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Symphony of War: The Nephilim Saga: A Sinfonia que não é da noite, mas da Guerra — Análise | Gamer Paciente

Foto do escritor: Felipe LinsFelipe Lins

Atualizado: 4 de out. de 2024

arte conceitual de Symphony of War
Reprodução: Dancing Dragon Games

Ao longo da minha vida eu já assisti e consumi muito conteúdo de fantasia medieval, tanto de baixa, quanto alta fantasia, especialmente jogos de roleplay, eletrônicos e de mesa. Quando eu era criança e adolescente o fascínio maior era nitidamente pelas magias incríveis e pelos "cargos especiais", ou como conhecidos no meio do RPG, as classes.


Arte conceitual
Reprodução: Dancing Dragon Games

O guerreiro com sua espada e escudo, o arqueiro com suas flechas certeiras, o brandir do cajado de um mago em conjunto com suas mãos gesticulando feitiços poderosos, os dragões, nossa, os dragões...tudo isso me fascinava.

 

Mas com o passar do tempo eu fui meio que enjoando do cenário, sabe? As mesmas tropes repetidas e repetidas vezes foram corroendo o sabor da novidade e por um tempo eu parei de consumir quase tudo com temática medieval pra dar um tempo e tentar recuperar o gosto. Era um típico muito específico de burnout.

 

O meu retorno ao gênero veio anos depois com Game of Thrones, a série televisiva, por insistência de um amigo antigo que assegurou que eu iria gostar bastante, e se tem algo que eu posso dizer, é que meus anos de faculdade, os estudos de Ciências Políticas e um olhar mais focado nesse aspecto tornaram a experiência muito mais madura e séria do que o olhar que eu tinha quando adolescente.

Cena de Game of Thrones
Reprodução: HBO

Hoje, quando pego uma obra nessa temática, o impacto que assistir As Crônicas de Gelo e Fogo teve em mim virou uma referência em inúmeros sentidos. A violência visual, as alianças e traições inesperadas, as expectativas frustradas, intrigas constantes, desconfianças em todos ao redor, os atos de heróis e anti-heróis e todo os sabores do jogo político se tornaram os protagonistas, muito mais que os personagens, e o resto da temática hoje funciona muito mais como um apoio estético do que qualquer outra coisa.


Quando eu comecei a jogar Symphony of War (2022), a primeira coisa que notei foi o cuidado com que a obra tem em estabelecer eventos principais e que são a chave para introduzir o mundo que ali se apresenta. A batalha histórica no monte Ptolomea e o cenário belicoso são logo apresentados para entender que estamos embarcando em uma história épica, e o jogo não tem rodeios quanto a isso.

Tela de captura de Symphony of War
Reprodução: Dancing Dragon Games

Com os pontos mais basilares do roteiro e da construção de mundo na mesa, damos início à trama do jogo, que inicia seu desenvolvimento como outros bons representantes do gênero, envolvendo bastante política e dinâmicas de guerra, afinal, estamos num jogo tático bélico.

 

Um gênero com construções distintas

Fire Emblem, Final Fantasy Tactics, Langrisser, Advance Wars, Ogre Battle, esses nomes são velhos conhecidos dos fãs de jogos de RPG tático. A história do subgênero que mistura estratégia em turnos e RPG é recheada de grandes nomes que são referência histórica e naturalmente criaram tendências com suas peculiaridades.

Telas de captura de Triangle Strategy e Final Fantasy Tactics
Triangle Strategy e Final Fantasy Tactics. Reprodução: Square Enix

Congêneres de Symphony of War, esses jogos são marcados por essas temáticas políticas já mencionadas, além de características de design em comum. Tendo passado por muitos jogos do tipo, consigo traçar duas grandes vertentes da estratégia tática em turnos que distinguem bem seus representantes.

Tela de captura de Shining Force 2
Shining Force 2. Reprodução: SEGA

 

Jogos como Shining Force 1, 2 e 3, a subfranquia Final Fantasy Tactics e Tactics Ogre são exemplos de títulos de grande porte que trabalham suas mecânicas com um foco no desenvolvimento individual das unidades de um só esquadrão/exército, com a micro gestão de posicionamento individualizado durante o combate. Podemos chamá-los de Estratégia de Unidades (Unit based).

Tela de captura de Langrisser
Langrisser. Reprodução: SEGA



Jogos como Langrisser, Advance Wars e o recente Wargroove operam na gestão de uma unidade de esquadrão, sem individualização das unidades e normalmente sem envolver equipamentos, ou atributos de cada um dos integrantes do esquadrão. Em um certo aspecto, esse estilo se caracteriza por uma abordagem mais genérica de sua composição, focando no papel geral desempenhado pelo esquadrão como um todo. Podemos atribuir-lhes a designação de Estratégia de Esquadrões (Squad based).

