmica.


Esse segundo artigo traz um olhar mais denso sobre como a cultura de massa, especialmente a que surge durante a pandemia, se relaciona com a cultura de massa da época, então eu falo de coisas como Chacrinha e Banheira do Gugu e como a gente consegue rever, de alguma forma, esse tipo de humor e de linguagem, esse tipo de apelo sexual em jogos brasileiros como o Noite Animal do Casseta & Planeta, o que é muito doido porque era o que a gente tinha naquele momento pra gente explorar a nossa linguagem de videogame: a TV.


Casseta & Planeta, Urgente! | Reprodução: Casseta & Planeta
Casseta & Planeta, Urgente! | Reprodução: Casseta & Planeta

No momento de uma quebra na nossa própria indústria de games nos anos 80, no comecinho dos anos 90, que era muito desassociada dessa cultura de massas, apresentando uma linguagem própria, você tem esse corte abrupto como aconteceu com os computadores nesse período por conta dos problemas que a gente estava vivendo.


Quando os jogos brasileiros ressurgiram nos anos 90, eles tiveram que se apegar a alguma coisa que fosse mais segura, mais próxima e mais validada enquanto cultura, e daí a TV vem muito forte. E daí você tem o Casseta & Planeta, o Noite Animal, um jogo pornochanchada praticamente.


Eu exploro isso nesse artigo que é um complemento a narrativa que já estava presente no podcast e agora está presente no livro, tudo isso compilado em quase quinhentas páginas e que representa a primeira temporada do podcast. A segunda temporada vai virar um outro livro eventualmente.


Casseta & Planeta: Noite Animal | Reprodução: Internet Archive
Casseta & Planeta: Noite Animal | Reprodução: Internet Archive

Max: Além da linguagem, a gente deve esperar alguma diferença em conteúdo mesmo primordial entre a primeira temporada e o primeiro livro?


Henrique: Eu acho que, em termos de conteúdo, não. O que o livro tem que eu acho importante – especialmente para pesquisadores que querem referenciar o livro em pesquisa – são notas de referência e bibliografia.


No podcast não tem como inserir bibliografia. Eu até poderia colocar na descrição no Spotify, mas é outra linguagem, não teria o mesmo significado. No livro isso acaba sendo importante justamente para referenciação, para consolidar a pesquisa, a fonte, então eu acho que, embora o conteúdo seja igual, não a linguagem, mas as histórias que eu conto no livro sejam as mesmas no podcast, a questão da bibliografia, das notas de referência fazem uma grande diferença, porque daí você consegue ver de onde veio aquela informação que eu apresentei no podcast, saber onde e quando foi publicado e pra quem é pesquisador e está pesquisando essa história, é muito importante para a rastreabilidade. Eu acho que o livro do Primeiro Contato serve para consolidar essa pesquisa dentro desse campo de historiografia dos computadores e videogames no Brasil porque a gente não tem muito disso.


Engraçado é que eu não sou da academia, eu sou só um jornalista. Imagina um jornalista que está produzindo isso (conteúdo historiográfico). Na academia a gente tem esse tipo de material também, mas ele fica muito preso na própria academia. Eu acho que mesmo nessa questão da historiografia, a gente não tem tantos. Temos estudo na academia brasileira de games sobre gênero, dialogando com as produções de fora, mas sobre a história é pouco, essa questão da preservação, das memórias, então eu acho que o livro tem esse papel de consolidar essa nossa narrativa.


Henrique Sampaio segurando o livro Primeiro Contato | Reprodução: Instagram
Henrique Sampaio segurando o livro Primeiro Contato | Reprodução: Instagram

Victor: Uma coisa que fica bem claro quando a gente entra em contato com o Primeiro Contato é de que não se trata de uma produção que apela para a nostalgia, mas é muito um trabalho de preservação e documental, e eu imagino que, na época, com o Primeiro Contato podcast, você possa ter enfrentado uma quebra de expectativa por parte do público. O que você espera da recepção do livro? Seu público deve ser composto por pessoas que buscam uma extensão ou de repente alguém desavisado que queira pegar o livro para ter esse contato com conteúdo de videogame – que a gente consome há anos – mais voltado à nostalgia e menos história?


Henrique: Você já tem um público que é acostumado a ouvir podcast, que gosta de podcast narrativo, e o livro eu sinto que é uma linguagem mais estabelecida e mais antiga, uma mídia mais antiga, e eu acho que isso acaba atingindo públicos diferentes. 


Claro, tem as pessoas que já consumiram o podcast que vão querer comprar o livro, ler o livro ou pelo menos ter pela validação desse trabalho, que é uma coisa muito legal e eu me sinto privilegiado por ter esse tipo de leitor, de ouvinte, até pelo retorno financeiro, porque é uma maneira de criar valor em cima de um produto que eu já fiz e isso ser uma espécie de recompensa pelo trabalho.


