A algumas semanas atrás eu discutia com alguns amigos sobre a como a experiência de desenvolver alguma crítica pouco enviesada a franquias que nos atingem com um valor emocional muito grande pode ser uma tarefa complicada. O que impede que o peso dado aos erros seja maior que o necessário ou mesmo que os problemas sejam ignorados prol de oferecer uma visão positiva para o alvo da discussão, mesmo que sem querer? No fim de tudo, como já expressei no passado, uma crítica nunca deixará de ser uma extensão das visões e experiências do autor com a obra em questão, e isso inclui quando ela é parte de algo maior. É verdade que esse papo é um pouco mais complicado quando se tratando de criações feitas por amigos próximos, mas enfim, isso é uma conversa pra outro hora hora e admito que puxei esse assunto pra fazer um comentário em específico: eu não consigo não impor os meus sentimentos quando estamos falando de Star Wars.
A ópera espacial criada por George Lucas é, junto a O Senhor dos Anéis, uma das franquias da cultura pop mais importantes da minha vida, eu sou quem sou hoje graças a ela. Anakin Skywalker é o meu personagem favorito da ficção, cresci assistindo ambas as animações de The Clone Wars e explorando o antigo universo expandido que hoje chamamos de Legends, acompanhei Rebels do início a fim... Star Wars esteve ao meu lado em todos os anos da minha vida até agora, todos, e não posso negar como isso afeta a minha relação com cada pedacinho da franquia.
Foi isso que criou situações como A Ascensão Skywalker me ofender a nível pessoal, se tornando o filme que mais ODEIO e me impedindo de ter esperança em qualquer projeto que J.J. Abrams colocou a mão. Foi isso que transformou a Era das prequels no momento da franquia que tenho mais carinho e talvez parte do motivo de eu não dar a mínima pra Luke Skywalker (que a esse ponto deveria estar sendo interpretado por Graham Hamilton ou Max-Lloyd-Jones ao invés de estar preso a um deep fake safadinho de Mark Hamill).
Além disso, saibam também quando criança eu sonhava em um dia criar algum conteúdo sobre videogames, receber eles de forma antecipada, conseguir chegar ao seu final antes mesmo da criatura ser lançada pro mundo e, enfim, produzir sobre, e esse desejo se tornava ainda maior quando envolvia franquias que era (e talvez ainda seja) apaixonada por.
Imaginem como eu me sinto hoje com a oportunidade de jogar Star Wars Outlaws com um pouquinho mais que uma semana de antecedência para cobrir aqui no Game Design Hub. Poxa, eu já estava muito feliz por simplesmente ter sido a pessoa que editou a nossa primeira cobertura de um jogo da franquia no ano passado, e agora tenho a oportunidade de escrever sobre eu mesma. Além disso, isso fica um pouquinho maior quando o jogo em questão foi desenvolvido pelas equipes da Ubisoft, pois Assassin's Creed e Watch Dogs também possuem suas cadeiras de afeto comigo... é uma história complicada.
Sendo assim, que fique claro que estou imensamente feliz pela oportunidade de jogar Outlaws e não encontrarei palavras suficientes para agradecer a Ubisoft Brasil pelo envio da chave antecipada, e que diante de tudo o que disse nos últimos parágrafos, a minha recepção pelo jogo está completamente tomada pelo amor que tenho por Star Wars, mas, dessa vez, não estou tão cega.
A franquia ainda pertence a um império capitalista conhecido como Disney, de joelhos a uma comunidade racista e misógina, enroscada em amarras criadas pelo imaginário e retorno de um passado alimentado por velhos conservadores. Star Wars Outlaws é um reflexo disso: um projeto que parece querer fazer de tudo para florescer em meio a vastidão de uma galáxia distante, mas permanece presa aos mesmos modelos seguros de sua série e de sua desenvolvedora.