 

Um estúdio saindo de sua zona de conforto

A Dancing Dragons Games possui em seu portfólio uma extensa lista de RPGs criadas com o motor gráfico bastante popular entre desenvolvedores amadores, o RPG Maker. A maioria, entretanto, utiliza elementos de design tradicionais de RPG de turno, simplificando a ideia de encontros oriundos dos RPGs de mesa.

Arte conceitual
Reprodução: Dancing Dragons Games

Mas quem já se debruçou sobre sessões de D&D ou outros jogos mais simples derivados deste, está também acostumado com o conceito de combate com movimento tático, envolvendo posicionamento e área de efeito de habilidades e magias, similar ao bom e velho xadrez.

Tela de captura de Symphony of War
Reprodução: Dancing Dragon Games

Symphony of War: The Nephilim Saga é o primeiro jogo da empresa independente composta por duas pessoas nesse subgênero tático. Ele se apresenta com um visual 2D que remete imediatamente a Fire Emblem, o que é curioso, já essa franquia se baseia em posicionamento individual das unidades, mas sem um desenvolvimento tão pormenorizado de cada personagem como os já mencionados Shining Force e Final Fantasy Tactics.

Tela de captura de Symphony of War
Reprodução: Dancing Dragon Games

É um modelo unit based mais simplificado onde cada integrante da tropa, apesar de individualizado, não possui técnicas e magias recebidas ao passar de nível a serem usadas como recursos táticos em campo de batalha, apenas atributos, uma classe específica e um tipo de equipamento próprio.

 

Symphony, em outro aspecto, lembra também a base de design de Langrisser, que chamamos de squad based, e cada “peça” do tabuleiro não é somente um personagem, mas uma tropa composta de várias unidades, que batalha em campo de forma sucessiva e vai perdendo membros conforme os combates acontecem.

Tela de captura de Symphony of War
Reprodução: Dancing Dragon Games

Apesar desse caminho híbrido, a Dancing Dragon fez questão de dotar Symphony de um toque próprio que o caracteriza de forma única. Aqui temos, apesar de uma unidade representar um agrupamento, uma maneira diferente de customizar cada uma das tropas, pois somos capazes de montar qualitativamente cada um dos esquadrões, selecionando um líder e adicionando unidades de acordo com suas classes, dentro dos limites impostos.

As unidades são posicionadas em uma matriz 3 por 3 a nosso critério, com linhas e colunas representando a formação tática do esquadrão. As unidades na linha de frente são atacadas primeiro, e é interessante montar a estratégia utilizando uma lógica onde combatentes corporais com maior grau de proteção ficam mais à frente, enquanto unidades de ataque à distância como arqueiros e magos ficam nas linhas de trás.

Tela de captura de Symphony of War
Reprodução: Dancing Dragon Games

 Além disso, a dinâmica adquire mais profundidade quando entram na mistura mecânica algumas classes que atacam primariamente a linha de trás ou atravessam unidades com lanças compridas, forçando o jogador a considerar melhor a formação e o avanço dos esquadrões frente a esse tipo de unidade quando necessário.

 

Se torna importante não só atacar primeiro, mas também defender com uma formação adequada, adicionando camadas de estratégia extra. Outras formas de personalizar ainda mais o esquadrão envolvem equipar o líder com artefatos que afetam os atributos de todas as unidades. Claro, existe um grau enorme de micro gerenciamento em prol da eficiência máxima de cada esquadrão, perfeito pra quem gosta de espremer ao máximo as possibilidades matemáticas.

Tela de captura de Symphony of War
Reprodução: Dancing Dragon Games

Cada membro do exército também possui e pode aprender habilidades passivas, e um “poder de ameaça” permite que se tenha uma noção do grau de periculosidade de cada tropa, destacando a força de cada um durante o desenrolar da batalha.


O combate principal sempre é precedido de uma cena com diálogos e movimentação de personagens para ilustrar a narrativa, similar aos RPGs da década de 90 no Super Nintendo e Megadrive. A equipe optou por uma bela direção de arte retrô em pixel-art, mesclando elementos ocidentais e orientais, como representações das unidades por meio de bonequinhos fofinhos em contraste com suas ilustrações mais detalhadas e realistas em seus avatares de diálogo.

 

Mas é claro que Symphony ainda oferece muito mais em matéria de gameplay, sua característica mais robusta. Nos momentos que antecedem os combates é possível acessar tavernas e mercado para comprar recursos e contratar unidades, além de investir em uma árvore de habilidades que concede avanços tecnológicos e táticos para a campanha.