Capa de "Primeiro Contato"
Capa de "Primeiro Contato"

A gente que é jornalista lida muito com essa dificuldade de monetizar o nosso trabalho. O jornalismo perdeu muito valor nesses últimos anos, então o livro também tem esse aspecto e eu acho que é importante dizer, especialmente num contexto de precarização do trabalho jornalístico, mas também tem uma coisa que eu vejo como interessante, que muitas pessoas podem chegar nesse material, ver o livro e falar “nossa, isso aqui parece uma coisa nostálgica”, chegar pelo viés da nostalgia e se surpreender com o conteúdo que tem ali.


Talvez algumas pessoas não gostem, inclusive, porque é um livro que dá nome aos bois, eu começo falando de ditadura, menciono extrema-direita, menciono gênero, falo de gênero, falo do trabalho de Laine Nooney, que é ume pesquisadore, uma pessoa não-binárie que me inspirou nesse trabalho. Eu já falo de gênero logo na introdução, e já dou a entender que não é um livro de nostalgia.


Você pode até sentir essa nostalgia e ter memórias, essa experiência nostálgica lendo ou ouvindo o podcast, mas esse não é o ponto de partida do livro, o ponto de partida é justamente esse conteúdo, esse resgate histórico, essa contextualização, para a gente entender que a história não fica presa só nessas nossas memórias nostálgicas, no consumo, ela está dentro de contextos sociais e econômicos e as pessoas que desbravaram esse mercado enfrentaram tudo isso.


Elas ajudaram a estabelecer o mercado, inclusive com os méritos e deméritos, e essa pesquisa tem esse trabalho de não só registrar e resgatar essa história, mas também de ter esse olhar crítico para a gente entender os desafios que foram superados, mas também os problemas que foram criados e até quais são os próximos passos porque a gente consegue, olhando para trás, ter uma ideia do que funcionou e do que não funcionou, e avançar a partir disso.


Logo do ChatGPT
Logo do ChatGPT

Ainda mais quando a gente fala de videogame e tecnologia, estamos falando de ciclo. Agora a gente está vivendo o ciclo da inteligência artificial. Não tem mais volta, é uma coisa que a sociedade começa a ganhar confiança e adotar como tecnologia nova, é um novo ciclo. Esse trabalho apresenta a nossa perspectiva de contato com um ciclo lá de trás que é a chegada dos computadores e como foi essa chegada, então, quando a gente fala de ciclos, a gente consegue ver onde a gente errou lá atrás para acertar agora.


Até trazendo para questões de políticas públicas, das decisões que os nossos legisladores, deputados e políticos, precisam tomar para conduzir o país e a nossa indústria de tecnologia e de games, que dialogam muito, para um caminho que seja mais resiliente, com mais força, porque potencial a gente sempre teve. Imagina nos anos 80, quando a gente não tinha estrutura nenhuma, já tinha um baita potencial, mas naquele período a gente estava lidando com o pós-ditadura e problemas econômicos. Hoje são outros problemas, mas certamente a gente tem muito mais força, então olhar para essa história, refletir e aprender algumas coisas, a gente consegue tomar melhores decisões atualmente.


Laine Nooney | Reprodução: Internet History Podcast
Laine Nooney | Reprodução: Internet History Podcast

Max: Isso me fez pensar em uma coisa porque, é um livro jornalístico, muito interessante como livro jornalístico, mas você falou que não é acadêmico. Existe algum conteúdo de livro jornalístico que você se inspirou? Suas referências nesse meio para escrever o Primeiro Contato?


Henrique: Foi Laine Nooney certamente a referência. É ume historiadore que faz o resgate dessa história da tecnologia focando nos Estados Unidos, mas pensando justamente em como ela entra no espaço do México e transforma a sociedade, então as pessoas passam a utilizar essa tecnologia, que no caso era o PC.


Os jogos também têm essa relevância porque atrai um público, é uma maneira das pessoas terem esse primeiro contato com os computadores de forma mais lúdica, menos assustadora e ameaçadora.


De novo fazendo essa comparação com IA, que é uma nova fase de ciclo tecnológico que é um grande debate. Tem gente que odeia, especialmente no meio de games que vê uma ameaça muito grande, por exemplo, porque isso de fato é uma nova tecnologia que estabelece novas dinâmicas, perturba o mercado, perturba o sistema e reconfigura as coisas.


Ela de certa forma é uma ameaça especialmente para quem está nessa linha de frente e vê seus trabalhos ameaçados, mas ao mesmo tempo é também uma tecnologia que tem função na sociedade, que vem sendo adotada, e daí a gente tem essa reconfiguração e quais são os sentimentos das pessoas, especialmente de confusão e medo.Tem gente que usa e não quer assumir, tem gente que divulga...


O interessante no Primeiro Contato está explorando uma coisa parecida, mas em outro contexto. Naquele momento nos anos 80 e 90 tinha gente que tinha medo de usar o computador, e essa coisa do computador entrando no ambiente doméstico é o que começa a quebrar esse medo e naturalizar essa tecnologia que abre portas para muitas outras coisas, como a internet e a própria inteligência artificial.


Eu acho que a minha referência é certamente Laine Nooney, historiadore dos Estados Unidos e professore da Universidade de Nova York e, curiosamente, esse artigo que eu escrevi e que vai ser publicado no ROMchip foi orientado por elu.