O desenvolvimento de jogos de Star Wars esteve contratualmente restrito aos estúdios da Eletronic Arts (outra monstruosidade capitalista) por uns bons anos, até que alguns após a polêmica de loot boxes criada no lançamento de Battlefront II em 2017 isso foi quebrado. A franquia estava livre... né? Os primeiros anúncios não foram nem um pouco animadores: Eclipse, o primeiro jogo no período da Alta República, seria desenvolvido pela Quantic Dream com o repugnante David Cage; e Outlaws, um jogo de mundo aberto desenvolvido pela Ubisoft, hoje conhecida pelos seus projetos formulaicos e pouco polidos desenvolvidos em escala industrial.
O que receberíamos em Star Wars Outlaws? Uma reeskin espacial de Assassin's Creed ou Far Cry? Um jogo de ação com elementos de rpg inflados? Um número desnecessário de conteúdo repetitivo pra criar artificialmente a sensação de ser um jogo repleto de conteúdo? No resultado final, sinceramente, escapamos de um "sim" pra esses questionamentos, o que é ótimo, mas vamos desenvolver isso um pouquinho mais.
Grande parte do desenvolvimento de Outlaws está creditado a Ubisoft Massive Entertainment, responsável pelos dois Tom Clancy's The Division e, mais recentemente, Avatar: Frontiers of Pandora. Esta não é a equipe responsável pelas maiores franquias atuais da Ubi (apesar da marca Tom Clancy não ser pequena) e a aplicação deles da fórmula ubisoft é um pouquinho diferente (mas falo isso desconsiderando Avatar, que ainda não experimentei).
E amigos, particularmente eu adoro a ideia do projeto. Não estamos mais na pele de Jedis, usuários da Força ou sobreviventes da Ordem 66, isso ficou como tarefa pra série Star Wars Jedi da Respawn. Somos fora-da-lei. Kay Vess, a protagonista, é uma mercenária que está relativamente distante das guerras entre a Aliança Rebelde e o Império, ao invés disso, ela rouba ricassos e corporações com a ajuda de apenas um blaster e de seu merqaal, Nix.
Estamos, finalmente, no controle de um dos arquétipos mais reconhecidos da franquia, mantido por figurões como Han Solo, Jango e Boba Fett, Cad Bane, entre outros. Controlamos uma humana sem poderes, alguém que apenas quer sobreviver em meio uma galáxia governada pelo fascismo. Diante disso, a história de Outlaws é bem simples: Kay se lasca durante a tentativa de um assalto em Canto Bight e termina com uma marca de morte colocada em sua cabeça por Sliro, líder do gigantesco sindicato criminal Zerek Besh.
Com isso, Jaylen Vrax, um mercenário, e ND-5, um droide commando das Guerras Clônicas, oferecem a Kay uma saída: será feito um assalto ainda maior, que livrará a caçadora de sua marca e a tornará uma das pessoas mais ricas de toda a galáxia, mas para que isso eja possível, será necessário reunir uma equipe, e exploraremos quatro planetas em busca de recrutar pessoas para reunir as pessoas certas.
Ocorre que as regiões de casa planeta são controladas por quatro sindicatos criminais: Os Pykes, Os Hutts, A Aurora Escarlate e Clã Ashiga, enquanto, só mesmo tempo, Kay é perseguida pelos Zerek Besh. Com isso em mente, vamos considerar um fator mais que positivo pra Star Wars Outlaws: se trata um jogo de ação e aventura não algo super inspirado em The Witcher 3 como os últimos Assassin's Creed.
Não temos mais níveis, grinding ou árvore de habilidades, é como eu disse antes: apenas um blaster e nix. Na verdade, até existe uma progressão de habilidades, mas ela é dependente da conclusão de missões e coleta de recursos. O blaster por si só possui tipos e cadências de tiro que podem ser personalizadas com o uso de recursos e mecanismos ganhos ou roubados.