Tela de captura de Symphony of War
Reprodução: Dancing Dragon Games

É o momento de gerenciar também as tropas, ajustando a inclusão ou posicionamento de membros e manejando suas classes e evoluções, num sistema que permite trocar e experimentar bastante. A gestão de recursos depende ainda da conquista de objetivos extras durante as cenas de combate, oferecendo mais desafio a ser cumprido para garantir o máximo de recompensas possível.

 

ousadia de ter personalidade e deixar sua marca

Nesse ritmo alternado de narrativa e gameplay, Symphony of War conduz uma história envolvente de intriga política, com personagens cheios de carisma e personalidade, que interagem entre si e criam uma sensação de desenvolvimento mais robusta.


Tela de captura de Symphony of War
Reprodução: Dancing Dragon Games

O roteiro se mantém sério o tempo todo, com breves alívios cômicos presentes nos diálogos fora de combate, onde um dos personagens, um grande canalha, tenta sem sucesso flertar com algumas personagens. Não é raro lembrar de jogos que inspiraram o título, como Ogre Battle e Soul Nomad, bem como o já citado Fire Emblem, de forma positiva, pois as influências enriquecem bastante. O próprio Game of Thrones vem à mente em virtude da natureza de sua trama e dos momentos chave da narrativa que evitarei comentar para não estragar as surpresas.

 

As críticas que cabem a Symphony of War refletem algumas decisões tomadas pelos desenvolvedores motivadas pela falta de recursos e pelo longo tempo de desenvolvimento independente. Algumas inconsistências nas artes dos jogos eram perceptíveis no seu lançamento, por exemplo, mas foram endereçados posteriormente e hoje exibem uma coerência e qualidade bem definida. Contudo o uso de tropes de gênero bem batidas é comum, além de uma variedade pequena de level design que peca por se tornar um pouco repetitivo. Missões com os mesmos tipos de objetivo acabam sendo bem recorrentes, além de coisas como “o reino protetor do Norte gelado” e ”personagens com traços asiáticos oriundos do Leste” marcarem presença gritando clichê.

 

Em seu lançamento também foram relatados alguns bugs incômodos. Há de se considerar que a dupla trabalhou arduamente pra criar um motor de jogo próprio derivado do RPG Maker, com inúmeras modificações e implementações que tomaram praticamente seis anos pra chegar no estado final e finalmente lançar o jogo. A promessa é que o próximo jogo já reflita as críticas e já apresente consideráveis melhorias em relação ao primeiro, além de tempo menor de desenvolvimento.


Em entrevista concedida ao site RPGamer, o criador Phil Hamilton confirma que a continuação será uma sequência histórica, se passando 100 anos após os eventos deste primeiro. A recepção do público e a participação da comunidade do Discord dos desenvolvedores tem sido muito prazerosa e frutífera para a sequência, então recomendo que não deixe de embarcar nessa história e conferir esse excelente título que não só traz elementos de suas referências de grandes estúdios, mas também se posiciona bem no rol de jogos táticos, deixando sua própria marca como indie em um gênero já bastante consolidado.


Existem alguns aspectos do gameplay que optei por não detalhar justamente para que possam te surpreender em seu eventual contato direto com o jogo. Eles oferecem mais recursos táticos para levar em consideração e elevam ainda mais as possibilidades.


Tela de captura de Symphony of War
Reprodução: Dancing Dragon Games

Symphony of War: The Nephlim Saga foi pra mim uma grata surpresa que quebrou todas as minhas expectativas. Se suas inspirações pecam, ao meu ver, em prover profundidade e complexidade por optarem por uma abordagem mais direta e pragmática do conceito tático, Symphony vai lá e enriquece imensamente o modelo com suas ideias que me foram extremamente viciantes, me fazendo dedicar quase 70hs de jogo, certamente não necessárias ao jogo, apenas pelo prazer de otimizar as tropas e usá-las em batalha.


Tela de captura de Symphony of War
Isso aqui tá cada vez mais raro na minha vida

Espero que esse conto épico te cative com seus personagens e personalidade, pois se tem algo que me divertiu muito foi como ele fugiu de alguns novos clichês do gênero, que hoje parece querer puxar muito do próprio Game of Thrones em matéria de choque. Lógico, pra quem já tem muita experiência com a temática, muitas coisas serão inevitavelmente previsíveis, mas gosto como ele consegue fazer uma mistura bacana onde entrega e subverte clichês, te deixando curioso, surpreso ou mesmo contente por ter previsto como certas coisas aconteceriam.


Inclusive, Symphony of War: The Nephlim Saga está disponível em português.




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