Foi um trabalho curioso que eu parti como admirador dessa pesquisa, desse trabalho, e comecei a entrar em contato, até pra falar do meu próprio trabalho, dessa inspiração, e acabei sendo escolhido para escrever um artigo na ROMchip e tive esse trabalho direto de ser orientado pelo trabalho delu que acabou entrando no próprio livro, então é quase que um fechamento de ciclo, primeiro vem o trabalho delu que me inspira e vira esse artigo que termina o livro, então acho que acaba se concretizando no livro, essa influência, muito fortemente, de certa forma eu explico isso até na própria introdução, então eu acho que quem lê vai pegar bem essa questão de onde vem essas inspirações.


Max: É o Toby Fox dando rolê com o Sakurai


Henrique: (risos) Sim, exatamente!


ROMchip | Reprodução: ROMchip
ROMchip | Reprodução: ROMchip

Max: Você provavelmente é um dos primeiros jornalistas de videogame no Brasil, inclusive um dos primeiros ou o primeiro jornalista de videogames LGBTQIA+ no Brasil. Eu sou uma pessoa LGBTQIA+ também e a gente aqui está começando. Isso é menos sobre o Primeiro Contato e mais uma pergunta pessoal: tem alguma dica para a gente? Só uma dica, um conselho maneiro pra vocês.


Henrique: Olha. Boa pergunta! Eu não sei se tenho uma dica, eu posso ter um comentário. Eu acho que o mundo mudou muito nos últimos vinte anos. Eu imagino que vocês são mais novos que eu, eu tenho 40 anos. 


Max: Eu tenho 22!


Henrique: Exato! É outra geração, né? Os primeiros eventos que eu fui ao começo dos anos 2000 eram um ambiente muito masculino, muito heteronormativo, parecia alguma coisa voltada a carros, futebol, era como se fosse o mesmo público em todos esses setores, então eram ambientes muito opressores para a gente. Eu não me sentia à vontade com os meus amigos, por exemplo.


Eu sinto que o meio de games é muito mais diverso e muito mais acolhedor. A gente vê diferentes corpos, diferentes identidades, isso é um privilégio que a geração de vocês pegou e que a gente só conquistou por conta desse trabalho de formiguinha lá de trás de apontar, falar, fazer crítica, trazer esse olhar analítico e apontar os problemas de um espaço muito pouco aberto a diversidade.


O Primeiro Contato tem um pouco disso também. Eu faço essa análise de gênero em dois capítulos, então eu acho que o que a gente tem que fazer enquanto pessoas LGBTQIA+ é lutar para preservar essas conquistas que, quando a gente tá falando de política, você vê por exemplo o (Donald) Trump assumindo a presidência dos Estados Unidos, em questão de meses essas políticas públicas estão sendo devastadas e pessoas LGBTQIA+ estão sendo perseguidas, não só pessoas LGBTQIA+ mas uma série de minorias. Imigrantes...


Isso é um sinal para a gente ver que as conquistas não são concretas, não vem e permanecem para sempre, a gente tem que continuar lutando para que elas permaneçam. A nossa luta enquanto LGBTQIA+ na indústria e no mercado de games é que a gente tenha a nossa voz enquanto consumidor, mas também enquanto produtor de conteúdo, enquanto jornalista.


Como comunicador, a gente conversa com pessoas, a gente fala com pessoas, influencia decisões. A gente tem que ter consciência disso e saber fazer uma crítica quando tem que fazer uma crítica, mostrar apoio quando algo tem que ser apoiado, e eu acho que falar um pouco de política mesmo, se aproximar dessas questões e não tratar o videogame só como “ah, é diversão”, “ah, não, é um assunto muito sensível, vamos deixar de lado”.


É uma coisa muito comum no videogame porque as pessoas associam como escapismo, como um ambiente só de diversão, mas a gente está falando de pessoas, de trabalho, essas coisas não são só diversão, também é seriedade, política, são assuntos que devem ser abordados e discutidos, se não a gente volta a ser o que eram os videogames nos anos 80 e 90 que era uma coisa muito juvenil, muito pouco diversa e com uma linguagem inclusive muito pequena, muito limitada.


Essa diversidade só tem a ganhar, tem mais jogos, tem mais perspectivas, tem mais possibilidades de jogos, de gêneros, de ideias, muito mais rico um mundo assim, e muito melhor porque a gente pode se sentir à vontade nesse meio. Daí ninguém vai ter nada a perder, a gente não vai fazer com que os jogos sejam menos violentos ou, sei lá, vai ter jogo de mulher gostosa para quem quer jogo de mulher gostosa (risos). Tem meio que espaço para todo mundo e a gente tem que defender um pouco isso, essa é a dica que eu dou, até para gente conseguir preservar essa conquista.



Conversar com o Henrique nos deu vários insights quanto à função social e política da publicação do Primeiro Contato e de seu trabalho na indústria dos jogos. Você pode adquirir o livro no site do próprio Henrique clicando aqui.



Já pensou em fazer parte do no nosso grupo do Discord? Lá temos vários eventos, materiais de estudo e uma comunidade incrível esperando por você. É só clicar aqui!


Siga o Game Design Hub nas redes sociais!

Comments


bottom of page