Os sindicatos estão em guerra entre si, um conflito para decidir quem estará no controle da submundo. A Aurora Escarlate, por sua vez, participa desse conflito enquanto ao mesmo tempo move peças para derrubar o Império. Esse conflito e o mundo que Outlaws apresenta tem origem e é MUITO explorado em uma das principais mídias do universo expandido cânone e atual de Star Wars, os quadrinhos
Solo: Uma História Star Wars estabeleceu a Aurora Escarlate na liderança de Maul, e haviam planos para desenvolver mais e mais o sindicato nas sequências do filme, porém, foi um fracasso enorme e seus derivados cancelados. Os Pykes e Hutts são grupos antigos da franquia, enquanto os Ashiga foram criados para o jogo. Enfim, a trama de Solo seguiu e cresceu nas histórias em quadrinhos, Qi'ra assumiu a Aurora, os conflitos sindicais cresceram, e a partir disso, Star Wars Outlaws nasceu.
Estamos diante de uma obra que escolhe se basear num espaço nichado de sua franquia ao invés segurar suas pontas com os filmes mais célebres, enquanto ao mesmo tempo, funciona de forma independente. Eu não precisava conhecer os quadrinhos ou ter assistido os filmes pra entender o que o projeto propõe e isso é ótimo.
Dito tudo isso, os moldes de um jogo da Ubisoft ainda estão presentes, só de uma forma diferente. As torres para desbloqueio geral do mapa não existem mais, só invés disso, o mapa é liberado assim que chegamos numa região nova, mas não temos acesso aos pontos de interesse (ou interrogações) com ele. Esses pontinhos agora só aparecem na bússola in-game quando estamos próximos, durante a exploração.
Outlaws se propôs a ser O jogo de mundo aberto de Star Wars, e isso de fato o é, mas ainda super preso em cordas. Não a muito o que se observar ou fazer nos planetas além dos contratos, e as missões em si foram um tanto decepcionantes: estamos na maior parte do tempo, invadindo bases e estruturas dos sindicatos e do Império. Kay é frágil e por muito tempo o jogador parece ser punido por tentar entrar em combate ao invés de avançar em stealth.
Não importa se as instalações são da Alta República, Guerras Clônicas ou modernas (no caso, entre os episódios V e VI), são todas iguais de explorar. Sempre ativaremos os mesmos núcleos de energia, pararemos as mesmas turbinas, repetiremos os mesmos hacks, acessarmos as mesmas tubulações. São iguais.
O jogo não foge muito da minha descrição, ele é, de fato, bastante repetitivo quanto ao próprio conteúdo e surpreendentemente linear, mas eu não me importo. Foi delicioso conhecer os quatro planetas, incitar mais conflitos entre os sindicatos, mentir para líderes, jogar sabacc e atropelar fascistas com o meu speeder. Dentro de sua simplicidade, é o que eu sempre quis jogar e clicou mais comigo do que as aventuras de Cal Kestis! Mas tudo isso é frustrante, Outlaws poderia ser tão mais.
O tempo inteiro fiquei pensando sobre como o mundo aberto poderia ser substituído por algo mais linear em troca de bases mais variadas, o tempo inteiro pensei sobre o que esse jogo poderia ser se estivesse ainda mais distante das fórmulas da Ubisoft. Ele é seguro, muito, muito seguro. Apesar de estar mais próximo dos quadrinhos, ainda segue muito o que os fãs esperam ver, ainda segue as bases que fazem Assassin's Creed dar certo, é o famoso jogo feito pra todo mundo (de qualquer forma, estamos mais próximos de um Watch Dogs que um AC).
Eu o amo dessa forma, mas tudo o que eu queria era o ver mais livre. Temos diante de nós o melhor jogo mediano que a Ubisoft, Lucasfilm e Disney são capazes de oferecer, temos diante de nós um jogo com vontade de ser mais, mas com medo de tentar e se deixando levar pela covardia. Star Wars é uma das franquias mais lucrativas do mundo e para manter isso, a Disney prefere impedir a franquia de desabrochar.
Estou bastante curiosa com qual será a recepção desse jogo. Por um lado, imagino-o sendo abraçado pelas comunidade de sua franquia e desenvolvedora juntas, afinal, de todas as formas, ele é um Star Wars da Ubi do jeitinho que se espera, mas ao mesmo tempo, a fandom é bem podre, especialmente quando estamos em caminhos que Outlaws segue.
Star Wars é um universo dominado por mulheres em sua produção, temos pessoas como Claudia Gray, Kiri Hart, Leslye Headland, Bryce Dallas Howard, Deborah Chow e entre outras presentes em cada centímetro desse universo, mas parece que essa galáxia não quer nos ceder um espaço de verdade.
Natalie Portman achou que sua carreira seria arruinada graças a recepção que recebeu pelas prequels como Padmé. Daisy Ridley foi atacada por interpretar Rei, a protagonista a trilogia mais recente. Kelly Marie Tran foi ameaçada por Rose, sua personagem em Os Últimos Jedi, e teve seu papel severamente reduzido em A Ascensão Skywalker. Amanda Steinberg sofreu de racismo pelo público, e a série que protagonizada, The Acolyte, se tornou o primeiro cancelamento oficial de uma série da franquia.
Um pedaço numeroso da fandom é misógina e é eles que a Disney deita todas as noites. Num mundo supostamente tão maior que o nosso, imenso como uma galáxia, tão vasto, qualquer movimento além da cisheteronormatividade é punido pelo público, e pelos cabeças das empresas envolvidas. A Ubisoft é recheada de escândalos, a Disney tanto quanto. Nós não temos um espaço de verdade, somos apenas ferramenta pra venda.
Ainda assim, Outlaws surge com um elenco majoritariamente feminino. Temos Qi'ra, Riko, Eleera, Ank, as Ashigas, um monte de vendedoras e um mais monte de troopers mulheres, Rebeldes não-binários e Kay Vess, a protagonista, é uma mulher negra. Eu fiquei muito feliz de ver, rever e escutar MAIS vozes femininas e não-binárias que masculinas nesse projeto, e isso inclui a própria produção.
A jornada de Kay, assim como a franquia como um todo, conversa muito sobre liberdade. A "lacração" não é um tema nele e nem precisa ser, mas está presente. Diante de todas as prisões que fizeram Star Wars Outlaws nascer como é, ainda diante de suas falhas ou de sua linearidade, a equipe ainda conseguiu criar um mundo em que mulheres e pessoas não-binárias podem ser livres.
Fiz questão de acompanhar os créditos do jogo em seu final. A Ubisoft Massive está presente como aquela que carregará o jogo em seu currículo, mas muitos, muitos estúdios da Ubi e Lucasfilm trabalharam juntos para que o projeto fosse possível. Centenas e mais centenas de pessoas de todos os cantos do mundo unidas para que a história de Kay Vess fosse contada. Produtores, programadores, artistas digitais, tradutores, localizadores, recrutadores, animadores, galera do TI, RH e jurídico, pessoas responsáveis pelos primeiros filmes, social media... todos devidamente creditados. Mas bem pagos? Imagino que não. Nem sequer sei se a maioria daqueles nomes ainda estão nas suas empresas, considerando as demissões em massa que acontecem com frequência desde o ano passado, mas independente, graças a essas pessoas, Star Wars Outlaws existe. Dentro daquelas amarras há o amor de algumas pessoas que quando crianças sonhavam em trabalhar com esta franquia, assim como eu queria estar escrevendo essas palavras na infância.
Não sei o que vai acontecer no futuro, mas independente disso, Outlaws existir é uma vitória. Ainda que seja desenvolvido por corporações multimilionárias, o lançamento de qualquer jogo é um milagre, e o mesmo vale para ele. É exatamente o que eu esperava, mediano que só, e duvido que um dia Star Wars estará livre de novo, mas esse jogo ser como é ainda é uma vitória. Eu o amo desse jeitinho.
Parabéns a todas as pessoas que deram o sangue para que Star Wars Outlaws exista, obrigada e parabéns a todas as mulheres por esse espaço que temos com o jogo. Apesar de tudo, estou muito feliz que ele exista, às vezes parecia que ele foi feito pra mim. Realizei um sonho de quando era criança cobrindo esse jogo, me diverti horrores na última semana, e espero que, acima de tudo, mais pessoa possam aproveitar ao menos um poquinho esse universo.
Agradecemos gentilmente à Ubisoft Brasil pelo envio de chave para análise de Star Wars Outlaws.
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